• Carregando...
Esta foto de arquivo mostra um grupo marchando em camisas negras que eram uniforme dos fascistas italianos abaixo de uma bandeira nazista em Long Island | U.S. District Court, Eastern District of New York
Divulgação
Esta foto de arquivo mostra um grupo marchando em camisas negras que eram uniforme dos fascistas italianos abaixo de uma bandeira nazista em Long Island| Foto: U.S. District Court, Eastern District of New York Divulgação

Um dos primeiros sinais de que algo estava errado no seletivo enclave Parque Siegfried foi a entrevista. 

Philip Kneer e sua então noiva, Patricia Flynn — ambos proprietários de primeira viagem — foram informados de que precisariam ser aprovados pelo conselho da Liga da Comunidade Germano-Americana antes de eles poderem fechar negócio na casa de dois quartos em Long Island. 

Mas os membros deram uma olhada neles e disseram que a entrevista não era necessária, o casal afirmou em um processo. Eles tinham a benção do conselho. 

Mais tarde eles descobriram a razão por que receberam uma aprovação tão rápida em 1999: eles são brancos. 

Brancos com raízes alemãs, para ser preciso. 

Philip Kneer tem descendência alemã pelo lado de sua mãe. A avó de Patricia Flynn-Kneer era alemã e vivia em Berlim. E um dos principais propósitos da Liga da Comunidade Germano-Americana, de acordo com seu estatuto, era “cultivar e propagar em todas as direções a verdadeira cultura germânica e cultivar a língua, os costumes e os ideais alemães.” 

Mas a conexão alemã do Parque Siegfried ia muito mais fundo — e era muito mais sombria — do que isso. 

"Campo de doutrinação”

A comunidade foi fundada por simpatizantes nazistas em 1930 e tinha sido um entreposto para treinar a juventude ariana, de acordo com uma ação judicial proposta por Kneer e Flynn. O objetivo da Liga de Comunidade Germano-Americana: criar os futuros líderes dos Estados Unidos — e garantir que eles fossem impregnados de ideais nazistas. 

Em um artigo sobre a comunidade, o Untapped Cities, site que cobre os segredos e a história oculta de Nova York, chamou o Parque Siegfried de “um campo de doutrinação”. 

Décadas atrás, germano-americanos marchavam pela comunidade sob uma bandeira nazista e faziam saudações “Heil Hitler” perto de onde a casa dos Kneer ficava, de acordo com o jornal New York Daily News

Minorias afastadas

Desde a queda do Terceiro Reich, a comunidade se distanciou de seu passado nazista. A bandeira nazista foi embora. As ruas “Hitler” e “Goebbels” receberam outros nomes. 

Mas vestígios permaneceram, inclusive o estatuto sobre habitação desenhado para manter negros, hispânicos e outras minorias de fora, de acordo com o escritório do procurador-geral de Nova York. 

Esta semana, promotores estaduais anunciaram que chegaram a um acordo com a Liga da Comunidade Germano-Americana para consertar quase um século de práticas de habitação racialmente discriminatórias. Servidores foram alertados acerca do problema por uma história de 2015 do New York Times sobre o processo dos Kneer, que chamou de discriminatórias as políticas e práticas de habitação e alegou que elas violavam a Lei de Moradia Justa. 

O procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman, concordou, dizendo em um comunicado que “as práticas discriminatórias da liga são um resquício de um passado vergonhoso que não tem mais lugar em Nova York. Esse acordo vai por um fim de uma vez por todas à discriminação da liga, garantindo que todos os novaiorquinos tenham acesso igual a oportunidades de moradia — independentemente de sua raça ou país de origem.” 

Acordo

A liga fez um acordo com os Kneer há um ano, concordando em pagar 175 mil dólares por danos e honorários advocatícios, de acordo com o jornal Newsday, que citou os registros do tribunal. 

