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O apresentador de TV Jimmy Kimmel | Randy Holmes/ABC
O apresentador de TV Jimmy Kimmel| Foto: Randy Holmes/ABC

As guerras culturais da era Trump chegaram a um novo auge, quando o mais recente projeto de lei da saúde proposto pelos republicanos revigorou a discussão sobre se é certo que o apresentador de TV Jimmy Kimmel dê sua opinião sobre a medida enquanto o presidente Donald Trump teve um acesso de raiva, repleto de linguagem chula, sobre a decisão de Colin Kaepernick de se ajoelhar enquanto era tocado o hino nacional para protestar contra a violência policial.

Em meio a nossa primeira presidência em estilo TV-realidade, vale a pena indagar: que obrigações pensamos que as celebridades têm pelo fato de serem celebridades? E o que essas expectativas revelam não apenas sobre os artistas e atletas que se recusam a enquadrar-se nelas, mas também sobre nós?

É fácil pensar na fama e celebridade como coisas que existem em um ambiente fechado, que se auto-perpetua. Quando você fica famoso, frequentemente tem oportunidades de enriquecer, quando então tem incentivos para continuar famoso para poder continuar a ganhar muito dinheiro, e assim por diante. 

Se uma pessoa joga na NFL (a Liga Nacional de Futebol americano dos EUA), talvez queira conservar sua riqueza e fama para, quando seu tempo como atleta chegar ao fim (especialmente hoje, quando mais jogadores optam por aposentar-se em idade mais jovem), poder encontrar trabalho como apresentador de rádio ou televisão, ou, ainda, como alguém envolvido em trabalho comunitário importante.

Se ela é artista, adquirir uma boa base de celebridade talvez lhe permita passar de um projeto profissional a outro ou, ainda, a ajude a fazer a transição de ser ator para diretor de cinema ou produtor de um programa de televisão.

Convicções

Para muitos de nós, isso provavelmente soa como um desafio profissional melhor do que a maioria. É também um desafio limitado. O dinheiro é uma coisa maravilhosa, mas em determinado momento muitos famosos provavelmente já têm mais dinheiro do que vão precisar pelo resto da vida.

Ser atleta ou ator profissional, ou mesmo ter um trabalho que exige tanto quanto o de apresentador de um programa noturno de televisão, ocupa apenas parte do tempo de uma pessoa e apenas um número limitado de anos em sua vida.

Em vista das coisas finitas que é possível fazer com a fama e a celebridade se o interesse da pessoa se limita a continuar sendo rica e famosa, é realmente tão surpreendente assim que alguns astros optem por gastar um pouco de sua celebridade, até mesmo em circunstâncias em que há poucas chances de recuperá-la?

Se você tem uma plataforma enorme e possui convicções profundas, depois de algum tempo pode lhe parecer um desperdício – até hipocrisia – guardar silêncio em vez de expressar o que você pensa, mesmo que isso lhe faça incorrer o risco de perder um pouco de sua influência.

Contrato imaginário

Quando as pessoas reclamam, dizendo que é contra a ordem natural das coisas que um comediante de TV ou um jogador da NFL deem uma declaração política, estão falando de como a celebridade funciona para elas. Estão argumentando, essencialmente, que querem que as pessoas famosas as distraiam e anestesiem. Qualquer coisa que atrapalhar o entretenimento é, para elas, uma afronta grave.

Se um artista assume uma posição política, sua postura pode forçar o público a encarar a verdade de que ideias reais fundamentam sua arte favorita, mesmo que elas prefiram não tomar conhecimento dessas ideias.

Se um atleta se ajoelha quando é tocado o hino nacional, isso pode sugerir que o futebol americano, o basquete ou o beisebol não são a única razão de ser desse atleta. Se uma celebridade se dispõe a desagradar a alguns de seus fãs para se manifestar sobre algo em que acredita realmente, isso rompe o contrato imaginário entre os astros e seus fãs – aquele pacto que sugere que a pessoa famosa precisa dos fãs que a adoram, tanto quanto os fãs precisam dela.

Guerras culturais

As reações dos fãs tendem a revelar tanto sobre eles quanto revela sobre os astros que eles de repente enxergam sob uma nova luz. Será que estamos tão ligados aos papéis que atribuímos às celebridades que não conseguimos aceitar que elas se desviem desses papéis, por pouco que seja?

Somos realmente tão limitados que podemos sugerir que está tudo bem uma pessoa muito famosa usar a fama para promover tênis ou Nespresso, mas não ideias?

Se sim, o que isso revela sobre nossa própria obsessão com o comércio e a riqueza, em detrimento da substância intelectual e da honestidade pessoal? E quando o assunto é o dos protestos em torno do hino nacional, por que alguns observadores fazem questão de interpretar o que os atletas estão fazendo da pior maneira, em lugar de ouvir o que eles realmente têm a dizer?

Enquanto Trump for presidente, e enquanto ele for mais hábil em atiçar guerras culturais que em governar o país, é provável que esse tipo de discussão acirrada continue. Enquanto esses debates correm soltos, pode ser tranquilizador proferir opiniões sobre o que atores e atletas deveriam estar fazendo em lugar de dar declarações. Isso, sem dúvida, é mais fácil do que fazer a introspecção que pode nos mostrar que aquilo que desejamos de nossas celebridades favoritas não nos mostra sob ótica positiva.

Tradução de Clara Allain.
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