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Um cartaz onde se lê que Heather Heyer repousa na base da estátua do general confederado Robert E. Lee, que fica no centro do Emancipation Park, em Charlottesville, Virgínia. Heather Heyer foi morta durante o protesto do fim de semana do dia 12 | MARK WILSON/AFP
Um cartaz onde se lê que Heather Heyer repousa na base da estátua do general confederado Robert E. Lee, que fica no centro do Emancipation Park, em Charlottesville, Virgínia. Heather Heyer foi morta durante o protesto do fim de semana do dia 12| Foto: MARK WILSON/AFP

Como um antropólogo que estudou os monumentos e espaços sagrados em outras culturas, a recente controvérsia e violência que tem rodeado os monumentos aos Confederados tem sido eticamente desafiante. Eu amo meu país e parte de minha responsabilidade profissional é promover a tolerância. Eu também já trabalhei com nosso exército para ajudar a combater o Estado Islâmico, uma organização que instituiu a escravidão em nosso tempo.

Assim sendo, eu detesto o legado da divisão, intolerância e escravidão que esses monumentos representam. Mas eu acredito que eles devem ser mantidos.

Nos anos 80, eu trabalhei como arqueólogo em antigas ruínas maias na América Central e vi como os monumentos a seus líderes foram desfigurados durante o tumultuado fim de sua civilização.

O faraó egípcio Akhenaton também desfigurou e destruiu estátuas de antigos deuses egípcios durante sua reforma religiosa 3,3 mil anos atrás e conquistadores espanhóis destruíram monumentos e estátuas astecas e incas durante sua guerra à idolatria no Novo Mundo. 

Há ainda diversos exemplos de profanação de monumentos durante o século 21. O Talibã destruiu as estátuas dos Budas de Bamiyan (monumentos existentes desde o século 6 e considerados Patrimônio da UNESCO) no Afeganistão em 2001; nós ajudamos os iraquianos a derrubar a estátua de Saddam Hussein na Praça de Firdos, em Bagdá, em 2003; e nada pode se comparar ao rastro de destruição de monumentos deixado pelo Estado Islâmico. 

Simplesmente remover monumentos e movê-los de local para que eles fiquem fora de vista também não é algo novo. O império inca na América do Sul removia as figuras dos deuses dos povos que conquistavam e efetivamente os rendiam como reféns em um templo na capital inca de Cuzco. Em nosso tempo, o governo pós-soviético removeu diversas estátuas de Lênin e outros que hoje residem no Muzeon Arts Park, um parque em Moscou onde são exibidas mais de 700 antigas estátuas do período soviético. 

As pessoas de fato agem como se a destruição de um monumento exorciza o seu poder e a sua remoção de um local faz com que esse poder seja expulso daquele contexto. Mas esses pedaços de metal e pedra apenas possuem o significado que atribuímos a eles e este significado pode tomar qualquer forma que desejarmos. Eles podem ser reverenciados ou insultado; homenageados ou ridicularizados; ou ainda cooptados para um novo propósito. 

Eu entendo a afronta que os monumentos aos Confederados representam para aqueles cujos ancestrais foram escravizados ou morreram protegendo nosso país e para aqueles que sofrem com o racismo e se opõem a ele atualmente.

No entanto, destruir esses monumentos é como retirar uma página do livro de estratégias das multidões através dos séculos, rebaixando-se a esse plano moral. 

Além disso, remover estátuas confederadas implica remover parte de nossa história, nos fazendo olhar para longe das verdades inconvenientes de nosso passado. Nós devemos deixar eles ficarem onde estão e usá-los para lembrar-nos do que somos e o que não somos, do preço que nossos ancestrais pagaram por nossa liberdade e para educarmos nossos filhos. 

Os fatos são claros: o Sul se separou dos Estados Unidos por conta da questão da escravidão. Muitos americanos acreditavam na superioridade dos europeus sobre os africanos naquela época. Donos de escravizados utilizavam este argumento para justificar a posse e o abuso de milhares de seres humanos.

No final dos anos 1800, a era das leis Jim Crow de segregação racial e privação dos direitos dos negros foram iniciadas e continuaram existindo até os anos 50. Este período testemunhou o mais alto número (principalmente entre 1900 e 1930) de construções de monumentos homenageando os Confederados. Um outro pico de construções ocorreu entre 1954 e 1968 em reação ao movimento de direitos civis dos negros americanos. 

A Guerra Civil Americana foi a guerra mais devastadora que nosso país já lutou. Morreram nela quase tantos americanos quanto morreram em todas as outras guerras combinadas. Os americanos nunca pagaram tanto por seu país e o que ele deveria ser. No que concerne à luta contra ideologias racistas, a Segunda Guerra Mundial ceifou 400 mil vidas americanas. Essas duas guerras dão conta de 80% do sangue derramado por nosso país

Os monumentos à Guerra Civil carregam um testemunho constante de toda sua história que não deve ser esquecida. Estes monumentos devem ser mantidos e nós devemos nos lembrar constantemente do que eles representam. 

Quando racistas reverenciam estes monumentos, aqueles de nós que nos opomos ao racismo devemos dobrar nossos esforços em utilizar estes monumentos como ferramentas para a educação.

Auschwitz e Dachau permanecem como testemunhos silenciosos de um passado que os europeus não querem esquecer ou repetir. Por que não fazermos o mesmo com nossos monumentos aos Confederados? 

Destruir ou remover monumentos é o caminho fácil para fugirmos de nossa obrigação em entender nosso passado e melhorar nosso futuro. Monumentos ao racismo de nosso país podem ser tanto uma ferramenta para combatê-lo quanto para promovê-lo. A escolha e a obrigação são nossas.

*Lawrence A. Kuznar é professor de antropologia na Universidade de Indiana.

Tradução de Maíra Santos
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