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Imagem do astrofísico Stephen Hawking, de 2008, em uma viagem pela Espanha | Miguel Riopa/AFP
Imagem do astrofísico Stephen Hawking, de 2008, em uma viagem pela Espanha| Foto: Miguel Riopa/AFP

Em 1982, Stephen Hawking decidiu colocar em formato de livro seus anos de pesquisa inovadora em física teórica. Seu objetivo, disse ele, era “explicar o quão longe nós havíamos chegado na compreensão do universo” e como a humanidade poderia estar perto de encontrar uma teoria unificada do cosmos.

Não seria um trabalho árido, técnico, feito para especialistas. Hawking queria leitores. Ele entrou em contato com um agente literário e disse que esperava escrever “o tipo de livro que venderia em livrarias de aeroporto”, conforme recordou em entrevista ao Wall Street Journal em 2013.

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“Ele me disse que não, aquilo não tinha chance”, afirmou Hawking. “Pode vender bem entre acadêmicos e estudantes, mas um livro como esse não pode adentrar o território dos best-sellers”.

Muitos anos e muitas revisões depois, “Uma Breve História do Tempo”, de Hawking, desafiou todas essas expectativas.

A primeira edição se esgotou nos Estados Unidos em questão de dias, e logo o relato de duzentas e poucas páginas sobre a origem e destino do universo estava voando de prateleiras mundo afora. O livro ficou 147 semanas na lista de mais vendidos do New York Times e bateu um recorde com 237 semanas na lista de mais vendidos do Times de Londres. Até agora, mais de 10 milhões de cópias foram vendidas e o livro foi traduzido para dezenas de idiomas.

Quantas pessoas realmente leram o livro do começo ao fim permanece uma piada recorrente, que mesmo Hawking achava engraçada. O número de pessoas que leram o livro e realmente o entenderam também é tema de debate.

Mas “Uma Breve História do Tempo” colocou Hawking, que morreu nesta quarta-feira aos 76 anos, na cultura popular. Já renomado na academia por suas contribuições à cosmologia, Hawking se tornou um ícone cultural e um dos mais celebrados comunicadores da área da ciência.

O que exatamente deu tanto apelo popular a “Uma Breve História do Tempo?” É difícil de apontar apenas um fator. Buracos negros, supercordas e mergulhos profundos na finita e ao mesmo tempo ilimitada natureza do universo não necessariamente produzem uma boa leitura de avião. O próprio Hawking se debateu com a questão muito depois da publicação do livro, de 1988. “É difícil para mim ser objetivo”, escreveu ele no Wall Street Journal.

“Não é impressionante como uma pessoa pode ler um livro como ‘Uma Breve História do Tempo’, de Stephen Hawking, e terminar se sentindo ao mesmo tempo mais inteligente e mais burro do que antes de começar?”

Comentário de um leitor, no Goodreads

A maneira com que Hawking desmontou conceitos complexos de física teórica, aliado ao seu uso inteligente do humor e de analogias, claramente conquistou muitos leitores que, se não fosse assim, poderiam ter se sentido intimidados por um material desse tipo.

Na época da publicação do livro, o New York Times chamou o trabalho de Hawkings de “um pequeno livro absolutamente desenvolto e claro” que compartilha as ideias do autor sobre o universo da forma para que “qualquer um possa ler”.

“O livro dele é uma cominação rara da confiança de um cientista de coragem incomum, uma visão deslumbrante e um senso de humor malicioso”, dizia o comentário. O Guardian ofereceu elogios similares anos depois, classificando o livro como “sucinto, divertido e brilhantemente lúcido”.

No Goodreads, a base de dados social de livros, muitos usuários deram ao livro notas elevadas por sua linguagem direta, sagacidade e simplicidade. Alguns dizem que o estilo de escrita de Hawkings os faz crer que ainda podem aprender, mesmo que não compreendam tudo.

“Não é impressionante como uma pessoa pode ler um livro como ‘Uma Breve História do Tempo’, de Stephen Hawking, e terminar se sentindo ao mesmo tempo mais inteligente e mais burro do que antes de começar?”, um usuário escreveu. O livro foi “escrito tendo a acessibilidade em mente, sabendo muito bem que idiotas como eu não o comprariam, leriam ou recomendariam se ele fosse impossivelmente denso”.

Claro, o livro também tem seus céticos. Entre eles está Charles Krauthammer, do The Washington Post, que, depois de lê-lo duas vezes, o achou “inteiramente incompreensível”. (Krauthammer, a propósito, é um médico formado em Harvard).

