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Os pré-candidatos da esquerda à presidência do Brasil, Manuela D’Ávila (PCdoB), Lula (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), em evento em Curitiba | Ricardo Stucker
Reprodução Twitter/ Manuela D’Ávila
Os pré-candidatos da esquerda à presidência do Brasil, Manuela D’Ávila (PCdoB), Lula (PT) e Guilherme Boulos (PSOL), em evento em Curitiba| Foto: Ricardo Stucker Reprodução Twitter/ Manuela D’Ávila

Não é novidade. O termo “fascismo” está na boca de muita gente, especialmente daqueles que se posicionam à esquerda no espectro político, e seu amplo uso banalizou a expressão como um mero xingamento a quem discorda dos ideais que este grupo defende. Recentemente, a palavra voltou a ganhar força nos discursos políticos dos principais líderes da esquerda brasileira. 

O “fascismo” tem sido amplamente utilizado para dar nome aos atos de violência contra a caravana do ex-presidente Lula Inácio Lula da Silva pelo sul do Brasil. O ataque a tiros ao ônibus no Paraná, em março deste ano, durante o evento do petista motivou discursos inflamados de presidenciáveis de esquerda que dizem estar dispostos a “combater o fascismo” durante o processo eleitoral. 

A candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad, Manuela D’Ávila, disse que “o povo brasileiro precisa se unir contra o fascismo”, em matéria publicada pelo Estadão. Na sua opinião, “o fascismo se expressa no Brasil buscando acabar com a nossa liberdade de ser uma grande Nação, de ser um país independente porque entregam nossas riquezas para os estrangeiros, no caso do pré-sal”. 

O então presidenciável Guilherme Boulos também se manifestou sobre os episódios de violência, em suas redes sociais: “As agressões contra a caravana de Lula são graves. Temos visões diferentes na esquerda e é legítimo que se expressem em distintas candidaturas. Mas isso não pode nos impedir de sentar na mesma mesa para discutir democracia. O momento exige. Com fascismo não se brinca”. 

Já o ex-prefeito de São Paulo e atual candidato a presidente, Fernando Haddad, defendeu o início de uma "campanha" contra "fascistas". "Não me sinto no encerramento da caravana do ex-presidente Lula, mas no início de uma nova campanha para derrotar os fascistas", afirmou Haddad no evento de encerramento da caravana de Lula pelo sul do país, em Curitiba.

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff também endossaram o discurso de que a democracia no Brasil está ameaçada pela “violência fascista”. Em relação aos ataques contra sua caravana (pedradas, ovadas, bloqueio de estradas e o atentado a tiro), Lula disse que os responsáveis “não são democratas. Estão mais para nazistas e fascistas do que qualquer outra coisa”. 

Antes mesmo do ataque a tiros à caravana, que ainda está sendo investigado, a esquerda já apelava para o “fascismo” para explicar a reação de rejeição ao ex-presidente. “Vamos parar de tergiversação e dar o nome certo às coisas: isso é fascismo. Isso é não querer que exista quem pensa diferente”, escreveu Manuela D’Ávilla no Twitter, em referência aos ovos e pedras que foram jogados contra um ônibus da caravana de Lula em São Miguel do Oeste, em Santa Catarina. 

Na verdade, políticos da esquerda há tempos fazem uso da expressão, não somente para criticar atos violentos, mas também como uma reação a ataques que não envolvem violência física. Recentemente, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) chamou de fascista um vereador que, segundo ele, estaria difamando a vereadora mais votada de Niterói, Talíria Petrone. 

Mas, será que o termo atribuído a esses episódios corresponde ao seu real significado?

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Afinal, qual é o significado de “fascismo”? 

Não há um entendimento universal sobre o que é fascismo. Há chances de que este seja um dos termos populares mais imprecisos nos discursos políticos. Um dos mais reconhecidos estudiosos do tema no mundo, o espanhol Stanley George Payne, escreveu na introdução de “Uma História do Fascismo, 1914 - 1945”, que o “fascismo é, provavelmente, o mais vago dos termos políticos”. 

Embora seja um termo obscuro, segundo especialistas, fatos históricos conferem algumas características determinantes desse movimento político existente na Itália, de 1922 a 1945, chefiado por Benito Mussolini, e enormemente influente sobre outros regimes políticos, como na Alemanha, Espanha, Portugal. 

O professor Titular do Departamento de História da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e cientista político Dennison de Oliveira, explica que os atos de violência contra a caravana do ex-presidente Lula poderiam ser chamados de “crimes políticos” e, portanto, nesse caso, não cabe o uso do termo “fascismo”. 

“O fascismo é fundamentalmente um fenômeno de massas, que mobiliza em torno de um líder considerado heróico as multidões em defesa da ordem social contra o terror da revolução de esquerda, que apela às massas pela preservação da família, da pátria, da religião, da sociedade burguesa e capitalista, evoca a uma identidade nacional idealizada e mítica. E nenhuma destas condições está presente no Brasil atual”, afirma. 

