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A premiê britânica Theresa May: mudança de ideia | Daniel Leal-Olivas/AFP
A premiê britânica Theresa May: mudança de ideia| Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP

A premiê britânica Theresa May anunciou nesta terça-feira (18) sua intenção de convocar eleições antecipadas para renovar os 650 assentos do Parlamento. Inicialmente prevista para maio de 2020, a votação geral deve agora acontecer no próximo dia 8 de junho, caso o adiantamento seja aprovado pela Câmara dos Comuns, em sessão a ser realizada amanhã. Desde que tomou posse, em julho do ano passado, May havia garantido repetidamente que não convocaria eleições antes do prazo original. Por que a premiê britânica mudou de ideia e o que o mundo pode esperar a partir de agora?

Mudança de opinião

O anúncio desta terça-feira pegou tanto aliados quanto opositores de surpresa, não tanto pelo momento político, mas pelas declarações de May no passado. Em meio à turbulência do Brexit, até aqui a premiê britânica havia se negado a antecipar o processo eleitoral, mesmo que as pesquisas sugerissem uma vitória esmagadora do seu Partido Conservador, cujos membros também são conhecidos como tories.

Entre as razões apresentadas para não realizar eleições estava a exaustão dos britânicos com a sequência de grandes votações recentemente. Nos últimos três anos, o país viveu o referendo pela independência da Escócia (2014), as últimas eleições gerais britânicas (2015) e o referendo pela saída da União Europeia (2016), que deu início ao Brexit. A resistência de May também se explicava pela busca de estabilidade no país: com os escoceses exigindo uma nova chance de decidir se devem ou não deixar o Reino Unido (a independência foi originalmente derrotada com a esperança de continuar na UE), o plano dos conservadores era garantir que as coisas continuassem como estavam. “Não é hora de brincar de política”, disse May no mês passado, em resposta aos separatistas escoceses.

“Este anúncio é uma das mudanças de opinião mais extraordinárias na história política recente, e mostra que Theresa May está mais uma vez colocando os interesses de seu partido acima dos interesses do país”, disse hoje Nicola Sturgeon, líder do Partido Nacional Escocês, sigla de oposição, que também luta pela independência. A mudança de opinião de May é resultado das dificuldades enfrentadas no processo do Brexit. O Parlamento composto nas eleições de 2015 deu uma maioria pequena aos conservadores. Desde então, os partidos de oposição perderam espaço diante da opinião pública, e a expectativa dos correligionários da premiê é que os tories ganhem ainda mais assentos com a antecipação das eleições, aumentando o poder de May para avançar o Brexit sem recorrer a negociações no Parlamento.

Busca por legitimidade

Ex-secretária de Estado, Theresa May chegou ao poder em julho do ano passado, após a crise que se seguiu ao referendo pela saída do Reino Unido da União Europeia. O então primeiro-ministro, David Cameron, que havia apoiado a realização do referendo mas desejava a continuidade do país na UE, renunciou ao cargo pouco depois da vitória do Brexit. Com os conservadores sem uma liderança clara após a saída de Cameron, May deixou os bastidores para se tornar uma das candidatas ao poder entre os tories, acabando por se tornar a segunda mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra, após Margaret Thatcher (que governou entre 1979 e 1990).

Apesar de a substituição de líderes a qualquer momento – e sem eleições diretas – ser prevista pelo sistema parlamentar britânico, Theresa May não havia sido apontada como uma possibilidade concreta durante as eleições gerais de 2015, que levaram Cameron a Downing Street. A responsabilidade de liderar o país em meio a um processo polêmico como o Brexit fez muitos questionarem a legitimidade de May, já que não havia passado pelo aval popular. Uma vitória nas eleições antecipadas, com o nome de May claramente indicado como líder dos tories, ajudaria a fortalecer sua posição.

Momento eleitoral favorável

Em 2015, os conservadores venceram as eleições conquistando 36% dos assentos no Parlamento, contra os 29% obtidos pela segunda maior sigla, o Partido Trabalhista, de oposição. Derrotado, o candidato trabalhista ao posto de primeiro-ministro, Ed Miliband, acabou renunciando à liderança do partido após o pleito, levando seus aliados a enfrentar uma crise interna em busca de um novo nome. A fragmentação dos trabalhistas e a sua fraca resposta ao Brexit levaram a um declínio nas intenções de votos – Jeremy Corbyn, atual líder do partido e provável candidato ao cargo de premiê nas eleições de 8 junho, é visto como um político impopular e sem chances de reverter a tendência de derrota.

