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Desde as eleições de 2012, o Facebook se tornou uma ferramenta essencial para as campanhas políticas que querem alcançar eleitores em potencial | Pixabay
Desde as eleições de 2012, o Facebook se tornou uma ferramenta essencial para as campanhas políticas que querem alcançar eleitores em potencial| Foto: Pixabay

O pacote com mais de três mil anúncios que o Facebook entregou para o Congresso mostra uma grande compreensão das divisões sociais da sociedade americana, com alguns anúncios promovendo direitos afro-americanos, de grupos como o Black Lives Matter, e outros sugerindo que esses mesmos grupos são uma ameaça política, afirmam pessoas familiares com a campanha de influência secreta.

A campanha russa, investindo na capacidade do Facebook de mandar simultaneamente mensagens contraditórias para diferentes grupos baseando-se nas suas características políticas e demográficas, também serviu para criar discórdia entre grupos religiosos. Outros anúncios enfatizaram o apoio a Hillary Clinton entre mulheres muçulmanas. 

Essas mensagens mostraram a sofisticação de uma campanha de influência criada para imitar e se infiltrar no discurso político dos EUA, ao mesmo tempo que aumenta tensões entre grupos já discordantes. 

A natureza e detalhamento desses anúncios criou problemas para investigadores do Facebook, do Capital Hill e do Departamento de Justiça americanos, afirmam pessoas relacionadas com o tema que só aceitaram dar entrevistas sem revelar seus nomes para não compartilhar informações relevantes para a investigação. 

Os comitês de inteligência planejam investigar os anúncios do Facebook como uma tentativa de desemaranhar a operação e outros assuntos relacionados à participação da Rússia na eleição de Trump em 2016. 

“O objetivo deles é criar o caos”, disse o Senador Mark Warner, vice-presidente do Comitê de Inteligência do Senado. “Em muitos casos, o objetivo era evitar votos, mais do que aumentar a participação nas eleições”. 

Adam Schiff, um dos democratas da liderança do Comitê de Inteligência, disse que espera que o público consiga reavaliar a campanha. 

“Eu acho que os americanos devem ver uma amostra representativa desses anúncios para perceber o quão cínicos são os russos por usarem esses métodos para criar divisões na nossa sociedade”, ele afirmou, apontando que ainda não os viu mas que foi informado sobre eles. 

Pequena fração

Os anúncios encontrados levantam questões perturbadores para a rede social e plataforma publicitária que alcança dois bilhões de pessoas por mês e oferece uma oportunidade rara para observar como funcionários russos usaram informações em um período turbulento da política americana. 

Investigadores do Facebook descobriram os anúncios da Rússia nas últimas semanas, de acordo com a empresa, depois de meses tentando relacionar tentativas de desinformação ao país em vão. A empresa afirmou ter identificado pelo menos U$ 100 mil em compras de anúncio por 470 páginas e perfis falsos. O Facebook também afirmou que esse valor representou uma pequena fração da publicidade política feita na plataforma durante a campanha de 2016. 

Os anúncios sugeriam que a Rússia operava por meio de listas com temas raciais, religiosos, políticos e econômicos. Eles usavam isso para criar páginas, postar textos e produzir anúncios que apareceriam no feed de notícias dos usuários – com o objetivo aparente de ser atraente para uma audiência e alienar outra. Em alguns casos, a página tentava até organizar eventos. 

“A ideia de usar o Facebook para incitar preconceito contra negros e muçulmanos e aumentar o medo por provocar o extremismo é uma tática antiga. Não acontece apenas nos EUA, é um fenômeno global”, disse Malkia Cyril, uma ativista do grupo Black Lives Matter de Oakland, na Califórnia, além de executiva do Centro de Justiça Midiática. Empresas de mídias sociais “têm a obrigação de se posicionar e responsabilizar pela maneira com a qual suas plataformas estão sendo abusadas”. 

O Facebook se recusou a comentar os conteúdos dos anúncios, e relembrou de um discurso realizado no dia seis de setembro por Alex Stamos, o chefe de segurança da empresa, que apontou que a maioria dos anúncios realizados pelos 470 páginas e perfis nem sempre se referiam às eleições americanas, nem a votos ou candidatos em particular. 

“Os anúncios pareciam focar muito mais em ampliar mensagens sociais e políticas decisivas ao logo do espectro ideológico – entrando em temas LGBT, raciais, imigração e porte de armas”, disse Stamos na época. 

Tática da Guerra Fria

O interesse de Moscou em questões raciais americanas já tem décadas. 

No período soviético, não havia internet, então mensagens eram disseminadas em anúncios de jornal, panfletos ou reuniões. 

Assim como os anúncios online descobertos pelo Facebook, mensagens espalhadas pelos soviéticos eram feitas para parecerem com textos escritos por ativistas americanos, o que disfarça o envolvimento de um poder adversário estrangeiro. 

As operações de informação russas não terminaram com o fim da União Soviética. Depois de várias tensões, agências de espionagem russas ficaram mais assertivas na liderança de Vladimir Putin. Em anos recentes, esses serviços atualizaram os protocolos de propaganda para ter vantagens das novas tecnologias e se proliferar em plataformas sociais. 

“Será que é um objetivo do Kremlin encorajar a discórdia na sociedade americana? A resposta para isso é sim”, disse o ex-embaixador americano na Rússia, Michael McFaul, hoje diretor do Instituto Freeman Spogli para Estudos Internacionais da Universidade Stanford.

