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Em 1994, somente 42% das pessoas entre 17 e 34 anos concordavam que a melhor família era aquela em que o homem era o principal provedor e a mulher tomava conta da casa, mas em 2014, 58% preferiam esse arranjo | Bigstock/Gazeta do Povo
Em 1994, somente 42% das pessoas entre 17 e 34 anos concordavam que a melhor família era aquela em que o homem era o principal provedor e a mulher tomava conta da casa, mas em 2014, 58% preferiam esse arranjo| Foto: Bigstock/Gazeta do Povo

Os millennials, geralmente definidos como aqueles que nasceram entre 1982 e 2000, deveriam ser a geração a forjar o que vem sendo chamado de “novo consenso nacional” em favor da igualdade de gêneros. De fato, em fevereiro, o prestigiado professor de Columbia Jeffrey Sachs classificou a eleição de 2016, na qual uma candidata extremamente qualificada perdeu para um homem com histórico de desrespeito às mulheres, como “um desvio” no caminho para a sociedade igualitária a que chegaremos assim que o número de eleitores jovens superar o de idosos mais conservadores.

É menor o número de millennials entre 18 e 25 anos que apoia dinâmicas familiares igualitárias do que o mesmo grupo de vinte anos atrás.

Só que a “Geração Y” aglutina todo mundo dos 17 aos 34 anos em um grupo de raças, etnias, religiões, rendas, níveis de educação e experiências de vida as mais variadas. Não pense, nem por um segundo, que ela é homogênea. Como uma série de relatórios divulgados em 31 de março pelo Conselho de Famílias Contemporâneas revelou, é menor o número de millennials entre 18 e 25 anos que apoia dinâmicas familiares igualitárias do que o mesmo grupo de vinte anos atrás.

Usando uma pesquisa que monitora as atitudes de alunos do último ano do ensino médio há quase 40 anos, os sociólogos Joanna Pepin e David Cotter descobriram que a proporção de jovens com visão igualitária das relações de gêneros cresceu consistentemente de 1977 até meados dos anos 90, mas caiu desde então.

Em 1994, somente 42% dessa faixa etária concordavam que a melhor família era aquela em que o homem era o principal provedor e a mulher tomava conta da casa, mas em 2014, 58% preferiam esse arranjo. Em 1994, menos de 30% achavam que “o marido devia tomar todas as decisões importantes sobre a família”; em 2014, quase 40% apoiavam essa premissa.

Outra pesquisa revelou uma tendência semelhante, nesse caso concentrada principalmente entre os homens. Em 1994, 83% dos rapazes rejeitavam a superioridade da família em que o homem era o principal provedor; em 2014, esse número caiu para 55%. A discordância feminina caiu bem menos, de 85% em 1994 para 72% em 2014. Desde 1994, a confiança das garotas no fato de que as mulheres que trabalham fora são tão boas mães quanto as que ficam em casa continuou a crescer, mas a dos meninos caiu. De fato, em 2014, os homens de 18-25 eram mais tradicionais que os mais velhos.

Essa queda pode ter influenciado a eleição de 2016, embora os eleitores de 18-30 anos tenham mostrado maiores chances que as de qualquer outro grupo de votar em Hillary Clinton. Uma análise da boca de urna feita por Kei Kawashima-Ginsberg, da Universidade Tufts, revela que o apoio dos millennials a uma mulher branca, em 2016, era dez pontos percentuais menor que o voto a um negro, em 2008. E não só isso: a disparidade de gênero entre os jovens foi maior que nas eleições anteriores. Enquanto 63 por cento das jovens votaram em Clinton, apenas 47 por cento dos rapazes o fizeram.

Perda de dominância

O cientista político Dan Cassino sugere que o maior apoio pela liderança masculina na vida doméstica entre jovens de 18-25 anos reflete uma tentativa de compensar a perda da dominância deles no mercado de trabalho. Os jovens entrevistados em 2014 cresceram à sombra da crise financeira, que acelerou a erosão do poder de ganho do homem, que vem de longa data. Durante as primárias de 2016, quando Cassino fez perguntas aos eleitores que os lembrassem do fato de que hoje muitas mulheres ganham mais que os homens, eles se mostraram menos dispostos a apoiar Hillary. Talvez um segmento da juventude esteja reagindo aos prejuízos financeiros sofridos por seus pais. De fato, uma pesquisa feita pela MTV, em 2015, descobriu que jovens de 14-24 anos achavam que os maiores ganhos das mulheres eram à custa dos homens.

