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Cidade de Plamyra, no centro da Síria: tropas sírias apoiadas por jatos russos completaram a recaptura da cidade histórica de Palmyra do grupo do Estado islâmico em março | STRINGER/AFP
Cidade de Plamyra, no centro da Síria: tropas sírias apoiadas por jatos russos completaram a recaptura da cidade histórica de Palmyra do grupo do Estado islâmico em março| Foto: STRINGER/AFP

Todos os dias por mais de três anos, a coalização liderada pelos EUA bombardeou alvos no Iraque e na Síria, em um total de quase 30 mil ataques. Mas em 26 de novembro, não houve nenhum ataque aéreo. Apenas uma semana antes, o exército iraquiano havia reconquistado o último pedaço de território controlado pelos combatentes. Agora, o Pentágono anunciou que 400 fuzileiros navais enviados para lutar na Síria retornarão para casa. 

Esses marcos parecem simbolizar a derrota do Estado Islâmico, com o fim do seu califado autodeclarado. Mas a batalha não acabou. 

Forças iraquianas e sírias ainda precisam proteger as suas fronteiras porosas, que o Estado Islâmico havia alterado, e ainda estão perseguindo combatentes em desertos cheios de cânions. O exército dos EUA também não definiu o seu papel agora que o maior combate acabou, apesar de oficiais americanos e iraquianos terem sugerido a possibilidade de uma grande redução de tropas dos EUA. 

Mais urgente do que isso, o Iraque e a Síria estão cingidos por uma onda de violência terrorista, como o ataque que matou mais de 300 pessoas em uma mesquita no norte de Sinai, no Egito, no final de novembro. 

Para isso, as tropas iraquianas estão em transição para papéis de policiamento que entrarão em contato com eles para informações de inteligência e para desmantelar células secretas. As forças armadas dos EUA estão auxiliando ao trabalhar com as forças de polícia e unidades do exército encarregadas de prevenir que os combatentes realizem ataques em locais antes dominados por eles, de acordo com o coronel Ryan Dillon, porta-voz da coalizão liderada pelos EUA contra o Estado Islâmico. 

“Esperamos que eles voltem para as suas raízes insurgentes”, disse. 

Mas as políticas imprevisíveis do Iraque e da Síria e rivalidades em relação a territórios podem atrapalhar os esforços antiterroristas. 

No Iraque, uma força contraterrorismo de elite treinada pelos EUA foi envolvida em uma disputa política e militar entre o governo iraquiano e uma iniciativa curda de secessão. 

As unidades das forças armadas deveriam retornar para o quartel general da província de todo o Iraque quando a batalha contra o Estado Islâmico acabasse. Em vez isso, elas foram espalhadas pelo norte do Iraque para áreas disputadas por governos regionais curdos e de Bagdá, de acordo com o tenente-general Sami al-Aridhi, comandante de uma das três divisões das forças armadas. 

“Esse é o nosso novo foco”, disse, descrevendo a presença das tropas na proximidade das regiões curdas. 

Resolver essa crise permitiria que as unidades contraterroristas retornassem ao seu papel designado de baluarte contra os ataques do Estado Islâmico, como o ocorrido em setembro, que matou mais de 80 peregrinos xiitas no sul do Iraque. Tais ataques ressaltam a ameaça contínua do Estado Islâmico apesar das suas perdas territoriais. 

Proteger a fronteira do Iraque com a Síria e a região de deserto dos dois lados é um passo crucial para prevenção de mais derramamento de sangue, de acordo com os comandantes militares. 

O exército do Iraque e milícias aliadas xiitas liberaram cerca de 1,4 mil quilômetros de deserto no oeste do Iraque, mas um território do mesmo tamanho ainda precisa ser protegido, segundo os comandantes iraquianos. 

A área inclui rotas de contrabando e esconderijos de combatentes que as forças iraquianas estão alcançando pela primeira vez em 14 anos, de acordo com o major-general Qassim al-Mohammadi, comandante das operações no oeste da província de Anbar. 

“O local foi usado como um ponto para os grupos terroristas se mobilizarem e treinarem”, disse. “O maior desafio para nós agora é o tamanho do setor. É difícil investigá-lo completamente.” 

