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O produtor Harvey Weinstein e a atriz Meryl Streep, em Los Angeles, Califórnia | KEVIN WINTER/AFP
O produtor Harvey Weinstein e a atriz Meryl Streep, em Los Angeles, Califórnia| Foto: KEVIN WINTER/AFP

O magnata de Hollywood, Harvey Weinstein, não é uma anomalia. Ele é apenas mais um homem que conquistou muito poder. E como Lord Acton disse, o poder corrompe. No caso de Weinstein, a corrupção ganhou a forma de ataques a mulheres. O poder também distorce e cega algumas pessoas que o sobrepõem aos sentimentos reais daqueles que estão ao seu redor. 

Esse é o argumento mostrado na última edição online do Harvard Business Review, o principal jornal de teoria e conhecimento corporativo dos Estados Unidos. Em um ensaio com o título “Sex, Power and the Systems That Enable Men Like Harvey Weinstein” (“Sexo, Poder e os Sistemas que Incentivam Homens Como Harvey Weinstein”), o psicólogo Dacher Keltner explica: 

“Estudos sugerem que homens poderosos superestimam o interesse sexual de outros e acreditam erroneamente que as mulheres ao seu redor são mais atraídas por eles do que realmente são. Homens poderosos também sexualizam o seu trabalho, procurando oportunidades para tentativas sexuais e romances, e com isso olham para os outros de modo inapropriado, se aproximam demais e tocam demais diariamente, portanto cruzando as linhas do decoro – ou pior.” 

Keltner, professor na Universidade da Califórnia em Berkeley, está em uma posição para ter conhecimento sobre isso. 

Durante 25 anos, Keltner estudou pessoas como Weinstein, líderes que abusam do seu poder e atacam os mais vulneráveis. 

“Todo ano, a cada seis meses, encontramos um cara que age assim”, disse Keltner ao Washington Post. 

De fato, tais alegações se tornaram parte recorrente dos noticiários – seja envolvendo um político, uma celebridade, um executivo, um atleta famoso ou um abade da Igreja Católica. 

Então quando as alegações de abuso sexual contra Harvey Weinstein começaram a surgir na semana passada, Keltner pensou: “Bem, isso aconteceu de novo”, disse. “Mais um homem de poder que está avançando em mulheres jovens.” 

Paradoxo do poder

Desde quando os relatos vieram a público, muitos retrataram Weinstein como um homem “doente”, um predador ou até mesmo um monstro

Mas a reação de Keltner foi mais complexa. Sim, ele sentiu “repulsa” pelas acusações indefensáveis. Weinstein pode muito bem ter cometido bullying durante toda a sua vida, Keltner pensou. Mas o que é mais comum é que comportamentos como o de Weinstein sejam um abuso de poder que é tão previsível quanto explicável pela psicologia social. 

Keltner publicou um livro no ano passado chamado “O Paradoxo de Poder: Como ganhamos e perdemos influência”. Em aulas de liderança executiva em Berkeley, ele ensinou líderes do governo e das indústrias financeira, tecnológica e médica. Ele também é especialista em emoção – ele foi consultor científico para o filme da Pixar “Divertida Mente”. 

Da pesquisa de Keltner, uma conclusão é clara: um sentimento de poder pode transformar o comportamento das pessoas, tornando-as mais impulsivas e menos empáticas às necessidades dos outros. Isso “aumenta o volume das nossas tendências naturais”, diz Keltner. 

Se uma pessoa já tinha o costume de xingar ou fazer jogatinas, uma sensação de poder fará com que ela xingue ou jogue ainda mais, segundo Keltner. As pessoas que se sentem poderosas tem maior probabilidade de fazer escolhas arriscadas e falar o que pensam. 

Essa natureza impulsiva também se estende a avanços sexuais, segundo Keltner. Hierarquias “libertam os homens no poder para fazerem o que quiserem sexualmente”, diz. 

Menos empatia

Keltner faz referência a estudos que mostram que quando um homem se sente poderoso, as áreas do cérebro relacionadas a empatia apresentam menor atividade. E em alguns casos, quando um homem em posição de poder está acompanhado de uma subordinada, ele pressupõe que um comportamento nervoso da parte da mulher significa que ela se sente atraída por ele. 

Alguns homens que demonstram esse senso de prerrogativa, essa superioridade, podem sentir que “elas meio que gostam disso, mulheres jovens gostam disso”. 

“Weinstein provavelmente não enxergou ou percebeu que ele é uma besta imoral”, diz Keltner. 

Keltner define o paradoxo de poder desse modo: “As habilidades mais importantes para obter poder e liderar de modo eficaz são as mesmas habilidades que se deterioram quando se conquista poder”, ele escreveu em um ensaio que deu origem ao seu livro. 

Em um dos estudos de Keltner, os participantes foram atribuídos de modo aleatório a posições de liderança em grupos pequenos. Quando cada grupo recebeu um prato de biscoitos, com um biscoito a mais, a pessoa no poder teve maior probabilidade de pegar o último biscoito. Além disso, as pessoas no poder tiveram maior probabilidade de comer impulsivamente, com as suas bocas abertas e derrubando migalhas nas suas roupas. 

“Em um experimento, os participantes com poder tomaram doces de crianças sem titubear”, Keltner escreveu no artigo da Harvard Business Review

As suas descobertas indicam um padrão de senso de prerrogativa entre algumas pessoas poderosas. Os seus estudos apontaram que pessoas que dirigem carros luxuosos tem menor probabilidade de parar na faixa de pedestres e maior probabilidade de bloquear outros motoristas. 

Keltner diz que acreditava que mulheres em posições de poder poderiam abusar do seu poder tanto quanto homens. Mas novos dados encontrados sugerem que essas mulheres são menos vulneráveis a corrupção do que homens, segundo ele. Além disso, homens tem maior probabilidade do que as mulheres de cometerem agressões sexuais. 

“Pode ser que isso seja mais uma coisa de homens”, diz. “Mas não temos certeza.” Conforme mais mulheres ascenderem a posições de poder no governo e em ambientes governamentais, as diferenças de gênero se tornarão mais claras para os pesquisadores, segundo ele. 

Mais representatividade

Keltner diz acreditar que possamos ter alcançado um “ponto crítico” na luta contra o abuso sexual. “Esse debate realmente mudou”, diz, em grande parte devido a mais mulheres terem revelado as suas histórias, e mais mulheres ocuparem posições influentes. 

Hollywood, de acordo com Keltner, pode aprender com outras indústrias nas quais as mulheres ascenderam a posições de liderança em proporções maiores, como medicina, ensino superior e judiciário. Para Keltner, é “impressionante” que apenas 4% dos diretores de cinema são mulheres. 

Mesmo se apenas 30% dos diretores da indústria fossem mulheres, isso significaria mais mulheres presentes em festas, nos escritórios, em conselhos orientando pessoas como Weinstein. “Seria um jogo diferente.” 

Keltner descreveu ter visto momentos ocasionais de avaliação entre os alunos dos seus cursos de liderança executiva em posições de poder. 

Eles podem chegar a um ponto em que percebam que “claramente, eles não estão pensando com cuidado em relação a outras pessoas”, diz Keltner. 

Reconhecer essas tendências entre as pessoas em posições de poder é o primeiro passo para controlá-las. 

Como Keltner escreve no Harvard Business Review, “nós temos que reconhecer a banalidade de Harvey Weinstein, e dedicar a nossa atenção para mudar o contexto social de modo que transforme a tendência humana de abusar do poder em uma coisa do passado.”

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