Promotores se envolveram porque “ainda não tinha havido uma alteração significativa depois do acordo privado”, disse a procuradora assistente Diane Lucas. “Não queríamos que fossem apenas mudanças em políticas e procedimentos sem um impacto efetivo.” 

Ninguém atendeu a ligação para o número listado como sendo da Liga da Comunidade Germano-Americana. Mas, em 2015, o presidente do grupo, Robert Kessler, disse ao New York Times que a comunidade tinha deixado seu passado racista para trás. “A maioria das pessoas nem sabe que isso aconteceu aqui; isso dificilmente vem à tona”, ele disse ao Times. 

Sobre os Kneers, Kessler disse: “Eles só estão ressentidos por não terem conseguido o preço que queriam por sua casa.” 

De acordo com a ação do casal, proposta em uma corte federal em 2015, as pessoas que vivem na comunidade não são proprietárias dos terrenos onde estão suas casas – eles os arrendam da liga. 

E a liga ditava quem podia viver no Parque Siegfried – e quem não podia. 

Sob o acordo com o procurador-geral, a liga agora está proibida de discriminar contra pessoas em virtude de sua raça ou país de origem. Também foi requisitada a revisar suas políticas de afiliação e garantir que seu estatuto de habitação esteja em conformidade com leis de moradia justa. 

Proibido fazer propaganda

O escritório do procurador-geral se envolveu depois que os Kneer propuseram uma ação judicial com a ajuda dos Serviços de Habitação de Long Island. 

A família do casal tinha crescido para além da casa de dois quartos no Parque Siegfried, e eles queriam vender – mas era difícil encontrar compradores. 

O estatuto os impedia de anunciar em qualquer veículo de anúncios de imóveis. 

Eles disseram que informaram o presidente do conselho da liga da dificuldade de encontrar compradores, mas ouviram que “essas regras não serão mudadas porque os membros querem mantê-las do jeito que são.” 

Em uma reunião de membros pouco depois, uma moção para permitir que os Kneer pusessem uma placa de “vende-se” em seu jardim foi rejeitada. 

Então eles propuseram uma ação judicial, que detalhou a conexão de quase um século entre o nazismo e práticas discriminatórias contemporâneas. 

Como tudo começou

A comunidade de 50 casas em Yaphank, Long Island, começou como o Acampamento Siegfried, um espaço para expatriados alemães a apenas uma viagem de trem de Nova York. 

Um grupo de simpatizantes nazistas abocanhou 40 acres de terra às margens de um lago e abriu o que foi então chamado de Jardim do Piquenique dos Amigos da Nova Alemanha no final dos anos 30, de acordo com o New York Daily News. Foi batizado em homenagem a um grupo pró-nazista que mais tarde ficou conhecido como Federação Germano-Americana. 

Para quem olhava de fora, parecia um lugar para germano-americanos congregarem com pessoas que tinham uma descendência semelhante. Havia uma piscina e competições de arco-e-flecha. Mulheres em roupas de camponesas alemãs davam as boas vindas às pessoas nos portões. 

Mas fotos mostravam que no clube também se hasteavam bandeiras da juventude hitlerista. Uma foto, que foi incluída na ação judicial, mostra homens em uniformes dos camisas negras italianas marchando no Acampamento Siegfried abaixo de uma bandeira nazista. Os camisas negras eram um braço paramilitar do Partido Nacional Fascista na Itália, um dos países aliados da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, e se distinguiam por seus uniformes negros. 

Outras fotos do Departamento de Registros de Nova York mostram pessoas sentadas em mesas de piquenique vestindo uniformes militares nazistas. 

A ação judicial também incluiu uma entrevista em um jornal com Henry Hauck, o gerente do então chamado Acampamento Siegfried.

O repórter perguntou se os membros do campo e os visitantes apoiavam o nazismo.

“De maneira geral, sim”, disse Hauck. “mas apenas no que dizia respeito à Alemanha, não aos Estados Unidos.”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]