Atualmente, a expectativa é que os tories ganhem ainda mais espaço no Parlamento, enquanto os trabalhistas vejam sua fatia diminuir um pouco mais: segundo estimativa divulgada pela BBC reunindo as diferentes pesquisas feitas no país, os conservadores têm hoje 43% das intenções de votos, enquanto o Partido Trabalhista conta com apoio de apenas 25% do eleitorado. A última vez que os tories conquistaram uma vantagem tão grande foi em 1983, quando Margaret Thatcher e seus aliados obtiveram quase o dobro de assentos da oposição liderada por Michael Foot. Considerado uma alternativa à esquerda pelos simpatizantes dos trabalhistas, o Partido Liberal-Democrático contaria hoje com somente 10% dos votos, e nem uma aliança entre os dois superaria o total de assentos que o Partido Conservador pode alcançar.

Apesar de o país estar dividido quanto ao Brexit encabeçado pelos tories, poucos analistas veem a supremacia conservadora ameaçada. “Há anos o Partido Trabalhista negligencia as comunidades que um dia ele representou”, entende Amit Singh, editor da revista Consented, crítica ao governo May. “Também existe um aspecto geracional”, complementa Singh. Majoritariamente contrário ao Brexit e a muitas das políticas defendidas pelos tories, o eleitorado jovem é notório por não comparecer às urnas: no referendo do ano passado, apenas 64% dos eleitores entre 18 e 24 anos votou. Ao mesmo tempo, mais de 90% dos eleitores acima de 65 anos – de maioria conservadora – participou das eleições. A força do eleitorado mais velho pode novamente impulsionar a agenda Tory.

Por que a oposição deve aceitar as eleições?

Em tese, não há garantias de que o desejo de Theresa May se concretize: as eleições só serão antecipadas se, na sessão de amanhã da Câmara dos Comuns, dois terços dos parlamentares votarem a favor da mudança de data. Na prática, porém, a decisão será mera formalidade: Jeremy Corbyn já indicou que os trabalhistas devem concordar com o adiantamento do pleito. “Nas últimas semanas, o Partido Trabalhista promoveu políticas para oferecer uma escolha clara e confiável para o país”, disse Corbyn. “Nós estamos em campanha para vencer essas eleições. Esta é a única questão agora”, prosseguiu o líder da oposição.

Com perspectivas desanimadoras para o principal partido da oposição, que deve sair ainda mais fraco se a votação ocorrer em 8 de junho, a opinião de Corbyn não é unanimidade nem mesmo entre seus aliados. Mike Gapes, um dos congressistas trabalhistas, tuitou pela manhã uma pergunta curta: “perus votam a favor do Natal?”, sugerindo que será contrário à antecipação das eleições. Na prática, a oposição foi pega em uma encruzilhada difícil de sair: ou nega as eleições antecipadas e admite que está satisfeita em ser minoria, ou aceita e corre o risco de acabar ainda mais reduzida.

Apesar das dissidências, a maioria do Partido Trabalhista deve seguir a indicação de Corbyn, que já começou a discursar como candidato na tarde desta terça-feira (início de noite no Reino Unido): “um governo trabalhista, se eleito em 8 de junho, vai construir a partir do legado e da tradição do partido”, declarou.

Segunda maior sigla de oposição a May, o Partido Liberal-Democrata espera conquistar os votos de eleitores trabalhistas descontentes e também considerou bem-vinda a antecipação da data. De acordo com os líderes da sigla, o partido ganhou mais de mil novos filiados nas primeiras horas após o anúncio da premiê.

Um Brexit ainda mais duro

O principal efeito que a antecipação das eleições terá é sobre as negociações entre o Reino Unido e a União Europeia a respeito dos termos do Brexit. “O sentimento geral parece ser que os eleitores estão cansados de ouvir os mesmos argumentos e contra-argumentos que dominaram a campanha do referendo” aponta o cientista político Andrew Glencross, autor do livro ‘Why the UK Voted for Brexit’ (“Por que o Reino Unido votou pelo Brexit”). Mas ele alerta que a fadiga do público não significa que o processo será rápido: “Eles querem que o Brexit seja concluído o mais brevemente possível, mas o fim das negociações de saída não vai ser o fim da UE como fonte de debate político no Reino Unido”.

Pelas datas anteriores, as próximas eleições gerais da Grã-Bretanha deveriam acontecer em maio de 2020, pouco depois da conclusão do Brexit, que deve ocorrer até meados de 2019. Isso significa que a votação para renovar os assentos parlamentares ocorreria em meio às negociações comerciais que deverão ocorrer após a saída do Reino Unido do bloco econômico europeu. Se as eleições forem antecipadas, isso também altera a data do próximo pleito, que só deverá ocorrer em 2022 – quando é muito mais provável que as negociações já tenham se encerrado.

Uma improvável vitória da oposição significaria um posicionamento mais favorável à manutenção de vários acordos hoje existentes. Caso as pesquisas se confirmem e Theresa May não apenas se mantenha no cargo como aumente a participação dos tories no Parlamento, a tendência é que o Reino Unido adote o chamado “hard Brexit”, uma saída mais dura, com menos concessões à UE – dificultando, por exemplo, a renovação de vistos de residência e trabalho aos cidadãos europeus que residem na Grã-Bretanha, hoje amparados pelas normas da UE.

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