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Trump deveria ajudar a Coreia do Norte a enriquecer, defende professor americano | Mark Wilson/AFP
Trump deveria ajudar a Coreia do Norte a enriquecer, defende professor americano| Foto: Mark Wilson/AFP

O ataque aéreo com mísseis na Síria conduzido por Donald Trump rendeu elogios de comentaristas tanto da direita quanto da esquerda, e parte desse entusiasmo acabou transbordando também para o debate sobre uma “solução militar” quanto à Coreia do Norte. A comparação, como acontece com muito da retórica da administração Trump quando o assunto é a Coreia, é perigosamente enganosa. Não há como atingir a Coreia do Norte sem sofrermos uma retaliação ainda pior. Não há maneiras militares de “podar” as suas capacidades – nucleares ou não – com um ataque “cirúrgico”. Qualquer uso de força para degradar o programa armamentista poderia começar uma guerra, cujos custos seriam estarrecedores.

Trump: Em vez de ameaças, ajudaBrendan Smialowski/AFP

Talvez em nossa época de “a América em Primeiro Lugar”, não seja preocupação a morte e a destruição que recairiam sobre os 10 milhões de pessoas que moram em Seul, na mira da artilharia e dos mísseis de curto alcance da Coreia do Norte.

E quanto aos 140.000 cidadãos dos EUA que moram na Coreia do Sul, incluindo soldados e parentes de militares estacionados em bases daqui, mais alguns outros nas redondezas, no Japão? E quanto à economia globalmente integrada da Coreia do Sul, de US$1,4 trilhão, o que inclui o comércio bilateral de US$145 bilhões com os EUA? Será que nós nos importaríamos com os mísseis norte-coreanos caindo sobre o Aeroporto Internacional de Incheon, um dos mais movimentos em toda a Ásia, ou então em Busan, o sexto maior porto do mundo em transporte de contêineres? O que acontecerá com a economia global quando irromper uma conflagração no quintal da China, que englobaria também o Japão?

Diálogo

É certo que o público e o congresso dos EUA, independentemente do partido, podem concordar que esses custos são impossíveis e impensáveis. Dada a presença de muitos estrategistas e legisladores de pensamento mais sóbrio na administração, parece razoável concluir que as ameaças militares são um blefe. Se for assim, elas distraem daquilo que é a pergunta urgente e verdadeira que paira no ar: O quanto mais devemos esperar até que a pressão econômica gerada pelas sanções chinesas surtam efeito, em vez de corrermos atrás de opções diplomáticas abertas pelo diálogo e engajamento direto?

Os norte-coreanos já são tão isolados da economia global e tão desconectados da sociedade internacional que agravar o seu isolamento não ajuda muito para afetar o regime

A administração Obama havia se afirmado aberta ao diálogo, mas investiu em sanções e pressões enquanto a Coreia do Norte fazia a sua transição do governo do falecido Kim Jong Il para o de seu filho Kim Jong Un. A Coreia do Norte, infelizmente, não está tão vulnerável economicamente quanto as nações que fazem parte do comércio normal, como o Irã. Os norte-coreanos já são tão isolados da economia global e tão desconectados da sociedade internacional que agravar o seu isolamento não ajuda muito para afetar o regime.

Ambicões desenvolvimentistas

A única coisa promissora a respeito de Kim Jong Un é que ele tem ambições de melhorar a economia da Coreia do Norte, e suas políticas domésticas já geraram um crescimento modesto para o país. Mas suas principais prioridades são a sobrevivência do regime e a segurança nacional. Por isso, ele considera essencial o fator do medo nuclear (o que é, infelizmente, uma proposição racional).

Os últimos oito anos de sanções e pressões – após um breve espasmo de diplomacia logo antes da morte de Kim Jong Il – não conseguiram nem dissuadir Pyongyang da sua sensação de necessidade de armas nucleares, nem evitar que o país ampliasse suas capacidades bélicas e expandisse seu arsenal.

