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Jornalistas protestam contra a morte do jornalista mexicano Javier Valdez assassinado em Culiacan, no dia 15 de maio | JULIO CESAR AGUILAR/AFP
Jornalistas protestam contra a morte do jornalista mexicano Javier Valdez assassinado em Culiacan, no dia 15 de maio| Foto: JULIO CESAR AGUILAR/AFP

“Onde eu trabalho, em Culiacán, no Estado de Sinaloa, México, é perigoso estar vivo.” 

Foi o que disse o jornalista mexicano Javier Valdez em 2011, quando recebeu o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê de Proteção a Jornalistas. Não apenas Valdez trabalhava em um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas, como fazia o trabalho mais arriscado, cobrindo crimes e corrupção em um dos estados mais violentos do México. 

“Fazer jornalismo é caminhar sobre uma linha invisível traçada pelos bandidos – que estão no narcotráfico e no governo – em um campo semeado de explosivos”, ele disse certa vez.

“É isso o que a maioria do país está vivendo. É preciso se proteger contra tudo e todos, parece que não há alternativas nem salvação, e muitas vezes não há a quem recorrer.” 

Na tarde da segunda-feira (15/05), Valdez foi morto a tiros perto da redação do jornal que fundou, “Riodoce”. Ele é o quinto repórter assassinado este ano no México, e sua morte se dá um dia depois de cerca de cem agressores terem atacado sete jornalistas mexicanos e internacionais que cobriam uma operação de segurança no Estado de Guerrero. Eles estavam na rodovia que leva a Iguala, onde 43 estudantes de uma faculdade de formação de professores desapareceram em 2014. 

“As balas não me calam”JULIO CESAR AGUILAR/AFP

Fundado por Valdez em 2003, o “Riodoce” cobria quase exclusivamente a criminalidade e a corrupção. O jornalista virou perito no tráfico de drogas e crime organizado, temas que cobriu extensamente em seus livros. Era um trabalho perigoso, e Valdez já tinha sido atacado antes. Em 2009, agressores jogaram uma granada na redação de seu jornal. 

Valdez, que também foi correspondente do jornal nacional “La Jornada”, se especializou em fazer a crônica do custo humano da violência no México. Em uma reportagem de 2014, descreveu a dor de um pai ao saber que seu filho foi sequestrado. 

Parecia que os olhos de Raúl estavam se enchendo de vidro partido. As lágrimas não pediram permissão. Começaram a cair. Escorriam por sua pele. Um de seus filhos fora sequestrado. A polícia disse que era um rapto. Mas Raúl sabia instintivamente que telefonariam pedindo um resgate. 

Seu celular tocou com a melodia de “El palo verde”. O som macabro da música durante essa tragédia o deixou envergonhado. Seu filho de 16 anos. O filho do meio. Ele viu sua mulher arrasada, destruída, sentada na poltrona, ressecada pela dor das lágrimas salgadas. 

Ele pressionou o botão verde no Motorola e soltou um alô trêmulo e imperceptível. Olha aqui seu filho da puta, estamos com seu filho. Ele apontou o telefone na direção do garoto, para que pudesse soltar o grito apavorado de papai. Pediu dinheiro para soltar o menino e explicou onde e como deixar o dinheiro. ... Ele chorou de novo. Suplicou que não machucassem seu menino. 

Ele juntou o dinheiro e o entregou. Não contou à polícia, porque tinha medo. Polícia e bandidos eram a mesma coisa, sua mulher lhe disse. Não vale a pena falar para a polícia. Ele esperou, e esperou, e esperou. Não tinha notícias de seu filho havia dois dias. No terceiro dia encontraram seu corpo desovado. Coberto de hematomas e furos. Sem cor. Exaurido. Os olhos semicerrados. 

Valdez também documentou a violência extraordinária que sacudia sua cidade, com crianças e adolescentes sendo mortos rotineiramente. A violência, escreveu, se tornara banal, tão comum que os adolescentes se reuniam nos locais onde tinham ocorrido crimes para fazer fotos e postá-las nas redes sociais. 

Valdez recebeu o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa do Comitê de Proteção a Jornalistas em 2011JULIO CESAR AGUILAR/AFP

“É a morte barata e fácil, agachada a dois passos, pertinho, atrás da esquina, a morte não por a pessoa ter ou deixar de ter uma ligação com o narcotráfico, mas por morar numa região assolada pela violência e impunidade, onde o crime é de rotina e o medo deixou de ser novidade”, ele escreveu em 2015. “Culiacán, onde é perigoso estar vivo, onde tudo é igual, só que na pele desta região do norte, a poucos passos do Pacífico e na beira do abismo, há mais manchas de sangue, cicatrizes e crucifixos na beira da estrada.”

Tradução de Clara Allain
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