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Milhares de pessoas fugindo do grupo terrorista islâmico Boko Haram mora às margens desta estrada construída pelos chineses para chegar aos campos de petróleo, até a região ser considerada perigosa demais | Adam Ferguson/NYT
Milhares de pessoas fugindo do grupo terrorista islâmico Boko Haram mora às margens desta estrada construída pelos chineses para chegar aos campos de petróleo, até a região ser considerada perigosa demais| Foto: Adam Ferguson/NYT

Elas chegam à estrada em busca de comida e água, porque é o único lugar seguro que conseguem encontrar.

Já são mais de 130 mil pessoas reunidas nessa rodovia deserta em Níger, a Rota Nacional 1, que consideram o acostamento, inóspito e poeirento, seu lar.

Todas saíram dos vilarejos onde viviam fugindo do Boko Haram, grupo islamita que sequestra e mata indiscriminadamente em uma campanha de violência que já dura oito anos. O New York Times passou semanas registrando as histórias daqueles que vivem ao longo da estrada, entrevistando mais de cem residentes que se apegam à região para sobreviver.

A rodovia não os leva a um destino específico; não é o caminho para um santuário distante, uma vida melhor ou mesmo um campo de refugiados; é, literalmente, uma estrada para lugar nenhum. Termina de repente, ligando-se a nada além do deserto.

Iniciada por uma petrolífera chinesa, a construção parou dois anos atrás, depois que aumentaram os ataques da organização. Seu alvo – os campos de petróleo perto da fronteira com o Chade – está distante, a cerca de 130 km além da cobertura irregular do asfalto que acaba de repente, como um pensamento interrompido.

Os chineses foram embora. Agora, é o desespero que toma conta do horizonte, nos milhares de casebres rústicos, feitos com talos de painço, retalhos de tecido, sacas rasgadas de farinha e pedaços de lona. De cima, parecem pilhas amontoadas de feno.

Muitos moram ali há dois anos.

  • Refugiados esperam para receber alimentos da organização Médicos Sem Fronteiras.
  • Patrulha militar faz ronda na Rota 1. O exército nigerino patrulha esse trecho da estrada com regularidade. Os soldados estabelecem postos de fiscalização e se escondem atrás de pilhas de sacos de areia com os fuzis apontados para fora. Até agora, o Boko Haram se mantém afastado.
  • Refugiados procuram água ao longo da Rota 1. Meses atrás, uma briga pela água do poço acabou em morte.
  • Um caminhão-táxi carrega refugiados ao longo da rodovia. Iniciada por uma petrolífera chinesa, a construção parou dois anos atrás, depois que aumentaram os ataques do Boko Haram.
  • Depois que os chineses foram embora, é o desespero que toma conta do horizonte, nos milhares de casebres rústicos, feitos com talos de painço, retalhos de tecido, sacas rasgadas de farinha e pedaços de lona. De cima, parecem pilhas amontoadas de feno.
  • Refugiados ajudam uma vítima de acidente de carro na rodovia. Já são mais de 130 mil pessoas reunidas nessa rodovia deserta em Níger, a Rota Nacional 1, que consideram o acostamento, inóspito e poeirento, seu lar.
  • Refugiados se aglomeram em volta de uma pessoa morta em um acidente de carro na Rota 1.
  • Refugiadas amassam grãos no pilão à beira da rodovia.
  • Refugiados rezam embaixo da sombra de uma árvore ao lado da Rota 1.
  • Criança cuida da criação de gado e cabras ao lado da rodovia.
  • Pai conforta o filho em uma clínica do governo em Diffa, Níger, próximo da fronteira com a Nigéria.
  • Mulher nigeriana segura uma criança com quadro severo de desnutrição em um hospital em Diffa, no Níger.
  • Alguns grupos de ajuda humanitária prestam assistência: caminhões da Unicef chegam com água; o Comitê Internacional de Resgate distribui sacos de arroz, sardinha em lata e leite em pó.
  • Já são mais de 130 mil pessoas reunidas nessa rodovia deserta em Níger, a Rota Nacional 1.
  • A rodovia não os leva a um destino específico; não é o caminho para um santuário distante, uma vida melhor ou mesmo um campo de refugiados; é, literalmente, uma estrada para lugar nenhum. Termina de repente, ligando-se a nada além do deserto.
  • Muitos moram ali há dois anos.
  • Refugiados tiram água de um ponto de coleta. Brigas pelo recurso são comuns.
  • Galões vazios de água. A onda de recém-chegados transformou os embriões minúsculos de aldeia à beira da estrada em cidades cada vez maiores e cujas necessidades de água geram poços enormes em um local onde ela é escassa e poucas plantações são resistentes a ponto de sobreviver ao calor brutal.

Pesadelos

“Às vezes tenho a impressão de que vão chegar até aqui. Tenho pesadelos em que eles aparecem. Vêm para me matar”, conta Atcha Mallam, treze anos, que vive na estrada há 1,5 ano e ainda teme que os membros do Boko Haram consigam encontrá-la.

Em parte da vizinha Nigéria, o Boko Haram sofreu grandes baixas, resultado de uma ofensiva militar que acabou na morte e captura de militantes e na invasão de seu esconderijo na floresta. Com isso, centenas de milhares de nigerianos vão poder voltar para suas casas, ou, em muitos casos, o que sobrou delas.

Ao longo da fronteira indistinta entre os dois países, porém, os radicais continuam com força total: mais de 200 mil pessoas que fugiram por causa da violência vieram procurar segurança aqui na região de Diffa, com milhares se estabelecendo ao longo da Rota Nacional 1, uma estrada esguia e pavimentada em uma parte do país em que as rodovias não passam de ranhuras esquálidas na areia.