Americanos entre 18-34 anos se sentem menos à vontade que os mais velhos com a ideia das mulheres assumindo papéis que historicamente sempre foram masculinos.

Não são só os millennials mais jovens que parecem não querer continuar a revolução dos gêneros; no geral, americanos entre 18-34 anos se sentem menos à vontade que os mais velhos com a ideia das mulheres assumindo papéis que historicamente sempre foram masculinos. E os millenials têm muito mais probabilidades que os membros da Geração X ou baby boomers de dizer que a sociedade já fez todas as mudanças necessárias para gerar igualdade no local de trabalho.

Estamos enfrentando uma estagnação ou um revés no movimento rumo à igualdade de gêneros? É possível, principalmente se continuarmos a colocar nossas esperanças em um processo evolucionário de liberalização geracional. Só que também há evidências consideráveis de que o declínio do apoio ao arranjo doméstico “não tradicional” vem do fato de os jovens testemunharem as dificuldades vividas pelas famílias em que ambos os pais trabalham fora.

Os pais americanos registraram o maior nível de infelicidade comparado aos que não têm filhos, diferença que os pesquisadores acreditam “totalmente explicável” pela ausência de políticas de apoio ao equilíbrio trabalho-família.

Um estudo recente em 22 países europeus e de língua inglesa descobriu que os pais americanos registraram o maior nível de infelicidade comparado aos que não têm filhos, diferença que os pesquisadores acreditam “totalmente explicável” pela ausência de políticas de apoio ao equilíbrio trabalho-família.

Não é à toa que alguns jovens acham que uma dinâmica familiar mais tradicional pode tornar a vida menos estressante: proporcionalmente, o apoio à igualdade de gêneros continua a crescer entre todas as faixas etárias na Europa, onde investimentos públicos substanciais em cuidados infantis acessíveis e de alta qualidade e licença remunerada para mães e pais são regra.

A disponibilidade de tais opções supera, cada vez mais, o apoio cultural à dinâmica tradicional de gêneros. Quando os americanos jovens são perguntados sobre os objetivos de suas famílias e se fala de uma política justa de conciliação de trabalho e família, a grande maioria opta por renda e criação dos filhos compartilhadas.

Divisão de tarefas

Mais ainda, as vantagens financeiras de casais com renda dupla em relação às famílias em que o pai é o provedor aumentaram significativamente de uns anos para cá, e a divisão desigual de tarefas domésticas vem se tornando cada vez mais danosa para os relacionamentos. Os poucos casais que consegue dividir as tarefas e a educação dos filhos registra altos níveis de satisfação conjugal e sexual, com sexo mais frequente, em comparação a homens e mulheres em lares onde ela é a principal responsável pelo cuidado com a casa e os filhos.

A verdade é que a maioria dos pais jovens não vai conseguir sustentar valores e práticas igualitários sem políticas de trabalho-família melhores. E elas podem ser alcançadas, sim, já que mais de 80% dos americanos – e a grande maioria de ambos os sexos – apoiam a licença-maternidade, com 70% apoiando a licença-paternidade também. Na faixa etária de 18-29 anos, esse número sobe para 91% a favor das mães e 82, dos pais.

Se, mas somente se conquistarmos tais mudanças, talvez descubramos que em vez de se afastarem do idealismo igualitário juvenil, como a crença popular do amadurecimento nos leva a esperar, mais americanos jovens o estão apoiando, criando os arranjos familiares mais igualitários vistos até agora.

*Stephanie Coontz, professora de História e Estudos Familiares na Faculdade Estadual de Evergreen em Olympia, Washington, é diretora de pesquisas do Conselho de Famílias Contemporâneas e autora de “The Way We Never Were: American Families and the Nostalgia Trap”.

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