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Estudantes sauditas durante um curso sobre direção veicular na Effat University, em Jida, Arábia Saudita | TASNEEM ALSULTAN/NYT
Estudantes sauditas durante um curso sobre direção veicular na Effat University, em Jida, Arábia Saudita| Foto: TASNEEM ALSULTAN/NYT

"Ok, venha dirigir agora", disse o treinador.  

"Ai, meu deus", respondeu a estudante de arquitetura.  

Ela se sentou no banco do motorista, colocou o cinto de segurança, encontrou os pedais, soltou o freio de mão e colocou a marcha em posição de partida. Então, respirou fundo, tirou o pé do freio e começou a fazer, pela primeira vez, o que as mulheres em breve vão fazer por toda a Arábia Saudita: dirigir.  

"Estou indo bem?", perguntou a estudante Rahaf Alzahrani, de 21 anos, enquanto avançava lentamente. 

"Sim, está indo bem", respondeu o instrutor.  

Os governantes desse reino ultraconservador prometeram acabar com a longa proibição contra mulheres ao volante em junho, e várias pessoas aqui já estão planejando o que, com certeza, será uma grande mudança na sociedade saudita.  

Leia também: Mesmo permitindo que as mulheres dirijam, sauditas estão longe de unanimidade

As universidades femininas anunciaram que planejam abrir autoescolas, e os fabricantes de automóveis estão mudando seus anúncios, buscando lucrar com a enchente antecipada de novas motoristas – e compradoras de carros – deste país de 32 milhões de pessoas.  

O Uber está pensando em recrutar mulheres para treinar aquelas que desejarem se tornar motoristas da empresa, e algumas concessionárias separaram horas de compra exclusivamente para elas. A Ford, a Nissan, a Jaguar e até mesmo a Coca-Cola estão procurando acompanhar a vibração das mulheres ao assumir o volante. 

As sauditas estão vendo a mudança com uma mistura complicada de entusiasmo e apreensão, como ficou claro no campus da Universidade Effat, na cidade portuária do Mar Vermelho, onde várias jovens puderam pilotar carros pela primeira vez.  

A universidade deve, mais para frente, abrir uma autoescola para mulheres, segundo seus administradores, mas está esperando que o governo emita as leis adequadas. Assim, o curso foi mais uma oficina oferecida pelo Fundo da Companhia Ford Motors para aumentar a segurança dos motoristas. Como a Arábia Saudita ainda não emite licenças para mulheres, o curso tinha como foco as que não tinham experiência de condução de carros.  

Curso preparatório

Cerca de 15 estudantes do sexo feminino se reuniram em uma sala de aula para o começo da oficina. Todas usavam abayas, os vestidos largos que as sauditas usam para cobrir suas formas em público. A maioria tinha os cabelos cobertos, e algumas estavam com as faces escondidas também. Algumas usavam tênis e calças jeans sob as vestes e carregavam mochilas e bolsas.  

O curso começou com uma pequena palestra sobre segurança nas ruas, batidas e o grande número de acidentes causado pelas pessoas que usam o celular enquanto dirigem. Então, as mulheres partiram para uma experiência mais prática.  

Em um pátio externo, elas colocaram óculos que simulavam a visão prejudicada por remédios, sonolência ou embriaguez, que normalmente não é um problema já que o álcool é proibido no reino. Então, tiveram que pilotar uma pequena direção no final de uma coluna sobre um mapa no chão enquanto prestavam atenção às ruas, às placas e aos pedestres.  

A ação real, no entanto, estava em um estacionamento fechado ali perto, onde ficaram carros de verdade.  

Grupos de mulheres se sentaram nos carros enquanto os instrutores explicavam suas características: a marcha, os pedais de acelerar e brecar, o medidor de temperatura, os botões de controle, os sinais de mudança de direção e os limpadores de para-brisas. Sem querer, uma estudante sentada no banco do motorista ligou a água do limpador de para-brisas, fazendo as outras rirem.  

Finalmente, o instrutor pediu à mulher que colocasse o pé no breque e apertasse o botão da ignição. O carro deu um rugido, e um sorriso brotou no rosto da motorista.  

"Tudo certo!", ela disse, e as outras aplaudiram.  

Transformações

É difícil exagerar o quanto o direito de dirigir vai mudar as vidas das mulheres sauditas. Por muito tempo, elas foram mantidas fora da vida pública na Arábia Saudita, segregadas dos homens na maioria dos lugares, limitadas a um pequeno número de profissões ou encorajadas a ficar em casa e forçadas a confiar em motoristas privados ou parentes do sexo masculino para levá-las para todos os lugares.  

Muitas coisas estão mudando para as sauditas nos últimos anos, à medida que recebem permissão para trabalhar em novos campos e são indicadas para posições importantes, além de se formarem um número cada vez maior nas universidades. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, governante de fato do reino, vem falando sobre a importância de aumentar o papel das mulheres na força de trabalho como parte de seu esforço para diversificar a economia para além do petróleo.  

Todas as alunas do curso aprovavam a chance de ter o direito de dirigir, e algumas já estavam procurando carros específicos. Uma queria um Audi. "É um carro forte", explicou.  

Outra, preferia um Mercedes, "como meu pai".  

Outra ainda afirmou que iria mandar seu motorista indiano para casa e dirigir o carro dele.  

‘Independência’

Elas confirmaram que poder dirigir diminuiria sua dependência daqueles que hoje precisam levá-las para todo lugar, colocando-as no comando de seus próprios horários.  

"Não quero dirigir apenas por dirigir. Quero ser capaz de lidar com minha rotina", afirmou Rehab Alhuwaider, de 21 anos.  

Ela explicou que odeia quando quer ir para a academia de manhã e precisa esperar que alguém a leve. A melhor parte de dirigir, explicou, seria "sentir-se mais livre".  

Algumas, no entanto, disseram que não têm certeza se estão prontas para encarar o tráfego normalmente feroz da Arábia Saudita, ou os motoristas homens que não têm experiência em interagir com as mulheres nas ruas.  

Raneem Modaress, de 22 anos, disse que gostava da ideia de dirigir até recentemente, quando o carro em que estava sofreu um acidente, deixando-a com ferimentos.  

"Foi horrível", contou.  

Agora, ela planeja esperar para ver como vai ser com outras mulheres antes de conseguir sua licença.  

O curso terminou com o que ainda é uma oportunidade rara para as mulheres na Arábia Saudita: a chance de dirigir por uma rota de cones em um estacionamento.  

Antes de se sentar atrás da direção, Alzahrani, a estudante de arquitetura, disse que havia dirigido jet skis no Mar Vermelho e motocicletas no deserto, mas carros, nunca. A ideia de dirigir um carro a deixava nervosa.  

"Não sei onde ficam o acelerador e o breque", afirmou.  

Ela começou devagar, fez a primeira curva, depois a segunda. Chegou perto de uma placa de pare e pressionou o breque com muita força, fazendo com que os outros passageiros fossem empurrados para frente. Ela riu nervosamente e continuou antes de chegar ao final e brecar um pouco mais suavemente.  

"Deus seja louvado por sua segurança", disse o instrutor.  

"Sim!", respondeu ela.  

O percurso havia durado apenas alguns minutos, mas tinha mudado sua visão sobre a empreitada.  

"Foi incrível! Adorei. Foi muito bom estar atrás do volante", afirmou.  

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