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 | Cristina Spanú for the New York Times/Cristina Spanú
| Foto: Cristina Spanú for the New York Times/Cristina Spanú

Por apenas US$100, você pode empoderar uma mulher na Índia. Segundo o site da organização India Partners, essa quantia, razoável até, comprará a máquina de costura com que ela dará o primeiro passo na marcha para sua autonomia. 

Ou você pode lhe enviar uma galinha. De acordo com Melinda Gates, a criação de aves dá autonomia às mulheres de países em desenvolvimento permitindo-lhes "expressar sua dignidade e assumir o controle". 

Se esse não é exatamente o instrumento que lhe seduz, a Heifer International pode, por US$390, entregar uma "cesta empreendedora" a uma africana, que inclui coelhos, peixes e bichos da seda. 

O princípio por trás de todas essas doações é o mesmo: a emancipação feminina é uma questão econômica, que pode ser isolada da política. E também supõe que pode ser resolvida por um doador ocidental benevolente, através de máquinas de costura ou galinhas, satisfazendo as mulheres da Índia (ou Quênia, ou Moçambique ou qualquer outro lugar do que é conhecido como o "sul global") e os desejos de suas vidas vazias. 

O empoderamento nem sempre foi sinônimo de kits empreendedores. Como Nimmi Gowrinathan, Kate Cronin-Furman e eu escrevemos em um artigo recente, o termo foi introduzido no léxico do desenvolvimento, em meados dos anos 80, por feministas do Sul Global. Para elas, "empoderamento" representava a missão de "transformar a subordinação de gênero" e desmantelar "outras estruturas opressivas", além de promover uma "mobilização política" coletiva. E conseguiram parte do que queriam quando a Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres, em 1995, adotou "um plano para promover a autonomia feminina". 

Porém, nos 22 anos passados desde o tal evento, "empoderamento" se tornou um chavão, uma palavra da moda entre profissionais ocidentais, perdendo seu significado crucial – o da "mobilização política". Em seu lugar ficou uma definição estreita e limitada, expressa através de programas técnicos para melhoria da educação e/ou da saúde, sem nenhuma atenção para as questões maiores de igualdade de gêneros. Essa emancipação despolitizada é útil para todos, menos para as mulheres que deveria ajudar. 

Objetos mudos e passivos

Ao distribuir galinhas ou máquinas de costura, as feministas e organizações de desenvolvimento ocidentais podem enumerar as mulheres não-ocidentais que "empoderam"; transformadas em objetos de seus esforços, podem ser exibidas em conferências e mencionadas em sites. Os profissionais da área podem citar treinamentos, workshops e planilhas lotadas de "casos viáveis" como evidências de mais um projeto bem-sucedido. 

Nesse sistema, sobra pouco espaço para as complexidades das beneficiárias; as mulheres não-ocidentais então ficam reduzidas a objetos mudos e passivos, à espera de socorro. 

Veja, por exemplo, os projetos de criação de galinhas da Fundação Gates. Bill acredita que, pelo fato de serem animais pequenos, que podem ser mantidos perto de casa, as aves são perfeitas para "empoderar" as mulheres. Acontece que os pesquisadores não descobriram ainda a relação entre essa doação e os ganhos econômicos em longo prazo, muito menos da emancipação ou da igualdade para metade da população mundial. 

Para que a verba continue entrando, a indústria do desenvolvimento aprendeu a criar métricas que sugerem melhorias e sucesso. As estatísticas da USAID no Afeganistão, por exemplo, geralmente se concentram no número de meninas "matriculadas" nas escolas, mesmo que raramente assistam às aulas ou se formem. Os grupos que promovem a criação de galinhas medem o impacto de curto prazo das aves e o aumento momentâneo da renda familiar e não as mudanças substanciais, de longo prazo, nas vidas das mulheres. 

Nesses casos, omite-se o fato de que, sem mudança política, as estruturas discriminadoras não podem ser destruídas e quaisquer avanços que as mulheres fizerem serão insustentáveis. Os números não mentem, mas podem omitir. 

Às vezes essas organizações, a serviço de sua narrativa, chegam a tornar as mulheres invisíveis. Como no caso que um dos meus colegas conta, e que chegou ao seu conhecimento através de uma pessoa que trabalha com um grupo de combate de tráfico humano no Camboja: uma organização ocidental estava filmando um vídeo para arrecadação de doações naquele país e precisava do depoimento de uma vítima, mas a mulher que se prontificou a testemunhar foi rejeitada porque não combinava com a imagem da sobrevivente jovem e indefesa que os produtores tinham em mente. 

Quando uma mulher não ocidental já tem uma identidade política forte, sua "remoção" da narrativa muitas vezes é necessária, mesmo que acabe sendo relegada aos papéis dos quais o empoderamento foi gerado para salvá-la – como no Sri Lanka, onde uma ex-combatente do Tigres de Libertação do Tamil Eelam disse a um dos meus colegas que ela e outras guerrilheiras receberam convites para fazerem cursos de decoração de bolos, estética e costura. Um membro do governo confessou que, apesar de anos de existência dos programas de treinamento, nunca tinha visto nenhuma mulher ganhar a vida com essas carreiras. 

Está na hora de mudar essa conversa de "empoderamento". Os programas das organizações de desenvolvimento devem ser avaliados de acordo com sua capacidade de reforçar o potencial feminino de mobilização política, de modo que possam gerar uma igualdade de gêneros sustentável. 

No âmbito global, um retorno a esse modelo original exigiria o fim da redução das mulheres não ocidentais às circunstâncias de sua vitimização: a sobrevivente do estupro, a viúva de guerra, a menina forçada a se casar. É preciso acabar com a ideia de que os objetivos e planos de ação do desenvolvimento têm que ser apolíticos. 

O conceito de empoderamento feminino precisa de resgate urgente e imediato das garras dos "salvadores" da indústria do desenvolvimento. No cerne do conceito de emancipação está a necessidade de uma sororidade global mais robusta, na qual nenhuma mulher ficará relegada à passividade e ao silêncio, com suas escolhas limitadas entre máquinas de costura e galinhas. 

*Rafia Zakaria é colunista do jornal paquistanês Dawn e autor de "The Upstairs Wife: An Intimate History of Pakistan".

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