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Stanislav em cena do filme: “O homem que salvou o mundo”, de 2014 | Divulgação
Stanislav em cena do filme: “O homem que salvou o mundo”, de 2014| Foto: Divulgação

Quando os alarmes começaram a soar e um painel de controle piscou na frente de Stanislav Petrov, um tenente-coronel de 44 anos sentado em um bunker secreto no sul de Moscou, parecia que o mundo estava a menos de 30 minutos de uma guerra nuclear.

“A sirene uivava”, ele diria mais tarde, “mas eu só fiquei lá sentado por alguns segundos, olhando para a enorme tela vermelha com a palavra ‘lançar’ escrita nela”. Sua cadeira, contou, parecia uma “frigideira quente”. 

Petrov, um oficial do sistema de alerta de mísseis da Rússia, foi encarregado de determinar se os Estados Unidos haviam aberto fogo intercontinental contra a União Soviética. Logo após a meia-noite em 26 de setembro de 1983, todos os sinais pareciam apontar que sim. 

O sinal de satélite que Petrov recebeu em seu bunker indicava que um único míssil Minuteman havia sido lançado e ia em direção ao Leste. Quatro outros mísseis pareciam segui-lo, de acordo com os sinais de satélite, e o protocolo era claro: notificar o quartel-general da Força Aérea Soviética em tempo para o general militar consultar Yuri V. Andropov, o líder soviético. Um ataque de retaliação, e um holocausto nuclear, provavelmente se seguiriam disso. 

Ainda assim, Petrov, fazendo malabarismos com um telefone em uma mão e um interfone em outra, julgou que o alerta vermelho era um alarme falso. Mísseis soviéticos, armados e prontos, permaneceram em seus armazéns. E mísseis americanos, supostamente a minutos do impacto, pareceram desaparecer no ar. 

“Eu tive uma sensação estranha”, disse Petrov ao Washington Post em 1999. “Eu não queria cometer um erro. Eu tomei uma decisão e foi isso”. Ele celebrou o acontecido com meio litro de vodca, dormiu por 28 horas e voltou ao trabalho. 

Salvou o mundo e destruiu a carreira

Enquanto a decisão pode ter impedido uma catástrofe, ela basicamente destruiu a carreira de Petrov, que morreu em sua casa em Fryazino, um centro de pesquisas científicas próximo a Moscou, no último dia 19 de maio. A informação de sua morte só foi tornada pública nesta semana. Ele tinha 77 anos. 

Sua morte – assim como o momento decisivo de sua vida – foi amplamente ignorada. Foi anunciada por Karl Schumacher, um amigo e ativista político que disse ter ouvido a notícia do filho de Petrov, Dmitri, e que Petrov estava doente havia seis meses com uma “doença interna”. 

O súbito encontro do coronel com a história veio seis meses após o presidente Ronald Reagan batizar a União Soviética como um “império do mal”, e apenas três semanas após o voo 007 das Linhas Aéreas Coreanas sobrevoar o espaço aéreo soviético e ser abatido, deteriorando ainda mais as relações entre a União Soviética e os Estados Unidos. 

Quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) organizou um exercício militar conhecido como Able Archer 83 em novembro daquele ano, oficiais soviéticos interpretaram os movimentos de tropas ocidentais como preparações para um ataque preventivo.

O país começou a organizar seu extenso arsenal nuclear e o Ocidente parecia preparado para intensificar seus esforços quando um oficial da inteligência na Força Aérea dos Estados Unidos, Leonard Perroots, escolheu – como Petrov – não responder à aparente provocação. (O incidente inspirou recentemente a série de televisão “Deutschland 83”.) 

Ainda assim, enquanto naquele momento Perroots foi louvado e passou a dirigir a Agência de Inteligência da Defesa, Petrov tornou-se um pária no exército soviético, um bode expiatório para o que acabou por ser um caso de identificação equivocada no software do sistema de alerta. 

Ao invés de identificar um grupo de mísseis, o software havia detectado o reflexo do sol em cima das nuvens. 

Petrov disse ter ficado inicialmente cético com o lançamento porque apenas um pequeno número de mísseis havia sido disparado – “quando alguém começa uma guerra”, disse ao Washington Post, “eles não começam com apenas cinco mísseis” – e porque o radar terrestre soviético não havia mostrado nenhuma evidência de um ataque. 

Mas uma investigação militar castigou e eventualmente transferiu Petrov, em grande parte por não manter um registro detalhado de suas ações durante os cinco minutos que ele levou para decidir que o alarme era falso. (Ele estava muito ocupado, disse.) Ele também havia contrariado um protocolo que havia sido projetado para retirar uma decisão tão importante de mãos humanas. Um computador, não um único oficial, deveria decidir se os mísseis eram iminentes, e então se uma ação retaliatória seria necessária. 

Anos mais tarde, Petrov dizia por vezes ter estado simplesmente “no lugar certo e na hora certa”. A maioria de seus companheiros, disse, provavelmente teria confirmado a aproximação dos mísseis ao invés de questionar os alertas do computador. 

Na verdade, de acordo com Peter Anthony, um cineasta dinamarquês que dirigiu “The Man Who Saved the World” (“O homem que salvou o mundo”, sem título em português), um documentário de 2014 sobre Petrov, ele não deveria estar lá em primeiro lugar. “Outro oficial estava doente”, disse Anthony, “então Stanislav teve que substituí-lo”. 

A vida de Petrov

Stanislav Yevgrafovich Petrov nasceu em 7 de setembro de 1939 em Chernigovka, uma base aérea militar ao norte de Vladivostok. Sua mãe era enfermeira e seu pai era um engenheiro de aviação que havia pilotado aviões de caça durante a Segunda Guerra Mundial. Certa vez, ele havia sido atingido pelos japoneses, resultando em um sério ferimento na cabeça e uma advertência ao filho que adorava aviação: nunca voe. 

Quando sua mãe engravidou de um segundo filho, seus pais decidiram que não conseguiriam sustentar uma família de quatro pessoas e matricularam Petrov em uma academia militar. 

Ele estudou sistemas de radares de longa distância e foi estacionado no Extremo Oriente, onde conheceu sua esposa, Raisa, que estava trabalhando como operadora de cinema em uma base militar em Kamchatka. 

Petrov eventualmente se aposentou do serviço militar para cuidar da esposa durante o tratamento dela para um câncer no cérebro. Quase totalmente dependente da pensão que recebia do Estado, em certo momento ele se sujeitou a plantar batatas do lado de fora do prédio onde morava para poder alimentar sua família. Por um tempo, fez sopa fervendo água com um cinto de couro dentro para dar sabor. 

Sua esposa faleceu em 1997. Além de seu filho, Petrov deixou uma filha, Yelena, e dois netos. 

Sua história começou a atrair grande atenção apenas no final dos anos 90, após o general Yury Votintsev, o aposentado chefe de defesa de mísseis soviético, publicar suas memórias descrevendo o papel anteriormente confidencial de Petrov em prevenir um desastre nuclear. 

Até o dia em que um jornalista do diário Pravda bateu à porta da família, relatou Anthony, Raisa Petrov acreditava que seu marido havia sido um piloto. 

“Seu marido salvou o mundo de uma guerra nuclear”, disse o repórter, levando Petrov a fechar a porta e, pelo menos no início, dizer à sua esposa que o repórter estava mentindo. 

Ele estava “com medo de estar sendo testado”, contou Anthony.

Tradução de Maíra Santos
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