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O padre Rey Pineda é receptor da DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals, ou Ação Diferida para Chegadas na Infância). Ele é um dos quase 690 mil jovens com autorização temporária para permanecer legalmente no país a que eles foram trazidos quando crianças – o único receptor da DACA identificado publicamente que usou a autorização para se tornar padre da Igreja Católica | Michael A. Schwarz/For The Washington Post
O padre Rey Pineda é receptor da DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals, ou Ação Diferida para Chegadas na Infância). Ele é um dos quase 690 mil jovens com autorização temporária para permanecer legalmente no país a que eles foram trazidos quando crianças – o único receptor da DACA identificado publicamente que usou a autorização para se tornar padre da Igreja Católica| Foto: Michael A. Schwarz/For The Washington Post

Enquanto entrega uma hóstia para cada pessoa, o padre vê seus congregantes voltarem para os seus assentos. Eles se ajoelham e abaixam as suas cabeças. Mãos em oração. Na igreja, uma lágrima desce em um rosto, e então outro e outro. 

O padre sabe a oração por trás dos rostos desses imigrantes não documentados, a quem ele tem a missão especial de servir. É uma oração que ele compartilha: Señor Jesus, não nos faça sair dos Estados Unidos. 

O padre Rey Pineda é receptor da DACA (Deferred Action for Childhood Arrivals, ou Ação Diferida para Chegadas na Infância). Ele é um dos quase 690 mil jovens com autorização temporária para permanecer legalmente no país a que eles foram trazidos quando crianças – o único receptor da DACA identificado publicamente que usou a autorização para se tornar padre da Igreja Católica. 

Em todo o país, “dreamers”, como são chamados os jovens receptores da DACA, como Pineda, 29, estão no centro de um debate tão contencioso que paralizou o governo. Um lado acredita que qualquer pessoa que desrespeitou a lei para entrar no país não merece permanecer aqui. O outro lado acredita em dar uma chance para as pessoas que vieram para cá quando eram crianças e agora estão incorporadas nas comunidades americanas. 

O mesmo debate está fervilhando na paróquia de Pineda em Atlanta, onde ele lidera uma congregação de milhares de imigrantes hispânicos e milhares de sulistas brancos conservadores. É um conflito sobre princípios como justiça e cultura, acolhimento e segurança, e perdão. 

Mas também é um conflito sobre o que deverá acontecer com o seu padre. 

Milagre americano

Para Pineda, a mesma jornada desesperada que o tornou um imigrante ilegal aos 2 anos de idade, também o tornou um homem com um chamado para servir a Deus. 

Após um acidente de carro na pequena cidade natal de Pineda no México, sua mãe, Teresa, entrou em coma; os médicos disseram ao seu marido que, caso sobrevivesse, ela nunca recuperaria totalmente as suas funções motoras e mentais. Em busca de ajuda, a família conseguiu atravessar o deserto de Los Angeles – e, na visão de Pineda, os cuidados médicos dos EUA foram o seu primeiro milagre. 

A família ficou no país e se mudou para Atlanta. Pineda notou o tema da graça salvadora de Deus na sua história desde cedo. “Isso meio que começou a dar forma para a minha percepção de que sobrevivemos a muita coisa”, disse. “Não foi apenas pela força e perseverança dos meus pais, apesar de isso ter tido muita influência.” 

Aos 16 anos, ele decidiu se tornar padre. Na igreja, entretanto, os padres que ele consultou disseram que ele não poderia se juntar a eles porque não era documentado e não poderia trabalhar legalmente nos Estados Unidos. 

A igreja mesmo assim apoiou a sua busca pelo seu chamado, primeiro como graduando em filosofia na Southern Catholic Church, depois em mais dois anos de seminário. Nesse momento, o diretor vocacional conversou com ele para dizer que a igreja não o ordenaria porque ele não era documentado. 

Pineda continuou estudando mesmo assim, acreditando que, de algum modo, Deus mostraria um caminho para a vida sacerdotal. E então um caminho apareceu na forma de uma ordem executiva. O então presidente Barack Obama criou o DACA na hora certa para Pineda se tornar padre. 

