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Membros do grupo Hizbut Tahrir protesta em frente à Embaixada dos Estados Unidos em Jacarta, na Indonésia. A foto é de 4 de setembro de 2010, pouco antes do nono aniversário do 11 de setembro, quando um grupo cristão americano ameaçava queimar o Corão. Na época, a ameaça provocou vários protestos no mundo todo | ALDO UTAMAAFP
Membros do grupo Hizbut Tahrir protesta em frente à Embaixada dos Estados Unidos em Jacarta, na Indonésia. A foto é de 4 de setembro de 2010, pouco antes do nono aniversário do 11 de setembro, quando um grupo cristão americano ameaçava queimar o Corão. Na época, a ameaça provocou vários protestos no mundo todo| Foto: ALDO UTAMAAFP

Muhammad al-Khaththath, líder do Fórum Comunitário Muçulmano, de linha dura, comandava uma reunião no piso superior de um restaurante de fast food em Jacarta em meados de fevereiro. Com seus seguidores principais reunidos em volta, ele explicou a direção em que esperava empurrar a Indonésia, país relativamente democrático e secular. 

A sharia (lei islâmica) seria adotada como a lei do país, os não muçulmanos perderiam cargos de liderança e, conforme manda a lei islâmica, os ladrões teriam as mãos decepadas, disse Khaththath, que também criticou Joko Widodo, o pluralista presidente indonésio. 

Widodo “não é um muçulmano liberal”, disse Khaththath. “É um muçulmano que não entende o que é isso.” 

Seis semanas mais tarde, Khaththath seria preso, acusado de traição à pátria e conspiração para desferir um golpe de Estado. Mas no segundo turno da eleição para governador de Jacarta, em 19 de abril, seu candidato preferido, o também muçulmano Anies Baswedan, derrotou o cristão Basuki Tjahaja Purnama, o governador em exercício, após uma campanha carregada de argumentos religiosos. 

Pornografia

Desde então, os grupos islâmicos de linha dura vêm ganhando presença maior; sua capacidade de mobilizar grandes multidões foi vista como crucial para garantir a vitória desigual de Baswedan. Mas também tomou forma uma forte reação contrária liderada por muçulmanos moderados, que temem que os islâmicos conservadores estejam acabando com a tradição indonésia de tolerância religiosa. 

Khaththath tinha assumido a liderança de um movimento poderoso de protesto contra Purnama, aliado de Widodo, nos meses que antecederam a eleição do governador, depois de o líder anterior ter sido detido pela polícia, acusado de distribuir pornografia. 

Mas no final de março a polícia foi buscar Khaththath, escoltando-o de seu quarto de hotel para a cadeia onde ele se encontra desde então. Algumas semanas mais tarde, na véspera da eleição, Khaththath conseguiu enviar uma carta a seus seguidores. “De minha cela na detenção, bato na porta do céu”, ele escreveu. Disse que esperava que sua batida seria sentida por “todos os corações muçulmanos” e convenceria os fiéis a “escolher um governador muçulmano”. 

A batida não foi sentida por todos os corações muçulmanos, mas por um número suficiente deles para dar uma vitória inequívoca a Baswedan. A campanha eleitoral foi marcada pelos maiores comícios islâmicos conservadores em gerações e pelos esforços legais cada vez mais intensos e controversos do governo indonésio para frear a liderança dos grupos de linha dura. 

Hora de conter o avanço

Agora que a eleição terminou, muitos líderes muçulmanos moderados dizem que a enxergam como aviso sobre o poder crescente das organizações indonésias de linha dura e a necessidade de tomar medidas fortes para frear seu avanço. 

“Não estou preocupado com os candidatos que venceram”, comentou Sidarto Danusobroto, ex-presidente do Senado e assessor chave do presidente. “O que me preocupa são os grupos que os apoiaram – a Frente de Defensores Islâmicos e o Hizbut Tahrir.” 

“O islã é diferente daquilo que é mostrado pela Frente de Defensores Islâmicos”, ponderou Mohammad Nuruzzaman, diretor de pesquisas estratégicas do movimento de juventude muçulmana moderada Ansor, que vem cooperando com a polícia para desmontar grandes reuniões públicas de muçulmanos de linha dura. 

Em um de vários esforços lançados nas últimas semanas para reprimir extremistas, policiais e grupos nacionalistas na cidade javanesa de Semarang impediram a Frente de Defensores Islâmicos de abrir uma representação no local. 