Seria mais prudente iniciar um diálogo direto com Pyongyang que começasse negociando um congelamento do seu ciclo de produção de material para fissão nuclear, o retorno dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica e a moratória sobre o teste de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance

A administração Trump proclama que a abordagem de Obama de “paciência estratégica” acabou. Mas, se ela quiser mesmo começar uma nova era, o caminho para isso não se encontra em distrair o público com ameaças impensadas de guerra, enquanto espera que o presidente chinês Xi Jiping venha colocar Kim no seu devido lugar. Em vez disso, seria mais prudente iniciar um diálogo direto com Pyongyang que começasse negociando um congelamento do seu ciclo de produção de material para fissão nuclear, o retorno dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica e a moratória sobre o teste de armas nucleares e mísseis balísticos de longo alcance (incluindo lançamento de satélites).

Em troca, os Estados Unidos poderiam, pelo menos, considerar o pedido que Pyongyang faz há tempos para que sejam suspensos os seus exercícios militares em conjunto com a Coreia do Sul. Kim pode estar disposto ainda a aceitar menos do que isso, talvez só uma redução na escala desses exercícios. Ou ele pode estar aberto a um tipo diferente de troca – começando o diálogo, por exemplo, para converter o Acordo de Armistício de 1953 num tratado de paz oficial, de modo a pôr um fim à Guerra da Correia. O único modo de sondar essas opções é colocando-as na mesa. Agora que vai fazer dois meses que começaram os exercícios militares de larga escala, temos uma boa hora para isso.

Desde que Kim Jong-Un assumiu o poder, tem havido fortes sinais de que suas ambições vão além de usar armas nucleares como ameaça, e que o seu objetivo real é o desenvolvimento econômico

Um congelamento seria apenas o primeiro passo no que precisa ser uma estratégia a longo prazo que mude essa dinâmica subjacente e trate daquilo que cada um dos lados enxerga como sendo o xis da questão. Não é possível sabermos de verdade o que é que Kim quer e do que ele está disposto a abrir mão para consegui-lo, pelo menos não enquanto não iniciarmos um diálogo. Mas, desde que ele assumiu o poder, tem havido fortes sinais de que suas ambições vão além de usar armas nucleares como ameaça, e que o seu objetivo real é o desenvolvimento econômico.

Jogo do inimigo

Em vez de ameaçá-lo de guerra ou agravar as sanções, um caminho mais produtivo seria influenciar Kim para levá-lo a seguir o mesmo caminho que os outros grandes países do leste da Ásia já tomaram: uma transição do poder absoluto para a riqueza. Se Kim quer ser o ditador desenvolvimentista da Coreia do Norte, a melhor estratégia a longo prazo dos Estados Unidos seria ajudá-lo nisso. Não podemos esperar racionalmente que ele irá abrir mão das armas nucleares logo no começo do processo, mas esse é o único caminho realista para que se possa chegar nisso uma hora.

Agora é o momento para se engatilhar uma iniciativa diplomática que reabra os caminhos, diminua as tensões e detenha as capacidades nucleares da Coreia do Norte ali onde estão. Trabalhando de perto com o novo governo em Seul e em outros lugares, os Estados Unidos deverão apoiar uma estratégia de longo prazo que integre a Coreia do Norte à situação de prosperidade e estabilidade regionais.

O melhor modo de aliviar o sofrimento do povo norte-coreano é dar-lhes uma chance de obter sucesso econômico e ajudá-los a abrir o país gradualmente

Porque o programa nuclear deverá ser o último item do orçamento nacional que Kim pretende cortar, as sanções só irão continuar agravando a miséria da população norte-coreana, e as pressões não ajudam em nada a combater os abusos de direitos humanos sendo cometidos no país. O melhor modo de aliviar o sofrimento do povo norte-coreano é dar-lhes uma chance de obter sucesso econômico e ajudá-los a abrir o país gradualmente.

Ao simplesmente continuarem com as sanções econômicas, com as ameaças de ataques militares e mantendo tensas as relações entre os dois países, os Estados Unidos estarão fazendo justo o jogo do sistema da Coreia do Norte e explorando suas piores tendências. As intenções nucleares de Kim deverão se solidificar ainda mais, e as capacidades bélicas norte-coreanas só irão crescer. É hora de mudar a abordagem.

*John Delury é professor associado de estudos chineses na Yonsei University Graduate School of International Studies, em Seul.

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