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Organização não governamental envolvida na denúncia do uso da tortura por parte dos EUA exigiu em 2017 que Haspel fosse presa caso ela viajasse para a Europa | Divulgação/CIA
Organização não governamental envolvida na denúncia do uso da tortura por parte dos EUA exigiu em 2017 que Haspel fosse presa caso ela viajasse para a Europa| Foto: Divulgação/CIA

Se o Senado confirmar a escolha feita pelo presidente Donald Trump, e anunciada no Twitter no último dia 13 de março, a polêmica Gina Haspel será a primeira mulher a dirigir a Agência Central de Inteligência (CIA) dos EUA. Mas não é pelo fato de ser mulher que o nome dela tem sido colocado em xeque dentro e fora do país. As atitudes de seu passado, principalmente nas unidades internacionais da agência americana em “ações antiterroristas”, pesam no seu currículo e, com certeza, serão alvo de perguntas dos senadores na sabatina para validar a sua nomeação, prevista para abril.

Haspel é espiã de carreira, na CIA desde 1985, e, nesse meio tempo, entre outros serviços foi chefe em várias unidades da agência no exterior. Em Washington, ocupou diversos cargos em altos níveis de liderança, incluindo o de vice-diretora do Serviço Clandestino Nacional e o de vice-diretora do Serviço Nacional Clandestino de Inteligência Exterior e Covert Action. O desconforto maior em relação ao seu nome nasce do trabalho realizado em uma prisão secreta na Tailândia.

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No local, terroristas foram submetidos à áspera técnica de interrogatório, o temido waterboarding, um tipo de tortura que simula afogamento a seco. Durante o governo Bush,a técnica, hoje proibida, fora autorizada para uso contra tais suspeitos. O procedimento, o qual Trump já mencionou apoiar, tem sido o centro da discórdia para Haspel assumir o posto. Mesmo assim, não há nenhuma indicação de que a escolha de Trump por Gina Haspel revele o desejo de reiniciar o rígido programa de interrogação e detenção.

Quando Haspel foi escolhida como vice-diretora da CIA, sua carreira foi louvada por oficiais de inteligência veteranos, incluindo o ex-Diretor de Inteligência Nacional James Clapper, que recentemente se aposentou. Em contrapartida, incomodou a União Americana de Liberdades Civis e outros defensores dos direitos humanos que achavam que era perturbador que Trump escolhesse alguém envolvido no rígido programa de waterboarding.

Em 2002, dois cidadãos da Arábia Saudita, Abu Zubaydah e Abd Rahim Nashiri, ambos atualmente detidos em Guantánamo, foram “educados” na prisão supervisionada por Haspel e foram submetidos a esse tipo de programa. As sessões foram filmadas e as fitas foram armazenadas na embaixada americana na Tailândia. Depois de alguns anos, quando a oposição ao programa de tortura cresceu, os tribunais e comitês do Congresso começaram a investigar. A CIA teria decidido que eles iriam eliminar as fitas, e assim o fizeram. Segundo Ari Shapiro e Raymond Bonner, o documento que aprovou a destruição das fitas foi escrito por Gina Haspel, e no momento em que as fitas foram destruídas em 2005, a CIA já sabia que Abu Zubaydah não era o terceiro homem de Al-Qaeda como eles pensavam.

O Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR), uma organização não governamental envolvida ativamente na denúncia do uso da tortura por parte dos EUA em Guantánamo, e em outros lugares, exigiu em 2017 que Haspel fosse presa caso ela viajasse para a Europa. A ONG também está exigindo que vários Estados europeus conduzam uma investigação criminal conjunta sobre os programas de tortura da CIA e do exército dos EUA entre 2002 e 2006. Todavia, muito maior que a resistência europeia é a resistência do Senado americano à escolha de Trump.

Alguns legisladores dos Estados Unidos, como o senador republicano John McCain, criticaram Haspel. McCain incitou a nova chefe da CIA a explicar “a natureza e extensão de seu envolvimento no programa de interrogatório da CIA durante o processo de confirmação do cargo”. McCain reafirmou ainda que “a lei atual dos EUA é clara na proibição de técnicas de interrogatório aprimoradas”. Ele continuou dizendo que qualquer candidato para o cargo de diretor da CIA deve prometer “sem reservas” a observação dessa proibição. O também senador republicano, Rand Paul, disse na quarta-feira que se opõe à nomeação de Donald Trump, acusando-a de ter mostrado “alegria” durante a tortura.

No entanto, outros membros do Congresso foram mais acolhedores. Dianne Feinstein, senadora democrata, disse a jornalistas que era notório que Haspel era “um boa vice-diretora da CIA”. A senadora disse que falou com Haspel sobre seu envolvimento nos interrogatórios e expressou a esperança de que a agência tenha aprendido algo com sua experiência, ao abandonar aqueles procedimentos e usar técnicas de interrogatório mais aprimoradas. O ex-diretor da Inteligência Nacional James Clapper disse que Haspel era uma “oficial excepcional” e que ela seria “uma boa escolha para a Comunidade da Inteligência”.

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Haspel deve obter a confirmação do Senado antes que possa assumir seu novo escritório e é extremamente provável que tenha que responder às perguntas sobre seu envolvimento com a tortura e também a destruição das fitas que provavam o ocorrido. A associação com a prisão na Tailândia significa que, apesar do grande respeito nos círculos profissionais, Haspel continua a ser uma escolha polêmica para o cargo de diretora.

Caso o Senado Americano se mova como se tem tido notícias nos últimos dias, ter-se-á um voto vetando a posição de Haspel como diretora por parte da bancada democrata. Contudo, caberá ao presidente Trump revelar os motivos que o levaram a esta escolha e negociar com a bancada republicana a fim de garantir que não haja resistência por parte dos senadores do seu partido.

* Morena Abdala, analista de relações internacionais, especialista em Presidencialismo Americano pela Harvard University, professora de geopolítica e cofundadora da SophiaData.

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