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Foto mostra um retrato do presidente iraniano, Hassan Rouhani, com marcas de calçados durante uma manifestação em apoio ao povo iraniano, em meio a uma onda de protestos espalhados por todo o Irã, em 3 de janeiro de 2018, em Paris.  | LIONEL BONAVENTURE/AFP
Foto mostra um retrato do presidente iraniano, Hassan Rouhani, com marcas de calçados durante uma manifestação em apoio ao povo iraniano, em meio a uma onda de protestos espalhados por todo o Irã, em 3 de janeiro de 2018, em Paris. | Foto: LIONEL BONAVENTURE/AFP

Em um país tão repressivo quanto o Irã, é difícil avaliar para onde os protestos espalhados pelo país estão indo. Mas uma ousada teoria que previu a recente transição para a democracia na Tunísia pode oferecer algumas pistas. 

Em 2008, o demógrafo americano Richard Cincotta previu que a Tunísia – na época sob um bem estabelecido regime autoritário – provavelmente se democratizaria antes de 2020 baseado na estrutura etária de sua população. Quando Cincotta divulgou a previsão em uma reunião de especialistas no Oriente Médio patrocinada pelo Departamento de Estado americano, a audiência caiu na risada. 

“Um famoso pesquisador de Oriente Médio riu até chorar”, lembrou Cincotta em 2017, em um artigo onde ele explicava sua teoria de estruturação etária para o comportamento estatal. “Como as risadas não cessaram, o chefe da sessão deu por terminada a parte dos questionamentos”. 

Hoje, a Tunísia é uma das histórias de sucesso do grupo de revoluções da Primavera Árabe que começou no país em 2010. O país é classificado como “livre” pela Freedom House (ONG americana que promove pesquisas em direitos humanos, democracia e liberdade política), cujo sistema de pontuações (baseadas em liberdades civis e direitos políticos) Cincotta utiliza em sua análise. 

A razão pela qual Cincotta escolheu o país dentre seus vizinhos – incluindo aqueles que logo passariam por revoluções também – foi a de que graças a uma constante taxa de fecundidade com alto nível de substituição de gerações, a idade média da população da Tunísia estava aumentando, movendo o país ao longo da escala de estruturação etária de Cincotta. 

A escala tem quatro estágios: jovem (idade média de 25 anos), intermediário (menos de 35 anos), maduro (menos de 45 anos) e pós-maduro (mais que 45 anos). 

Em países “jovens” com altas taxas de fecundidade, as escolas normalmente são cheias, o investimento por aluno é baixo e a competição por empregos entre os jovens é intensa. Isso aumenta sua propensão a protestar e aumenta a chance de uma revolução acontecer

De acordo com Cincotta, a probabilidade de um regime que controla uma população com a mediana da idade de 15 anos estar livre de conflitos civis é de 60 por cento. Esse número chega a 80 por cento em uma população em que a idade mediana é de 27 anos e conflitos civis se tornam quase inimagináveis quando metade da população tem mais que 40 anos. 

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No entanto, enquanto um país está em sua fase jovem, é improvável que um levante resulte em uma democratização duradoura. Cincotta mostrou que a maior parte de países nessa situação acabam voltando ao autoritarismo; isso pode ajudar a explicar por que a Primavera Árabe não resultou na democratização do Egito (idade mediana de 24 anos) mas estabeleceu uma democracia de fato na Tunísia (mediana de idade de 32 anos). 

Hoje, os iranianos estão envelhecendo. Graças ao sucesso das políticas de controle de natalidade nos anos 1980 (agora revertidas pelo controle religioso do país), o Irã está rapidamente entrando na fase intermediária de estruturação etária, como aconteceu com a Tunísia. Isso, de acordo com Cincotta, é uma janela para o crescimento econômico e as mudanças políticas favorecendo a classe média. 

Países nessa fase normalmente possuem recursos suficientes para um sistema educacional viável e há um número suficiente de trabalhadores e consumidores – e poucos dependentes, tanto jovens quanto velhos – para assegurar aumentos em prosperidade, assim como demandas por democracia. Em seu artigo de 2017, Cincotta publicou as previsões de seu modelo sobre a probabilidade de alguns países do Oriente Médio serem declarados “Livres” neste ano pela Freedom House. O Irã apareceu nos primeiros lugares. 

O artigo foi publicado no início do ano passado e a democratização do Irã parecia tão improvável que Cincotta foi forçado a adicionar uma retratação: “Monopólios ideologicamente políticos (como o Irã) caracteristicamente se comportam sem deferência à ordem da lista”. Agora, após uma semana de protestos e até tumultos que combinaram demandas econômicas e políticas, incluindo a liberalização e maior abertura para o mundo, alguma mudança democrática definitiva não parece mais tão improvável. 

No entanto, ela pode não vir através de uma revolução violenta. Em um artigo publicado pela Carnegie Endowment em dezembro, mas antes de os protestos começarem, Cincotta e Karim Sadjadpour escreveram: 

“Conforme o volume jovem do Irã se dissipa e a mediana da idade do país cresce, a população provavelmente se tornará mais avessa a confrontos arriscados e violentos com o regime. Consequentemente, mudanças políticas em Teerã poderiam ocorrer mais lentamente do que Washington deseja”. 

Algumas das dinâmicas dos protestos atuais sugerem que essa previsão pode estar correta. Jovens com menos de 25 anos parecem ser a força motriz das ações contra o governo e eles definitivamente formam a grande maioria das centenas de ativistas detidos pelas autoridades até o momento. 

Mas os manifestantes são menos numerosos do que em 2009, o período anterior em que o Irã enfrentou sérias resistências domésticas, e a classe média de Teerã não se juntou a eles, temerosos com a violência e o caos. E enquanto os líderes do país ameaçam ações drásticas e, de fato, 20 pessoas foram mortas em conflitos nas ruas, o presidente Hassan Rouhani ofereceu uma retórica conciliatória. Ele reconheceu o direito das pessoas em protestarem e a legitimidade de suas queixas econômicas. Isso pode significar que concessões e uma liberalização parcial são prováveis. Conforme os protestos estavam iniciando, a polícia de Teerã anunciou que eles não mais prenderiam mulheres por quebrarem o código islâmico de vestimentas. Novas medidas econômicas deverão ser adotadas para apaziguar os manifestantes descontentes com o aumento do custo de vida, a corrupção e a desigualdade. 

O líder religioso iraniano, o Aiatolá Ali Khamenei, culpou os “inimigos” do Irã pelas agitações. Mas talvez os dados demográficos do país tenham mais a ver com isso do que qualquer interferência estrangeira. 

Embora a teoria de Cincotta tenha sido desconsiderada, tida como simplista e criticada por não oferecer provas mais robustas de causalidade, ela é intuitivamente convincente: Um país com uma população jovem tem relativamente mais chances de mudar, enquanto amadurece e mais pessoas têm algo a perder, essa mudança é mais provável de ocorrer de forma pacífica e duradoura. O status quo de corrupção, alta desigualdade e repressão está balançando no Irã porque não se encaixa na janela demográfica de oportunidade do país. 

Independentemente de como as mudanças ocorram no Irã, vale mencionar a alta probabilidade de democratização que o método de Cincotta atribui à Turquia. O regime do presidente Recep Tayyip Erdogan parece sólido e mantido com rédeas curtas. Mas o Irã, também, parecia imutável há apenas algumas semanas, assim como o regime do presidente tunisiano Zine El Abidine Ben Ali em 2008.

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