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Jan Kubiš and Jozef Gabčík (no meio), em 1940: os dois tchecos, a serviço dos britânicos, mataram um alto general nazista em Praga | /Reprodução
Jan Kubiš and Jozef Gabčík (no meio), em 1940: os dois tchecos, a serviço dos britânicos, mataram um alto general nazista em Praga| Foto: /Reprodução

O general alemão Reinhard Heydrich era um dos favoritos de Adolf Hitler. A crueldade com que oprimiu a população da região de Praga lhe rendeu o apelido de “açougueiro”. Ele era um dos líderes da SS, a organização paramilitar culpada pelas maiores atrocidades cometidas pelo Nazismo. Coube ao eslovaco Jozef Gabcik e ao checo Jan Kubis, paraquedistas do exército britânico, ambos com pouco mais de 20 anos, a tarefa de matar Heydrich.

Em 27 de maio de 1942, Gabcik e Kubis conseguiram abordar a Mercedes-Benz que transportava o alemão para casa. Ao apertar o gatilho, a arma do eslovaco engasgou. Heydrich saiu do carro armado para responder à ameaça, mas uma granada lançada por Kubis feriu gravemente o nazista. A bomba, modificada para disparar estilhaços com a explosão, quebrou uma costela, perfurou o diafragma e detonou o baço de Heydrich. O alemão morreu oito dias depois de septicemia em um hospital de Praga. A operação, batizada de Antropoide (um filme sobre a operação foi lançado ano passado, veja trailer abaixo), foi bem sucedida, mas teve baixas. Nenhum dos dois paraquedistas sobreviveu à perseguição dos alemães em resposta ao atentado.

O assassinato de Heydrich foi um dos momentos mais significativos da resistência à ocupação nazista na Checoslováquia. Por trás dela giraram as engrenagens da SOE (Executiva de Operações Especiais, na sigla em inglês), o exército secreto do Reino Unido especializado em “táticas sujas”, conforme os próprios membros da divisão descreviam. Antes das missões, o general Collin Gubbins, comandante do SOE, relembrava seus comandados que eles eram guerrilheiros recrutados por sua “abordagem independente e não militar da vida”.

O principal avalizador desse grupo era o premiê britânico Winston Churchill. As operações realizadas pela SOE são detalhadas no livro Churchill’s Ministry of Ungentlemanly Warfare (O Ministério da Guerra Impiedosa em tradução literal; o livro ainda não foi publicado no Brasil), escrito pelo historiador Giles Milton e lançado no final do ano passado na Inglaterra.

“Loja de brinquedos”

Gubbins começou a desenvolver suas estratégias em uma sala apertada em 1939. Tinha apenas um recruta. Três anos depois, o SOE amealhou cerca de 3.000 guerrilheiros, muitos deles com ficha corrida na polícia (segundo Milton, um passado criminal era um diferencial desejável no currículo). Eles eram treinados por Eric Sykes e William Fairbairn, especialistas em assassinatos silenciosos. Fairbairn dava as boas-vindas aos recrutas avisando que a partir dali era preciso esquecer todas as noções de fair play. Já o linha-dura Sykes exigia o limite da resistência de seus alunos, mesmo para padrões do exército.

Mas parte da efetividade do SOE se devia a outra equipe, de 250 pessoas e orçamento anual de 40 mil libras: o MD1, que fabricava e desenvolvia armamentos como a granada que matou Heydrich. O coronel e inventor Stuart Macrae apelidou a organização de “loja de brinquedos de Churchill”. O próprio premiê visitava as demonstrações e testes de invenções. Segundo Macrae, ele era um “showman” e seus brinquedos faziam parte de suas exibições.

Castração de nazistas

Churchill’s Ministry of Ungentlemanly Warfare

The Mavericks Who Plotted Hitler’s Defeat

Giles Milton

Picador

368 páginas

US$ 28

Por mais que algumas das principais lideranças do exército criticassem o SOE, Churchill garantia o apoio financeiro e político. Não dava ouvidos aos altos escalões do exército que acreditavam ser mais efetivo bombardear com aviões uma área do que mandar paraquedistas arriscar a vida atrás da linha inimiga. Churchill, que acumulava o cargo de ministro da Defesa, também fazia vista grossa à tortura e mutilação de nazistas. Inimigos capturados eram castrados, “um importante elemento na guerra psicológica de Gubbins contra os nazistas”, descreve Milton.

O principal professor pardal do MD1 era o engenheiro Cecil Clarke, militar que serviu na Primeira Guerra e que posteriormente abriu uma empresa de trailers que manteve até ser convocado para ajudar no desenvolvimento de bombas para a Segunda Guerra. Não era incomum que ele chegasse a esses avanços de maneiras heterodoxas. Para impedir que um determinado modelo de mina explodisse no estoque, a solução encontrada por Clarke foi envolver o gatilho com camisinhas.

Outro exemplo foram os detonadores da Bomba-W, que usaram pastilhas Alka-Seltzer em sua composição, fazendo dessa a primeira arma capaz de afundar um navio e curar ressaca. O MD1 produziu 3,5 milhões de minas, 1,5 milhões de bombas adesivas, 2 milhões de granadas fragmentárias entre muitos outros tipos de armamentos. O Reino Unido enviava seu material não só para as batalhas travadas na Europa, mas também para guerrilheiros do Cairo, Nova Zelândia, Bombaim e Rangum.

Operação crucial

Os detonadores do MD1 estiveram por trás de operações audaciosas e espetaculares do SOE. Quase cem fábricas nazistas foram destruídas pelos guerrilheiros, incluindo a fábrica da Norsk Hydro, na Noruega, em 1943. O alvo passou a ser prioritário depois de a inteligência britânica detectar a manufatura de água pesada, componente necessário para o desenvolvimento de armas nucleares, no local.

Não que os guerrilheiros tivessem acertado desde o início. Uma das primeiras missões do grupo na Polônia enviou 20 espiões disfarçados de civis (comerciantes, agricultores, agentes de seguros eram algumas das profissões de fachadas) com um erro decimal. Os passaportes tinham números sequenciais, o que poderia ter levantado a suspeita dos nazistas. Um equívoco que poderia ter custado a vida dos soldados, incluindo a de Gubbins, que acompanhava a mal sucedida missão.

Entre sucessos e tropeços, décadas depois do fim da Guerra, a máxima de que a história é contada pelos vencedores ainda é válida. Significa dizer que a parte suja da conquista vai para debaixo do tapete. Os feitos do SOE e do MD1 não constam nos principais memoriais de guerra do Reino Unido, como o Imperial War Museum. Uma conclusão obscura, com sarcasmo à Churchill, para os soldados que agiam nas sombras.

Os sabotadores da coroa

Conheça alguns dos principais protagonistas das táticas de guerrilha do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial

Colin Gubbins

General, foi o principal arquiteto e líder da Executiva de Operações Especiais, a divisão de táticas de espionagem e guerrilha.

Cecil Clarke

Engenheiro, ex-designer de trailers e criador de diversos explosivos com soluções prosaicas, como uso de camisinhas.

Eric Sykes e William Fairbairn

Especialistas em assassinatos silenciosos, treinavam os soldados britânicos que se infiltravam atrás das linhas inimigas.

Jozef Gabcik e Jan Kubis

Responsáveis por assassinar o general alemão Reinhard Heydrich, um dos feitos mais notáveis dos guerrilheiros de Churchill. Não conseguiram escapar dos nazistas depois de executar sua missão.

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