Pineda trabalha na Cathedral of Christ the King, em AtlantaMichael A. Schwarz/For The Washington Post

Divisão

A paróquia onde Pineda trabalha é uma das mais estáveis de Atlanta – a Cathedral of Christ the King. Construída em um terreno que já foi uma sede da Klu Klux Klan antes da construção da catedral há 80 anos, a igreja agora é a casa de uma congregação de quase seis mil famílias que se divide de modo racial e político, assim como a população de 1,2 milhão de católicos no norte da Geórgia e a população de católicos no país. 

Católicos brancos, que representam quase 60% dos católicos nos EUA, tendem fortemente ao Partido Republicano – 60% deles votaram no presidente Donald Trump, uma parcela maior do que os que votaram em qualquer candidato do Partido Republicano nos últimos 16 anos, enquanto 37% votaram em Hillary Clinton, de acordo com dados do Pew Research Center. 

Enquanto isso, católicos latinos, que representavam 34% dos católicos americanos em 2014 e estão crescendo em número, votaram em proporções opostas: 67% para Clinton e 26% para Trump. 

Em setembro, quando Trump cancelou o programa DACA que Obama havia criado em 2012, a Conferência de Bispos Católicos dos EUA criticou a decisão e pediu ao Congresso que passasse uma legislação permitindo que os dreamers permanecessem no país. Na semana passada, chegando ao fim o prazo de estabelecer um acordo ou fechar o governo, os bispos publicaram a sua última declaração: “Enquanto país, nós temos uma obrigação moral e humanitária com os Dreamers”. 

Mas as palavras dos bispos não ditaram as posições políticas dos fiéis. Na igreja Christ the King, onde Pineda é um dos três padres em atividade, parece que quase todo mundo nas missas em inglês costuma se referir aos imigrantes como “ilegais”. 

Muitos paroquianos votaram em Trump, que colocou a sua oposição impetuosa a imigração no centro da sua campanha presidencial. 

“Eu construiria o muro”, declarou Andy Smith na segunda-feira (15), após sentar-se com uma xícara de café da cozinha da catedral que leva o seu nome. A foto de Smith está lá, emoldurada, reconhecendo os seus anos de trabalho dedicado como sacristão da igreja. “Nós somos um país soberano. Temos o direito de proteger as nossas fronteiras. Eu acabaria com a migração em cadeia e definitivamente acabaria com a loteria.” 

Ele concorda com o presidente, cuja retórica Smith considera divertida. 

Mas quando se trata de imigrantes que já estão nos Estados Unidos, e principalmente DACA, Smith muda o seu tom. 

“Eles estão cuidando de negócios e de suas famílias, e eles já estão aqui. E os dreamers provavelmente são os melhores desse grupo. Eles são jovens. Eles são educados. Como o Padre Rey”, diz. 

O acolhimento do sacristão de 79 anos ao padre, e o seu salto de ter conhecimento da situação do padre a apoiar a proteção das fronteiras do país de quase 11 milhões de imigrantes não documentados, é semelhante às histórias contadas por muitos membros da igreja. 

“Um desses dreamers é um dos meus padres.”

Jackie Marcinko, professora de religião na escola ligada à catedral, não gosta de falar sobre política – ela e seu marido sequer contam um ao outro em quem votaram, já que ela é de esquerda e ele é de direita. Mas a situação de Pineda a levou a agir. Ela escreveu emails para um membro do Congresso pela primeira vez, pedindo que os dois senadores do Partido Republicano da Geórgia protegessem os Dreamers. Quando viu um amigo tweetar que a DACA era ilegal, ela respondeu. “Isso é pessoal para mim”, relembra que escreveu. “Um desses dreamers é um dos meus padres.” 

Quando se tornou padre, Pineda pensou que a parte mais importante do seu ministério seria trabalhar com imigrantes como ele. Essa é uma parte grande do seu trabalho na catedral. Mas após um ano e meio na catedral, ele acredita que o seu trabalho com famílias que nunca conheceram um dreamer também é muito importante. 

