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Maduro agora também tem a oposição dos indígenas venezuelanos  | Ismael FranciscoCubadebate
Maduro agora também tem a oposição dos indígenas venezuelanos | Foto: Ismael FranciscoCubadebate

A crise política da Venezuela se estendeu para o campo espiritual neste mês, quando o governador do estado do Amazonas ameaçou lançar uma maldição xamânica sobre o presidente Nicolás Maduro e sua administração. 

Transmitida ao vivo pelo aplicativo Periscope, a ameaça foi sobretudo um teatro político. Mas apontou para um problema maior para os longevos governos de esquerda da América do Sul. 

Os grupos indígenas minoritários lutando contra a mineração, desmatamento e exploração petrolífera na região costumavam ver líderes de esquerda como seus aliados naturais numa batalha mortal contra o capitalismo global. Agora, muitos veem esses líderes e seus partidos como tão predatórios quanto qualquer corporação, se não mais. 

Exploração de recursos naturais

Trata-se de outro exemplo emblemático da maneira como a ascensão e queda do populismo de esquerda na América do Sul fraturou as coalizões políticas tradicionais da região. 

Na Bolívia e no Equador em particular, duas nações com grandes populações indígenas, líderes de esquerda que chegaram ao poder com o apoio de grupos nativos tradicionais viram parte desse apoio se transformar em ferrenha oposição. O mesmo está se confirmando na Venezuela, que tem uma população indígena bem menor, mas que inicialmente apoiou os últimos anos de Hugo Chávez e se voltou em peso contra Maduro, seu impopular sucessor. 

A principal razão para a ruptura? Conflitos de uso terra na região tornaram-se mais intensos, especialmente porque líderes populistas de esquerda como Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia financiaram seus ambiciosos programas sociais com renda gerada a partir da exploração de recursos naturais. 

"No início, os grupos indígenas abraçavam esses governos de esquerda principalmente por causa de sua retórica sobre direito à terra, justiça social e inclusão," disse Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, um think tank especializado na América Latina. 

"Mas o desencanto logo se manifestou entre os setores indígenas à medida que os governos descobriam rapidamente que, assim como governos mais à direita, eles precisavam da renda que vem de projetos de desenvolvimento em exploração florestal, mineração, extração de petróleo e construção de barragens," disse Shifter. 

À medida que o boom de commodities da primeira década do milênio começou a perder força, aqueles governos vem tentado manter os níveis de gasto contraindo novas dívidas — em sua maioria na forma de empréstimos chineses — em troca de abrir cada vez mais terra às indústrias extrativistas. Isso os colocou em conflito direto com grupos indígenas que esperavam que a retórica anti-capitalista de líderes como Correa e Morales lhes desse mais controle sobre suas terras ancestrais, e não menos. 

Na Venezuela assolada pela crise, onde protestos de rua mortais tem se alastrado nas últimas seis semanas, o governo de Maduro, com dificuldades de caixa, abriu vastas novas áreas de território amazônico para indústrias mineradoras e outras. À medida que líderes indígenas em estados como o Amazonas passaram à oposição na Venezuela, os atritos com o governo pioraram. 

“Maldição do Dabucuri"

O governador Liborio Guarulla, que está no comando do Amazonas desde 2001, disse que o governo informou-lhe este mês que ele havia sido proibido de se candidatar a cargos políticos por 15 anos, citando acusações de corrupção que ele nega. Garulla respondeu dizendo que iria amaldiçoar Maduro e sua administração com algo chamado "a Maldição do Dabucuri." 

"Eu lhe asseguro que eles não morrerão sem tormento, e que antes de morrerem eles começarão a sofrer e suas almas vagarão pelos lugares mais sombrios e pestilentos antes que possam fechar seus olhos," disse Guarulla, um membro do grupo étnico Baniva. 

A recessão econômica da Venezuela representou um golpe duro para os grupos indígenas. Centenas de membros da minoria Warao abandonaram a região do Delta do Orinoco na Venezuela e foram em direção ao Brasil neste ano, de acordo com a Reuters, e agora sobrevivem mendigando nas ruas de Manaus, a maior cidade na bacia do Amazonas. 

Os conflitos entre o governo petróleo-dependente do Equador e as tribos de planície do país — algumas das quais evitam contato com o mundo externo — é ainda mais agudo. O governou estabeleceu contratos de petróleo-por-dívida com a China que efetivamente abriram algumas das áreas mais sensíveis da bacia amazônica à exploração de petróleo. Isso inclui parques nacionais e reservas indígenas antes consideradas intocáveis, e à medida que aquele território é cada vez mais invadido pelo barulho de pesados equipamentos de construção, conflitos mortais tem irrompido. 

Endosso indígena

Durante a mais recente eleição presidencial do Equador, o candidato conservador e ex-banqueiro Guillermo Lasso foi derrotado por pouco pelo candidato da situação Lenin Moreno, o ex vice-presidente de Correa. Mas Lasso ganhou nas planícies amazônicas e em muitas das áreas andinas do país, com grandes populações nativas, tendo assegurado o endosso do maior partido indígena do Equador. 

Lasso, um conservador e defensor do livre mercado, havia prometido até mesmo estabelecer novas restrições sobre projetos de mineração em altitudes elevadas, numa região em que grupos indígenas tem resistido a tais planos. 

Sebastian Hurtado, um analista político em Quito, ligado à firma de consultoria Profitas, disse que a mensagem ambiental e anti-mineração de grupos indígenas há muito "os colocou em conflito com um governo cujo evidente interesse era a exploração de recursos naturais a fim de financiar um plano ambicioso de gasto e investimento." 

O governo ainda tem o apoio de alguns líderes e organizações indígenas, observou Hurtado. Em algumas áreas da bacia amazônica aonde a exploração de petróleo se expandiu, o governo tem preservado o apoio construindo novas casas, estradas e outros projetos de infraestrutura para aliviar o impacto da indústria. 

Moreno, que assume no dia 24 de Maio, disse que vai continuar com a "Revolução Cidadã" de Correa, que, nota Hurtado, também produziu tensões que não dizem respeito somente a recursos naturais. 

"A revolução Cidadã buscou ativamente limitar os recursos e habilidades de grupos da sociedade civil, por meio de legislação e de um uso mais eficiente de forças policias para controlar protestos e manifestações, " disse Hurtado. 

Ainda assim, disse ele, era improvável que o giro à direita da América Latina desse à população indígena da região mais influência política em sua luta para proteger a terra do desenvolvimento. "Eu acho que líderes indígenas tem sido e continuarão aliados com 'a esquerda,' disse ele. "Mas muitos deles hoje - embora não todos - não consideram líderes como parte dela."

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