Muitos contam que o Boko Haram tomou conta de todos os lugares para onde fugiram. Famílias inteiras tiveram que sair às pressas de quatro ou cinco lugares antes de chegar à via que é seu último recurso.

Há motivos para ficar: o exército nigerino patrulha esse trecho da estrada com regularidade. Os soldados estabelecem postos de fiscalização e se escondem atrás de pilhas de sacos de areia com os fuzis apontados para fora. Até agora, o Boko Haram se mantém afastado.

Para essa multidão que se encontra aqui, morar perto dos 72 km de asfalto dá uma sensação de segurança e calma.

“Agora a gente consegue dormir porque não tem ninguém atirando”, conta Fati Fougou, 40 anos, mãe de sete filhos que saiu corrida pela milícia de três vilarejos antes de se estabelecer à beira da estrada com as crianças.

Briga e morte por água

Alguns grupos de ajuda humanitária prestam assistência: caminhões da Unicef chegam com água; o Comitê Internacional de Resgate distribui sacos de arroz, sardinha em lata e leite em pó; a Médico Sem Fronteiras administra pequenas clínicas, mas não existem acampamentos formais. Todos os desalojados que estão aqui são invasores.

“Não estávamos assim antes”, diz Sambo Tchakaama, próximo aos vasilhames de água vazios ao lado de um poço gigante que secou dois meses antes.

A onda de recém-chegados transformou os embriões minúsculos de aldeia à beira da estrada em cidades cada vez maiores e cujas necessidades de água geram poços enormes em um local onde ela é escassa e poucas plantações são resistentes a ponto de sobreviver ao calor brutal.

Há aqueles que fugiram com seus animais, e chegam com rebanhos de gado, cabritos, burros e galinhas para disputar o alimento e a água com as pessoas. Meses atrás, uma briga pela água do poço acabou em morte.

Separados pelo asfalto

Avisos feitos à mão, presos a estacas ao longo do caminho, marcam a divisão entre comunidades inteiras que, desalojadas, se mantiveram unidas. Assaga, primeiro grande assentamento da rodovia, é um deles.

O nome, na verdade, é o mesmo de duas cidades, uma em Níger, a outra na Nigéria, divididas pelo rio Komandougou, que corre na fronteira entre os dois países. Depois que o Boko Haram atacou a área, em janeiro de 2015, as duas comunidades fugiram juntas e acabaram chegando à rodovia. Agora, em vez de um rio, é o asfalto que as separa.

Mais além, para o norte, a Vila dos Barbeiros Viajantes, ou Garin Wanzam no idioma local, se estabeleceu antes da chegada dos desalojados. O chefe, Shettima Fougou, e seus parentes, eram os únicos vivendo ali.

Ele fala sobre o momento em que tudo mudou, na manhã de uma quinta-feira, em 2015, quando seis famílias fugidas do Boko Haram apareceram em seu pequeno complexo, composto de cinco casas de blocos.

“A situação não era nada boa. Fiquei com medo que o Boko Haram viesse atrás deles”, conta Fougou, um gigante de 45 anos e cabeça raspada.

Vendo o desespero daquelas pessoas, porém, decidiu recebê-las. Ofereceu-lhes comida e abrigo e torceu para que nada ruim acontecesse.

Algumas semanas depois, ele encontrou mais gente. Sua aldeiazinha tinha sucumbido à chegada de novas pessoas, que não pararam de chegar desde então.

Há dois anos, o assentamento abrigava vinte pessoas; hoje são treze mil.

Mãos vazias

E o que não falta é generosidade. O grupo de ajuda humanitária Oxfam International, calcula que 80 por cento dos desalojados da região ao redor de Diffa estejam sendo alimentados e abrigados pelas comunidades locais que, mesmo em tempos de paz, estão entre as mais pobres do continente.

A maioria de quem hoje vive às margens da Rodovia Nacional 1 chegou praticamente de mãos vazias.

Como, por exemplo, Marem Ari Gambo, 25 anos, que não tinha nem sapato quando apareceu por ali; as tiras de borracha de um dos chinelos estouraram após poucas horas de caminhada. Descalça, empurrava os únicos pertences que ela e os quatro filhos tinham: colchões e algumas roupas amontoados em um carrinho de mão.

Pouco menos da metade das 137 mil crianças que vivem na região está na escola. As instituições que existiam antes do influxo estão, em grande parte, desativadas, porque o governo não paga os professores há meses. A Unicef montou então 27 pequenos núcleos ao longo da rodovia. Em uma delas, alunos nigerinos, cujo idioma é o francês, estão sendo ensinados em inglês.

“Rápido, rápido, vamos para casa”, um coro de crianças cantava em francês enquanto saíam da sala de aula, que na verdade não passa de uma barraca.

A última casa

Moussa Kiari, 65 anos, de barba e sobrancelhas brancas, a vista turva, estava sentado no chão, na sombra projetada por seu casebre de palha. Ele fugiu do Boko Haram há mais de um ano, quando os milicianos invadiram sua casa e mataram seis membros de sua família.

Ele, a filha e os poucos que restaram fugiram, cruzando a fronteira. Esperavam poder ficar no Lago Chade durante algumas semanas e ganhar algum dinheiro com a venda dos peixes, mas o governo, temeroso pela segurança, fechou a estação de pesca.

Seguiram em frente. Segundo os boatos, o Exército estava patrulhando a Rodovia Nacional 1, que virou seu destino. Ao longo do caminho, a filha de Kiari adoeceu e acabou morrendo, deixando um filho de treze anos.

Agora, o velho e o garoto vivem juntos, na última casa da estrada.

“Não tenho mais coragem nem força de me mudar de novo.”

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