“Para generalizar, Putin tem noção que nossa sociedade é imperfeita, que nossa democracia não é melhor que a dele, então é interesse do Kremlin nos ver com grandes conflitos sociais”. 

Clinton Watts, membro de uma equipe de pesquisa que foi uma das primeiras a alertar publicamente sobre a propaganda russa na campanha eleitoral de 2016, disse que identificar e explorar divisões culturais e sociais existentes era uma tática comum de desinformação russa que existe já antes da Guerra Fria. 

“Já vimos técnicas desse tipo nos dois lados”, disse Watts, que também é ex-agente do FBI. 

Gigante digital

Quando Mark Zuckerberg fundou o Facebook com seu colega em um quarto de dormitório universitário em 2004, ninguém conseguiria antecipar que a empresa valeria um dia cerca de meio trilhão de dólares – se tornando a maior empresa de publicidade online do mundo depois do Google. Cerca de um terço do mundo entra no Facebook ao menos uma vez ao mês. 

Como a base de usuários do Facebook cresceu muito rápido, ele escreveu o guia para marketing digital da era dos smartphones – e para o tipo de marketing alvo que é essencial para campanhas políticas modernas. 

A empresa investiu massivamente em construir ferramentas de publicidade sofisticadas que permitem escolher grupos específicos de pessoas que expressaram suas preferências e interesses no Facebook, desde recém-casados que estudaram em uma universidade específica até fãs de hockey que moram em uma região específica. 

A migração de uso de computadores pessoais para smartphones e tablets também ajudou o Facebook: a empresa liderou na criação de técnicas que ajudam os anunciantes a alcançar os mesmos usuários tanto em desktops como em aparelhos móveis, o que aumentou ainda mais o valor da empresa desde que seu capital foi aberto em 2012. Hoje, anunciantes que querem escolher usuários da rede social de acordo com seus dados ou interesses podem escolher entre milhares de características, e podem mostrar seus produtos para usuários sempre que eles usarem a internet. 

Ao contrário de outros sites, que mostram anúncios ao lado do conteúdo, os anúncios do Facebook aparecem no próprio feed de notícias desde 2012. Se usuários gostarem de uma página, os administradores podem pagar para que anúncios e conteúdo apareçam com prioridade na lista de informações, passando na frente do conteúdo de anunciantes e amigos. 

Desde as eleições de 2012, o Facebook se tornou uma ferramenta essencial para as campanhas políticas que querem alcançar eleitores em potencial. Durante a alta da temporada eleitoral, campanhas políticas estão entre os maiores anunciantes do Facebook. As equipes de venda do Facebook são grandes, e muitos dos funcionários têm experiência em política e são treinados especialmente para trabalhar com campanhas e maneiras de aumentar o engajamento dos usuários nesses períodos. É claro que é possível ter um feedback imediato da performance das campanhas. 

A campanha de Trump usou efetivamente essas ferramentas, enquanto a equipe de Clinton preferiu confiar em seus próprios especialistas em mídia, de acordo com pessoas envolvidas nas campanhas dos candidatos.

Desde que assumiu, Putin já tentou enfatizar as tensões raciais dos EUA como maneiras de formatar percepções da sociedade americana. Putin já se meteu, por exemplo, no debate racial de 2014, quando vários protestos foram realizados em Ferguson, no Missouri, depois que Michael Brown, um afro-americano, foi morto por um policial branco. 

“Você acredita que tudo é perfeito agora do ponto de vista da democracia nos EUA?”, disse Putin em uma entrevista de para um programa de televisão. “Se tudo fosse perfeito, não haveriam problemas como o de Ferguson. Não haveria abuso por parte da polícia. Mas nossa tarefa é ver esses problemas e encontrar respostas”. 

Além dos anúncios já mencionados, funcionários russos usavam o Facebook para promover mensagens contra migração e contra muçulmanos. O Facebook disse que um quarto das mensagens compradas pelos russos identificadas até agora eram realizadas para uma área geográfica específica. 

Poder viral

Enquanto o Facebook afirma que o impacto dos anúncios russos na eleição não foi tão grande, Dennis Yu, chefe de tecnologia do BlitzMetrics, uma empresa de marketing digital especializada em anúncios do Facebook, disse que U$ 100 mil em anúncios do Facebook podem gerar centenas de milhões de visualizações.

“É um valor muito poderoso”, ele disse. “Quando se tem um assunto muito quente, existe um multiplicador viral. Quando se compra essa opção, é possível conseguir um multiplicador de até 40 vezes, por que várias pessoas comentam e compartilham o conteúdo”. 

Watts, o entrevistado do Instituto de Pesquisa de Política Internacional, não viu os anúncios que serão entregues para o Congresso, mas afirma que ele e sua equipe viram táticas similares funcionando no Twitter e outras plataformas durante a campanha. 

Para ele, tentativas desse tipo devem ter mais sucesso em estados como Wisconsin e Michigan, onde o democrata Bernie Sanders ganhou de Clinton. Para Watts, a desinformação empurrada pelos russos incluiam mensagens feitas para reforçar a ideia de que Sanders tinha sido mal tratado pelo partido democrata e que seus aliados não deveriam votar nas eleições gerais de novembro. 

“Eles foram feitos para atingir esses pontos de fratura, para que os russos pudessem ver como eles ressoavam e atingiam seus objetivos”, disse Watts. “Eu chamo isso de reconhecimento por mídia social”, finaliza.

Tradução de Gisele Eberspächer
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