“Somos uma cidade tolerante”, explicou Iwan Santoso, representante do grupo Vermelho e Branco, cujo nome vem das cores da bandeira indonésia. “Não queremos que os estudantes sejam instigados.” 

Comunistas e o califado

Esta semana, policiais na província de Java Oriental, aparentemente agindo a pedido de muçulmanos moderados ou nacionalistas, impediram a realização de um evento universitário programado com a participação de Felix Siauw, indonésio de origem chinesa convertido ao islamismo e que se tornou importante pregador de linha dura. Em um vídeo postado posteriormente em sua página no Facebook, Siauw reclamou: “Deveríamos ter uma nação pautada pelas leis, e as leis deveriam se aplicar a todos”. 

Mas, cada vez mais, grupos muçulmanos moderados e organizações da sociedade civil estão pedindo que sejam proibidas as entidades islâmicas que defendem a criação de um califado. Nuruzzaman comparou essas organizações ao Partido Comunista da Indonésia, um bicho-papão do passado do país. 

“A meta dos comunistas e dos que querem um califado são semelhantes: ambos querem que todos os países do mundo sejam comandados por um sistema único”, ele explicou. 

Na terça-feira a polícia anunciou que está revendo a legalidade do Hizbut Tahrir, pelo fato de o grupo islâmico internacional defender a meta de um califado global. Muhammad Ismael Yusanto, porta-voz do Hizbut Tahrir na Indonésia, protestou que a meta de criação de um califado não infringe a Constituição indonésia. 

“Nós apenas transmitimos os ensinamentos do islã”, ele disse em entrevista. Além disso, argumentou, a Constituição poderia ser emendada. 

Organização proibida

O Hizbut Tahrir é proibido em muitos países do mundo, incluindo a Alemanha, China, Egito e vários outros países árabes. Mas opera há quase 20 anos na democrática Indonésia. 

Alguns defensores dos direitos humanos são contra a proposta de proibir do grupo. Andreas Harsono, representante da Human Rights Watch na Indonésia, disse que, embora a ideologia do Hizbut Tahrir seja profundamente discriminatória – contra mulheres, pessoas LGBT e religiões minoritárias --, isso não significa que a organização deva ser fechada. 

“Não é ilegal dizer ‘quero discriminar contra as mulheres’”, ele argumentou, reconhecendo que o caso é complicado. 

Para ele, são mais preocupantes os esforços do governo indonésio de perseguir líderes religiosos radicais por supostas ofensas não relacionadas a seu ativismo islâmico, ou, ainda, por acusações exageradas. Habib Rizieq, possivelmente a figura de linha dura mais poderosa do país, foi levado a uma delegacia policial para ser interrogado por imagens pornográficas que teria trocado com uma mulher que não era sua esposa, enquanto Khaththath, o líder islâmico detido, foi acusado de tentar organizar um golpe de Estado. 

“Isso é muito preocupante”, opinou Harsono, dizendo não ter conhecimento de qualquer evidência de que Khaththath estivesse tramando a derrubada violenta do governo. 

O professor da Universidade Nacional Australiana Marcus Mietzner manifestou o receio de que acusações criminais excessivamente pesadas possam prejudicar a democracia indonésia. 

“Eles não deveriam arbitrariamente lançar contra líderes individuais acusações criminais excessivas, como a de traição à pátria, ou que não têm relação com o que eles fizeram, como a acusação de pornografia”, ele escreveu em e-mail. “Isso só vai intensificar o sentimento de muçulmanos conservadores de estarem sendo vitimados.” 

Isso já parece estar acontecendo. Achmad Sofyan, auxiliar de Khaththath que também foi investigado pela polícia, declarou: “Não é justo. A acusação foi fabricada.” 

Mietzner sugeriu que o governo tem meios legais para lidar com entidades de linha dura, mas teria optado por táticas diferentes em parte para evitar uma discussão pública que poderia ficar descontrolada. Se o Estado processasse essas entidades, ele escreveu, “teria que apresentar argumentos nos tribunais para explicar por que o islã não deve ser o alicerce legal e político principal do país”. 

Para Nuruzzaman, o líder muçulmano moderado, combater a linha dura é essencial, sejam quais forem as dificuldades. “Não queremos que o governo adote medidas repressivas”, ele disse. Mesmo assim, opinou, “precisamos combater esses grupos”.

Tradução de Clara Allain
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