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Manifestantes protestam contra o cancelamento da exposição “Queermuseu - Cartografia da Diferença na Arte Brasileira”, em frente ao Centro Cultural Santander, no centro de Porto Alegre (RS), na tarde desta terça-feira (12). | CAU GUEBO/ESTADÃO CONTEÚDO
Manifestantes protestam contra o cancelamento da exposição “Queermuseu - Cartografia da Diferença na Arte Brasileira”, em frente ao Centro Cultural Santander, no centro de Porto Alegre (RS), na tarde desta terça-feira (12).| Foto: CAU GUEBO/ESTADÃO CONTEÚDO

Centenas de manifestantes — dois mil segundo os organizadores e 800, de acordo com a Brigada Militar — se reuniram na tarde desta terça-feira (12), em frente ao Santander Cultural, em Porto Alegre, para protestar contra o cancelamento da exposição “Queer Museu : Cartografias da Diferença na Arte Brasileira". A mostra continha obras pornográficas, outras retratando zoofilia e foi financiada com R$ 800 mil por meio de renúncia fiscal. Além disso, foi aberta à visitação por crianças em idade escolar

A manifestação reuniu o curador da mostra, Gaudêncio Fidelis, artistas e membros da comunidade homossexual de Porto Alegre. Foram levados cartazes com os dizeres “Censura Não”, “Abaixo o Moralismo”, “Falso Moralismo”. “Abaixo a Censura” e “Censurado pelo MBL”, “Arte Viada em toda a Cidade”, “Arte Sim, Fascismo Não”, entre outros. 

Os manifestantes, a maioria jovens, gritavam frases como "Fascistas, golpistas, não passarão" e "Eu beijo homem, beijo mulher, tenho direito de beijar quem eu quiser". 

Entre elas estava a estudante de museologia Júlia Jaeger, 20, que disse ter ido para defender a necessidade de manter esses espaços abertos. 

"A arte é uma manifestação, não dá para vir com a tua ideia e achar que é aquilo que está sendo representado ali. A gente precisa desses espaços para mostrar as várias possibilidades das coisas", afirmou. 

Perto dali, Márcio Saraiva observava com olhar curioso o grupo de manifestantes. Ele, que passava pelo local no momento do protesto, disse gostar de arte e ter visitado a exposição antes do fechamento. 

Ele afirmou não se sentir ofendido por nenhuma obra, mas disse entender que o banco poderia ter restringido o acesso de crianças a certas áreas da exposição. "Tendo esses cuidados, não precisaria fechar."

Havia também outro grupo, desta vez a favor do fechamento da exposição, ostentando faixas e cartazes afirmando “Pedofilia não é arte, é crime”, “Não à arte profana”. 

Os dois grupos chegaram a discutir asperamente e a Brigada Militar precisou intervir para encerrar os gritos e ofensas verbais. 

Performances

Na escadaria do Santander Cultural, foram realizadas performances artísticas e de protesto. Em uma delas, a obra "O Eu e o Tu – Série Roupa-Corpo-Roupa”, de 1967, de Lygia Clark (1920–1988) foi levada para a frente do espaço por Álvaro Clark, filho da artista. 

Ele afirmou nunca ter visto nada parecido como a reação em Porto Alegre. "E olha que eu conheço o mundo inteiro levando a exposição de Lygia." 

Para ele, a população gaúcha ainda não tem condições de receber esse tipo de provocação: "Eu entendo que Porto Alegre não está preparada. Infelizmente. Porque se fosse no Rio de Janeiro não teria acontecido isso." 

Segundo Gaudêncio Fidelis, em artigo para o Zero Hora, a performance “consiste em dois macacões feitos com tecido espesso e plastificado, tendo seu interior forrado com diversos materiais (saco plástico com água, espuma, palha de aço, borracha etc.). As duas peças são conectadas por um tubo de borracha, simulando um cordão umbilical. Dois capuzes são usados para cobrir os olhos e os ouvidos de quem as veste, o que faz com que os macacões possam ser vestidos por pessoas de identidades de gênero distintas.” 

“As roupas permitem acesso ao corpo do outro por meio de seis zíperes. Ao vesti-las, os participantes identificam as aberturas e, introduzindo as mãos nelas, tocam-se, identificando sensações que alteram as percepções de gênero e permitem experimentar características que não se conformam com aspectos do feminino e do masculino. Certas noções de gênero e sexualidade são suspensas, e a normatividade passa a residir em uma condição provisional da psique.” 

Em outra performance, duas mulheres ficaram nuas e foram embrulhadas com plástico. 

Paula Cassol, coordenadora do MBL no Rio Grande do Sul, afirmou que além de questionar o caráter das obras é contrária ao fato de o projeto ter sido financiado por meio da Lei Rouanet. 

O Santander anunciou que vai devolver os R$ 800 mil que obteve em isenção de impostos para financiar a exposição. 

Tensão 

Militantes do MBL (Movimento Brasil Livre) que estavam na Praça da Alfândega, onde fica o Santander Cultural, foram expulsos da praça pelos manifestantes a favor da exposição patrocinada pelo banco multinacional. O youtuber do canal Mamãe Falei, Arthur do Val, foi agredido após fazer filmagens em meio aos manifestantes. 

A Tropa de Choque precisou defender os militantes do MBL e, segundo informações do Tenente Claudiomiro Tavares, da Brigada Militar, só usou bombas de efeito moral após pedras serem lançadas contra os policiais. 

Já no final do protesto, houve outro confronto com os manifestantes, desta vez com a participação do também youtuber Rafinha Bk. A tropa de choque da Brigada Militar foi acionada e atirou bombas de gás nos manifestantes. Não há relatos de feridos.

Por causa da manifestação, o Santander Cultural não deu expediente nesta terça-feira.

Nova cidade

A exposição Queermuseu agora procura outra cidade para se instalar. 

A afirmação foi feita nesta terça-feira (12) pelo curador da mostra, Gaudêncio Fidelis, durante manifestação “contra a LGBTTFobia” organizada por grupos culturais, sindicatos e entidades de defesa da população LGBT. 

Segundo Fidelis, secretários de cultura e representantes de instituições de outras partes do país o procuraram e demonstraram interesse em acolher a exposição. 

"Existem muitas pessoas preocupadas com a importância dessa exposição, com a grandiosidade artística que ela representa, com o interesse que ela representa para a comunidade artística, inclusive internacional", disse. 

Entre as cidades que teriam demonstrado interesse estão São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília. Apesar dos convites, o curador destacou a complexidade logística para transportar as obras e disse que as tratativas ainda são extraoficiais. 

A Queermuseu conta com 270 obras assinadas por 85 artistas, como Adriana Varejão, Candido Portinari, Ligia Clark, Yuri Firmesa e Leonilson. As peças abordam a temática sexual, questões de gênero e de diferenças. Segundo Fidelis, muitas destas obras estão em exibição há mais de 30 anos em diferentes museus do mundo. 

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