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Estátuas dos generais confederados Robert E. Lee e Thomas "Stonewall" Jackson, figuras-chave dos confederados americanos, foram removidas durante a noite em Baltimore, Maryland, como parte da campanha para apagar os símbolos da época da Guerra Civil. As estátuas em Baltimore foram removidas quatro dias depois de confrontos em Charlottesville, Virgínia, após uma manifestação convocada por supremacistas brancos para protestar contra planos de remover uma estátua de Lee de um parque público | ALEC MACGILLIS/AFP
Estátuas dos generais confederados Robert E. Lee e Thomas "Stonewall" Jackson, figuras-chave dos confederados americanos, foram removidas durante a noite em Baltimore, Maryland, como parte da campanha para apagar os símbolos da época da Guerra Civil. As estátuas em Baltimore foram removidas quatro dias depois de confrontos em Charlottesville, Virgínia, após uma manifestação convocada por supremacistas brancos para protestar contra planos de remover uma estátua de Lee de um parque público| Foto: ALEC MACGILLIS/AFP

Em Durham, na Carolina do Norte, um grupo de ativistas, cansado de esperar a Prefeitura decidir o que fazer a respeito da estátua de um soldado confederado que ficava no centro, nesta segunda-feira (14) resolveu o caso com as próprias mãos, literalmente, arrancando-a do pedestal e depois chutando-a, como se tentasse subjugá-la. Uma lei estadual aprovada em 2015 proíbe a remoção desses monumentos, mas a perspectiva de ser processado pela depredação não foi impedimento para ninguém.

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Mais uma vez estamos no meio de um debate nacional, discutindo as centenas de homenagens aos confederados erguidas em todo o Sul do país – inspirados, desta vez, pela marcha realizada no fim de semana passado em Charlottesville, na Virgínia, quando supremacistas brancos protestaram contra a iniciativa municipal de retirar a estátua de Robert E. Lee. 

Eles não são os únicos defensores dessas esculturas. Donald Trump, na terça, criticou os esforços de removê-las. 

"Esta semana é o Robert E. Lee; na semana que vem, Stonewall Jackson. E o próximo, vai ser George Washington?", questionou, em coletiva. 

Há quem as defenda pelo valor patrimonial e histórico, não racista; outros dizem que precisamos mantê-las em pé para nos lembrarmos de nosso passado sombrio. 

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Os apologistas confederados, não só do Sul, mas do resto do país, defendem esses monumentos desde que foram inaugurados, no final do século XIX e início do século XX, que transformaram soldados confederados em heróis, lutando não pela instituição da escravidão, mas pela "Causa Perdida", a mitologia da Confederação como uma civilização patriarcal grandiosa. 

Muitos homenagearam figuras como Lee que, mesmo hoje, é defendido como um crítico à escravatura que se uniu aos confederados a contragosto. Mais famosa que a estátua dele em Charlottesville é a que fica na Monument Avenue de Richmond, também na Virgínia, mas há outra, menos familiar, no Capitólio. Seu rosto também foi entalhado em Stone Mountain, ao lado dos de Stonewall Jackson e Jefferson Davis. Foi e continua sendo um dos maiores heróis confederados. 

Símbolos da supremacia branca

Acontece que o protesto de Charlottesville, que mobilizou centenas de neonazistas e supremacistas brancos em defesa da memória do general, torna mentirosa a ideia pregada pelos apologistas, para quem os monumentos são "patrimônio, e não ódio". 

Não há nada de novo nisso. Eles sempre foram símbolos da supremacia branca. O auge da criação dessas obras, entre 1890 e 1920, foi também uma época de extrema violência racial, durante a qual os brancos sulistas se empenharam em anular o pouco progresso que tinha sido feito pelos negros durante as décadas da Guerra Civil. Conforme as estátuas iam sendo erguidas, o mesmo acontecia com os corpos de homens, mulheres e crianças de cor, vítimas dos longos períodos de linchamento. 

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Na era dos direitos civis, os segregacionistas novamente tentaram suprimir quaisquer tentativas de desafio à supremacia branca masculina. Mais uma vez, eles se manifestaram usando a bandeira de batalha dos confederados – e ainda contaram com o apoio da polícia e de agências municipais e estaduais, como a Comissão de Soberania, no Mississippi. 

A batalha pela supremacia branca masculina de hoje se expandiu e se tornou nativista, antifeminista e antissemita. E também é homofóbica. Como sempre, é racista, e assumiu explicitamente as imagens do nazismo, desde as bandeiras e suásticas, até a saudação adotada por Adolf Hitler. 

Partido do Homem Branco

O "patrimônio" confederado enquanto tema unificador do Sul branco também se incorpora na forma como a elite branca usou a classe operária branca para defender sua ideologia, jogando-a contra aqueles com quem tem mais em comum economicamente do que com os que estão no poder. O caminho para a ascensão do Partido Democrata do Sul, conhecido como o "Partido do Homem Branco", foi baseado na violência racial. E como forma de agradecimento, a nata da sociedade erigiu os monumentos confederados. 

O problema não se limita só ao Sul; o presidente dos EUA estimulou o surgimento de uma nova geração de terroristas domésticos. O fato de, durante a campanha, e agora como todo-poderoso na Casa Branca, Trump falar em construir muros, denegrir as mulheres, proibir o alistamento de soldados transgêneros, além de se rodear de assessores nacionalistas, foi o que deu coragem e ousadia àqueles que foram a Charlottesville repetindo "Os judeus não vão nos substituir". "Nós", é claro, sendo homens heterossexuais, brancos e pobres, que desejam o retorno a um patriarcado imaginário no qual terão lugar garantido à cabeceira da mesa – mesmo que esse lugar esteja reservado exclusivamente para a elite branca. 

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E em vez de enxergar a obviedade do fato de os monumentos confederados ocuparem um espaço central no imaginário supremacista branco, muita gente está mascarando a questão. Ingenuamente, alguns colegas historiadores sugerem que deveríamos mantê-los como lembrete das lições sombrias aprendidas na história do Sul. 

Mas a que custo? O que os eventos desta última semana deixaram claro foi que, durante várias gerações, a estátua de Lee e outras como ela fomentaram a causa da supremacia branca e a violência insana que a acompanha. É por isso que as comunidades da região têm a obrigação moral de assumir a causa de removê-las. Os artefatos de ódio se perderão, mas não sua história ou significado.

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Embora o ocorrido em Charlottesville seja uma mancha na nossa nação, devemos nos manter esperançosos em relação ao futuro. Aqueles que se reuniram em nome do ódio e da intolerância o fizeram sob os símbolos de regimes que foram derrotados, o que não cai muito bem para a causa. Os norte-americanos patriotas de verdade, de todas as cores e credos, podem e devem se manifestar, como fizeram no fim de semana passado – mas também precisam de liderança, em todos os níveis de governo, para condenar não só as ações, mas o próprio conceito de supremacia branca. 

*Karen L. Cox é professora de História da Universidade da Carolina do Norte em Charlotte e autora, mais recentemente, de "Goat Castle: A True Story of Murder, Race and the Gothic South".

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