Decisões editorias tomadas por Hawking e sua editora também parecem ter ajudado a conquistar uma audiência mais ampla. Escrevendo no Wall Street Journal, Hawking relembrou como seus editores o fizeram passar por etapas e mais etapas de reescrita, enviando para ele longas listas de objeções e questionamentos. Eles também o limitaram a usar apenas uma equação matemática, a famosa E = mc² de Albert Einstein, afirmando que qualquer fórmula adicional iria reduzir as vendas.

Um editor, Peter Guzzardi, da Bantam Books, pressionou Hawking a fazer numerosas revisões e tornar o livro mais compreensível para não cientistas, segundo Hawking escreveu no Wall Street Journal.

Guzzardi escreveu no Guardian, nesta terça, que o manuscrito original de Hawking tinha 100 páginas de material “extremamente denso”. Ele lembrou como incentivou Hawking a simplificar as coisas sem “emburrecê-las”, com o objetivo de aprimorar um trabalho que era “cientificamente preciso sem ser acessível para o leitor normal, alguém como eu”.

“Minha contribuição primária para o livro”, disse Guzzardi, “foi ficar fazendo perguntas de forma persistente a Stephen, sem desistir até que eu entendi o que ele queria apresentar”.

“Às vezes eu achei que o processo nunca acabaria”, relembrou Hawking no Wall Street Journal. “Mas ele estava certo: o resultado foi um livro muito melhor”.

Guzzardi também deve ser agradecido pelo título do livro. Originalmente, Hawking tinha proposto “Do Big Bang aos Buracos Negros: Uma Curta História do Tempo”. Guzzardi mudou para um mais conciso “Uma Breve História do Tempo”, que gerou paródias e paráfrases sem fim, incluindo “Uma Breve História do Tomilho – “thyme”, num trocadilho com “time” (tempo em inglês)”.

“Foi uma tacada de mestre e deve ter contribuído para o sucesso do livro”, escreveu Hawking.

“Ele concordava que o livro ‘Uma Breve História do Tempo’ era provavelmente o menos lido e mais comprado da história”

Leonard MlodinowFísico no Instituto de Tecnologia da Califórnia

Outra decisão importante veio durante a etapa de prova. Hawking considerou cortar o que se tornou a frase mais famosa do livro: que se a humanidade descobrisse uma teoria unificada do universo, “nós conheceríamos a mente de Deus”. Se a frase tivesse sido deixada fora, “as vendas teriam sido a metade”, disse Hawking, que se descrevia como ateu.

O esforço pessoal de Hawking com a esclerose lateral amiotrófica, ou doença de Lou Gehrig, também pode ter gerado uma curiosidade que atraiu leitores. Seu livro trata concisamente da condição que o deixou quase totalmente paralisado pela maior parte de sua vida, mas para alguns leitores o subtexto de “Uma Breve História do Tempo” era uma história de interesse humano sobre um gênio que superou sua deficiência. Muitos comentários do livro na época tratam disso. Hawking disse no Wall Street Journal que isso provavelmente ajudou as vendas, mas ele deu sinais de que se incomodava com essa abordagem.

Diversas vezes, Hawking e outros brincaram que muitas pessoas compraram o livro porque ele as fazia parecer inteligentes, mas nunca se preocuparam em lê-lo. “Ele concordava que o livro ‘Uma Breve História do Tempo’ era provavelmente o menos lido e mais comprado da história”, contou Leonard Mlodinow, um físico no Instituto de Tecnologia da Califórnia, à NPR.

Hawking, conhecido pelo seu sendo de humor ácido e sua disposição para ser alvo de piadas, disse estar certo de que isso era verdade para algumas pessoas. Mas também tinha confiança de que muitos leitores percorreram todo o livro. Ele disse se sentir honrado em ver que o jornal Independent comparou seu livro ao clássico cult “Zen E A Arte Da Manutenção De Motocicletas”.

“Eu espero que, assim como ‘Zen’, ele gere nas pessoas a sensação de que elas não precisam se abster das grandes questões intelectuais e filosóficas”, disse ele em comentário no Wall Street Journal em 2013.

“Até hoje”, ele acrescentou, “recebo uma pilha de cartas todos os dias, muitas fazendo perguntas ou comentários detalhados indicando que os remetentes leram o livro, mesmo que não entendam tudo dele”.

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