Oliveira reforça que os ataques feitos a caravana de Lula não têm nenhuma característica do fascismo clássico e que são “o típico caso do uso indiscriminado do conceito como xingamento contra adversários políticos”. 

Em artigo publicado no Estadão, o ensaísta e professor de literatura na Universidade Tulane, em Nova Orleans, Idelber Avelar, explica que o “fascismo” é um termo ameaçado pelo sobreuso. Ele defende que, em seu sentido estrito, a expressão “pressupõe um regime autoritário com concentração total de poder no chefe de Estado, constante exaltação da coletividade nacional, paulatina aniquilação de opositores, controle dos meios de comunicação de massas, imaginário belicista e, não raro, expansionista”. 

Mas lembra também que o termo tem sido usado para além dessa definição. “Particularmente curiosa é a associação entre fascismo e a precaríssima categoria de ‘discurso de ódio’ – como se o ódio não pudesse se manifestar em diferentes posições do espectro, como se uma posição política em particular tivesse o monopólio do ódio”, escreveu Avelar. 

O professor de História da Filosofia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Fernando Dias Andrade Fernando Dias Andrade, tem uma visão diferente. Para ele, “o uso de armas de fogo contra veículos da caravana [de Lula] ou mesmo de ovos contra o candidato e seus correligionários só terá sido fascismo desde que tenha havido motivação política”. Para ser fascismo, na opinião de Dias, basta o uso de violência física com a finalidade de intimação. “Quem faz uso da violência física como manifestação política é gente perigosa, exatamente o tipo de indivíduo que é angariado por grupos fascistas organizados, sejam de direita, sejam de esquerda, para atuação direta em ataques contra grupos tidos como inimigos”, disse ele, salientando que esse conceito difere do fascismo clássico de Mussolini. 

Para Dias, há fascismo generalizado no Brasil. “Representantes de qualquer lado consideram legítimo fazer uso da violência para fazer valer sua dominação ou proeminência sobre o grupo adversário. Não é ilegítimo odiar o adversário, pois o ódio, mesmo nunca sendo bom, é natural em nós.” Mas, para o professor, “é inadmissível em qualquer civilização permitir que o ódio que se sente pelo outro leve a uma postura agressiva contra o outro”. 

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O que levar em conta para entender o fascismo? 

As características encontradas em experiências fascistas ocorridas na história devem ser levadas em conta por quem quer entender o conceito de fascismo, segundo o professor Oliveira, pois requer contextualização com referência ao final da Primeira Guerra Mundial. “A ordem liberal pré-existente à guerra estava em crise e parecia inaplicável às novas condições do pós-guerra marcada pela desordem econômica, conflitos sociais, descrença nas instituições, contestações e críticas vindas dos movimentos de esquerda, operários, sindicatos, camponeses, etc”, relata. 

Naquela época, explica Oliveira, o fascismo foi uma solução ‘contra-revolução anti-bolchevique’ capaz de manter os valores, a cultura e a ordem social vigente nos países que viviam então profunda crise”. “Era necessário e urgente para as elites política e economicamente dominantes de diferentes países da Europa destroçada pela guerra encontrar novas formas de manter seu domínio que, mais do que tudo, fossem eficazes para barrar a revolução bolchevique de 1917 cujo apelo era muito forte entre diferentes camadas da população. Daí a solução do fascismo, uma contra-revolução anti-bolchevique capaz de manter os valores, a cultura e a ordem social vigente nos países que viviam então profunda crise.” 

Além do fascismo enquanto prática social, o professor Dias define o “fascismo enquanto um movimento político ou uma ideologia.” O primeiro por conta do seu surgimento como “movimento político e militar totalitário e ultranacionalista existente na Itália de 1921 (quando Mussolini cria o Partido Fascista) a 1945 (quando a Itália perde a II Guerra Mundial)”. 

Já enquanto ideologia, segundo Dias, “o fascismo é a concepção – de construção coletiva – de que a liberdade política só se obtém por meio da repressão física e doutrinária a certos movimentos políticos (sejam de esquerda (ex.: marxismo italiano), sejam de direita (ex.: liberalismo radical americano)) ou a grupos e indivíduos àqueles vinculados (exemplos respectivos: comunistas; capitalistas selvagens).” 

A prática social é a menos conhecida, mas ainda presente, afirma Dias. “Extinto o fascismo italiano enquanto regime político, seguiu vivo o fascismo enquanto prática de dominação pelo uso da violência.” 

Ainda, segundo o professor Dias, “não existe definição universal para o fascismo”. “Há diferentes manifestações históricas e é concebido de formas variadas pelo imaginário coletivo, pela opinião vulgar e até pelos analistas políticos. Porém, os fatos históricos são irrecusáveis, donde é impossível retirar de qualquer definição completa de fascismo tanto o fascismo enquanto movimento político da Itália entre 1921 e 1945, enquanto ideologia (que alimentava aquele regime) e enquanto prática social (que repercute, conscientemente ou não, aquela ideologia)”.

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