Presença norte-americana

O exército do Iraque tem usado o seu poder aéreo para destruir posições de combatentes na vasta região, que não é ocupada por civis. Ataques americanos não têm sido necessários, segundo Dillon, levantando novas questões sobre o papel dos EUA em longo prazo.

A presença de forças armadas americanas no Iraque tem irritado há muito tempo as milícias xiitas apoiadas pelo Irã, e os seus líderes pediram uma retirada agora que o califado do Estado Islâmico foi derrubado. 

O Primeiro Ministro iraquiano, Haider al-Abadi, disse que espera que as tropas americanas comecem a diminuir o seu número máximo de 5,2 mil neste ano, mas quer que algumas continuem a treinar o exército iraquiano em coleta e compartilhamento de informações. 

“Não é de nosso interesse, nem do interesse de outros países na região, que grupos terroristas se organizem novamente”, disse em entrevista neste ano. 

Abadi disse que o Iraque não celebrará a vitória sobre o Estado Islâmico até que os combatentes sejam contidos no deserto do oeste e a fronteira com a Síria seja fechada. 

A perspectiva na Síria é muito mais sombria. O governo Trump sugeriu que as forças armadas americanas podem ter uma missão sem fim definido no país até que seja encontrada uma solução política para a guerra na Síria. Esse processo de parada envolve o presidente sírio Bashar Assad e os seus aliados russos e iranianos, e grupos de oposição apoiados pelos EUA. 

Especialistas e comandantes de grupos rebeldes alertam que o Estado Islâmico permanece como uma ameaça potente na Síria e que o clima político debilitado do país pode ajudar os grupos combatentes a se reorganizarem. 

“Os governantes gostam de falar sobre o Estado Islâmico em termos de métricas, números, cidades tomadas. O que esquecemos é que o Estado Islâmico é mais do que uma presença territorial. Ele é uma força política, uma força ideológica, e isso diz algo sobre o mundo que as pessoas têm vivido na Síria e no Iraque”, disse Tobias Schneider, analista de segurança internacional. “Não estamos um passo mais perto de resolver essas políticas.” 

Forças locais

Com o governo de Assad recapturando territórios, os componentes menos populares do seu comando são estabelecidos. Dezenas de milhares de pessoas permanecem em cadeias miseráveis do governo, e desigualdades econômicas têm sido aumentadas com uma economia de guerra que recompensa os aliados do governo enquanto a maior parte da população depende de caridade e assistencialismo. 

“Os grupos terroristas não desaparecerão enquanto as condições que permitiram o seu crescimento ainda existirem”, disse Mustafa Sejari, oficial da Brigada al-Mutasim, grupo rebelde apoiado pelo Pentágono que luta contra o Estado Islâmico. Com base em um enclave protegido pela Turquia no norte da Síria, o grupo enfrentou uma série de contra-ataques no último ano. 

O envolvimento de grupos representantes apoiados pelo Irã – e pelos EUA – na guerra contra o Estado Islâmico na Síria também pode se tornar um problema em breve, de acordo com analistas. 

“Acredito que subestimamos o grau em que todos esses territórios que dizemos estar sob o controle de forças centrais ainda estão sob o controle de forças locais, e não é difícil para eles mudarem de lado”, disse Schneider. 

O fato de que forças externas derrubaram o Estado Islâmico deveria dar uma pausa para os Estados Unidos e suas tropas aliadas para que possam focar em restaurar a estabilidade nas áreas que eles dominaram, segundo Nicholas Heras do Center for a New American Security em Washington. 

“Isso deveria ser preocupante para os EUA e seus parceiros na Síria porque mostra o nível com que o Estado Islâmico pode infiltrar os seus operários, todos eles sírios, nas estruturas de segurança e do governo que estão sendo construídas para substituí-lo”, disse. 

Uma preocupação específica são as partes do leste da Síria em que as tropas estabeleceram sua base no deserto. 

Heras disse que aquela região, que faz fronteira com o Iraque, “será um mar de turbulência quando o Estado Islâmico construir a sua missão insurgente nos próximos meses e anos”. 

(*) Loveluck é repórter em Beirute. Zakaria Zakaria, do The Washington Post em Istambul, contribuiu para essa reportagem.

Tradução Andressa Muniz
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