“O que Deus me pediu foi que eu trabalhasse com a comunidade não imigrante, para esclarecer essa questão e talvez conseguir mudar os seus corações”, diz. “Colocar um rosto na questão, e também por eu ser o seu padre, é uma boa posição.” 

Allen Kinzly, 35, se tornou amigo do padre devido ao seu entusiasmo comum pelo Atlanta United, o time de futebol da cidade. 

Kinzly votou em Trump. Ele achava que Trump seria melhor do que Clinton para a economia e as forças armadas. Mas, agora, ele é um grande defensor de proteções para os dreamers como o seu amigo. “É por causa desse relacionamento e da minha amizade com o padre Rey”, diz. 

Passando por fotos no seu celular, Kinzly, produtor de vídeo no escritório de comunicação da diocese, encontra imagens de Pineda se divertindo em uma noite após um jogo de futebol. O padre, usando shorts e camisa do time, em vez da sua batina, de repente pega uma haste de seis metros na traseira da caminhonete vermelha de Kinzly e balança no ar a enorme bandeira estrelada. Kinzly tirou fotos quadro a quadro. 

Com quatro dias restantes para o Congresso chegar a um acordo ou fechar o governo, Kinzly olhou as fotos daquela noite. 

“Ele é tão americano quando você e eu.” 

Solidariedade 

A oito quilômetros do esplendor dos vitrais da catedral, o pároco tem um segundo endereço: a Mision de Cristo Rey, um galpão convertido em igreja. 

Quando Pineda faz o sermão nas missas em espanhol que reúnem mais de mil pessoas todo domingo, a sua mensagem é de solidariedade. A maioria dos fiéis não são documentados ou têm parentes nessa situação. 

“Todos eles sabem que eu sou dreamer”, diz. “Quando rezamos, quando ficamos nervosos com as coisas que estão acontecendo no governo ao nosso redor, eu sempre, de modo bem humorado, lembro: ‘Não se preocupem. Se eles vierem te buscar, também virão me buscar.’” 

A Igreja Católica tem sido mais cautelosa ao oferecer auxílio direto para pessoas em risco de deportação do que outras igrejas no país, que se voluntariaram como santuários para proteção das pessoas contra os agentes de imigração. A Conferência dos Bispos Católicos nos EUA incentivou os padres e líderes a apoiarem os vizinhos imigrantes em tais situações. Mas cada bispo deve decidir se deseja declarar a sua igreja como santuário. 

Em Atlanta, o arcebispo Wilton Gregory decidiu contra isso, dizendo que a igreja não poderia garantir que poderia proteger qualquer pessoa da força da lei. 

Então a ajuda que Pineda oferece é mais espiritual – escutar e oferecer palavras de incentivo. 

Domingo, quando ele deu o sermão em espanhol após os supostos comentários de Trump sobre imigrantes de países “buracos de merda”, Pineda falou aos fiéis latino-americanos sobre o perdão de Deus. Os ofensores podem ser nossa família ou amigos, segundo ele. Ou podem ser “políticos que nos transformam em vilões, fazendo-nos parecer inimigos do povo. Até mesmo ele merece ser amado. É isso que o Senhor nos pede para fazer”. 

Arelis Hernandez levou isso a sério. Depois da missa, ela disse que estava tentando rezar por Trump. Mas é difícil. Ela é uma imigrante não documentada, e apesar de dizer aos clientes da loja de roupas em que ela trabalha que eles não deveriam se preocupar com a sua situação de imigração, quando ela volta para casa, fica aterrorizada. 

Em dias mais difíceis, ela vai à missa. “Quando eu venho para cá, eu falo com Deus. Isso me ajuda a relaxar”, diz. “Principalmente o padre, ele diz: ‘Não se preocupe”. Principalmente Padre Rey. Ele diz: ‘Eu também sou’. Ele diz: ‘Eu sou um dreamer’.” 

Antes de sair da missa, ela se voltou para o altar e fez o sinal da cruz mais uma vez, reunindo forças para a jornada que a espera. 

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Tradução de Andressa Muniz
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