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O terrorismo mudou nas últimas décadas: a Inglaterra é testemunha  | STRINGER/AFP
O terrorismo mudou nas últimas décadas: a Inglaterra é testemunha | Foto: STRINGER/AFP

Uma explosão atingiu uma movimentada casa de shows de Manchester na segunda-feira (22)  à noite, matando pelo menos 22 pessoas e ferindo outras 59 em uma apresentação frequentada por muitas crianças com seus pais. Desde então, o Estado Islâmico assumiu a responsabilidade pelo que a Primeira Ministra Theresa May chamou de "atentado terrorista insensível". 

É o pior ataque terrorista em solo britânico desde 2005, quando a rede de transporte público de Londres foi atingida por um grande número de bombas, provocando 54 mortes. 

Ainda que esse seja o primeiro ataque terrorista a atingir a cidade em anos, Manchester já é uma cidade marcada pelo terrorismo. Historicamente industrial e habitada principalmente pela classe trabalhadora, a cidade foi alvo de vários atentados desde os anos 70. Esses ataques, porém, não eram orquestrados pelos islâmicos extremistas que reivindicam os ataques recentes, mas pelo Exército Republicano Irlandês (IRA), que forçava o governo britânico a aceitar uma Irlanda independente e unida. 

Maior bomba desde a Segunda Guerra Mundial

O mais famoso desses ataques aconteceu há quase 21 anos, na manhã de 15 de junho de 1996. O IRA detonou uma bomba de uma tonelada e meia em um caminhão na Corporation Street, rua do centro comercial da cidade — não muito longe do ataque de segunda-feira na Manchester Arena. Essa continua sendo a maior bomba a explodir na Grã-Bretanha desde a Segunda Guerra Mundial. 

Em certo sentido, a resposta à bomba de 1996 não foi muito diferente do que do ataque de 2017. Nessa terça-feira, o shopping Arndale Centre, que sofreu as consequências do ataque da Corporation Street, foi evacuado novamente depois de receios de que poderia ser alvo de um seguimento do atentado. Novamente, esses são os medos que um ataque fora da capital cria em uma comunidade de inteligência normalmente focada em Londres. 

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May parece ter também espelhado inadvertidamente a linguagem do então Primeiro Ministro John Major, que chamou o ataque de "ato insensível de terrorismo" em um pronunciamento de 1996. Major também afirmou que o bombardeio foi trabalho de "alguns fanáticos" e que causou "uma repulsa absoluta" na Irlanda. Colin Phillips, um policial que conversou com repórteres depois do ataque, disse que a IRA era composta de "criminosos absolutamente cruéis" - uma afirmação que encontra ecos na crítica que o presidente americano Donald Trump faz dos "perdedores cruéis" por trás de ataques desse tipo. 

Reação interna

Como o ataque de segunda-feira tem relações com extremistas islâmicos, haverá ainda mais paralelos. Manchester é lar de uma ampla comunidade islâmica. Muçulmanos que habitam a cidade podem se encontrar na posição de ter que expressar publicamente oposição ao ato de terror ou correr o risco da culpa por associação, assim como aconteceu com a considerável população irlandesa na cidade em 1996. Relatos das consequências do bombardeio do IRA contam que as enfermeiras irlandesas foram encaminhadas para casa por colegas e que centros comunitários irlandesas receberam ameaças violentas. Um político local logo organizou um festival irlandês para tentar quebrar as barreiras construídas pelo ataque. 

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Apesar das similaridades, as diferenças entre os dois ataques mostram como as ameaças postas pelo terrorismo mudaram nas últimas duas décadas. O ataque na Manchester Arena essa semana parece ter sido feito para causar o maior número de mortes e ferimentos entre um público mais jovem, que estava lá para o show da cantora americana Ariana Grande. Ainda que o ataque de 1996 tenha causado danos maiores para prédios e mais de 200 pessoas feridas, ninguém morreu imediatamente depois do ataque. 

Diferentes estratégias

Isso se deu em grande parte por conta de ligações para a televisão local e universidades feitas na manhã do dia 15 de junho. Uma hora antes da bomba explodir, um homem de sotaque irlandês alertou que havia uma bomba em uma van estacionada na esquina das ruas Cannon e Corporation. O homem usou uma palavra chave para que as autoridades soubessem que era uma ameaça real. A polícia começou a agir, evacuando cerca de 80 mil pessoas da movimentada área comercial. Quando a bomba explodiu, poucas pessoas estavam na área. 

O aviso fazia parte da estratégia. Enquanto especialistas dizem que a falta de fatalidades foi pura sorte por conta do tamanho da explosão (um guarda local faleceu com uma doença relacionada a amianto que pode ter sido consequência da bomba), o IRA não estava interessado em causar mortes e ferimentos. Eles esperavam atingir os centros econômicos da Grã-Bretanha para chamar atenção de Londres pela falta de comprometimento que tinham com a Irlanda do Norte. O estrago econômico causado a Manchester pelo bombardeio de 1996 foi considerável: grande parte da cidade ficou em ruínas depois do ataque, com um custo estimado de £700 milhões (£917 milhões em valores atualizados). 

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Na realidade, o IRA acreditava que qualquer morte causada pela explosão poderia ser contraprodutiva para a causa. Quando fizeram um pronunciamento alegando responsabilidade pelo ataque em 20 de junho, a organização disse "se arrepender sinceramente" dos ferimentos causados a civis. 

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O homem que plantou a bomba em Manchester em 1996 nunca foi encontrado, mesmo depois de inúmeras buscas terem sido feitas. O ataque poderia ser levado para os líderes do IRA, mas a busca pelos responsáveis acabou coincidindo com uma reencontrada vontade de paz na Irlanda do Norte. Menos de dois anos depois do ataque, o acordo de paz da Sexta-feira Santa foi assinado, dizendo que o IRA desistiria de estratégias terroristas em sua busca por reunificar a Irlanda, ainda que até hoje haja discordância na periferia do grupo. 

Renascimento

Apesar dos estragos causados em 1996, alguns creditam aos ataques o renascimento de Manchester, então um foco de manufaturas que tinha caído em decadência desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ficando conhecida como uma cidade pobre e sombria. Já existiam planos de desenvolvimento do local, mas a quantidade de estragos provocados se apresentou como uma oportunidade histórica de limpar a cidade e construir um novo foco comercial de aço e vidro. Hoje a cidade é conhecida internacionalmente pelos seus times de futebol, universidades, cultura e arte. 

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Mas a cidade nunca esqueceu o ataque. Uma caixa postal vermelha, um dos poucos objetos que ficaram de pé depois do bombardeio, ainda fica na Corporation Street. Ela segura uma placa dourada marcando a data do atentado de 21 anos atrás.

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