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Primeiro episódio de “Origens” aborda o domínio do fogo pelo homem | Casey Crafford/National Geographic
Primeiro episódio de “Origens” aborda o domínio do fogo pelo homem| Foto: Casey Crafford/National Geographic

Em 1989, o curta documentário “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, usava o sistema nervoso central desenvolvido e o polegar opositor como metáfora para falar da evolução humana sobre as outras espécies e também para fazer crítica social à situação sub-humana com que viviam os habitantes do arredores do desde então famoso lixão de Porto Alegre.

Mas não foram apenas um sistema nervoso central desenvolvido e um polegar opositor que colocaram o homem no topo do cadeia alimentar. A série “Origens: A Evolução Humana”, que estreou no fim de março no canal pago NatGeo, investiga outros fatores que levaram à evolução humana (assista ao trailer). No primeiro episódio, um exemplo bem batido: o domínio do fogo. O que isso significa, no entanto, é mostrado em detalhes pelo apresentador Jason Silva, um venezuelano radicado em Nova York e grande entusiasta da ciência.

Silva conversou com a reportagem da Gazeta do Povo em um hotel em West Hollywood, onde foi possível notar que a empolgação com que apresenta os temas da série não é apenas empostação televisiva. Dono de um vocabulário literário e científico, o apresentador formado em filosofia e cinema deu uma entrevista de meia hora em que praticamente fez uma citação a cada pergunta que respondia. Ele surpreendeu ao dizer acreditar que nossa missão no mundo é desafiar a morte e que a chave para a imortalidade humana já existe. Como? Edição de DNA com linguagem de programação computadorizada. Leia a entrevista:

No primeiro episódio de “Origens” a gente vê como foi preponderante na evolução humana o domínio sobre o fogo. Que outras origens veremos nos próximos episódios?

A série toda investiga o que eu chamo de evolução cultural autodirigida dos humanos, através da metáfora do filósofo Marshall McLuhan: “Primeiro construímos as ferramentas, mas em seguida as ferramentas nos construíram”. Domesticar o fogo, por exemplo, nos permitiu cozinhar pela primeira vez. A cozinha é uma espécie de estômago artificial, que pré-digere a comida para a gente, fazendo a energia de cada refeição mais fácil de absorver. A partir disso não tivemos de passar todos os dias, o dia inteiro, mastigando, como fazíamos antes e passamos a ter tempo de lazer para desenvolver nossa cultura e arte. Tem um livro que fala sobre essa teoria, de que cozinhar nos fez humanos. E o primeiro episódio foi todo inspirado nisso. Obviamente que domesticar o fogo também nos permitiu criar aviões, conquistar o céu e criar forças destrutivas.

Origens: A Evolução Humana

Domingos, 22h45, no canal por assinatura National Geographic. Disponível também no serviço Fox Play.

Outro episódio vai falar da origem da comunicação. A gente meio que não dá valor hoje em dia ao fato de hoje podermos compartilhar nossos pensamentos com bilhões de pessoas instantaneamente, mas é um milagre da engenharia. Isso começou com o ser humano decodificando sons vocais através do tempo e do espaço. A primeira tecnologia “wireless” é a língua falada, e em seguida a escrita de hieróglifos na parede. Pense no que foi escrever pela primeira vez: foi o ser humano trazendo seus pensamentos para fora. Da língua falada para a língua escrita e depois para o cinema. Isso tudo significou a manifestação da consciência para fora da mente.

Temos um outro episódio que fala da guerra. Eu odeio a guerra, sou um cara paz e amor, mas a guerra foi o catalisador de várias novas tecnologias. A ameaça da aniquilação gerou tremendas inovações que hoje também são meio que não levadas em conta.

Outro episódio fala sobre transportes. Durante 95% da nossa história andamos a uma velocidade de 15 km/h. Do cavalo à roda ao avião houve um aumento de velocidade exponencial.

Haverá também um episódio sobre dinheiro. Muita gente não pensa sobre isso, mas o dinheiro é uma alucinação consensual. O historiador israelense Yuval Harari, que escreveu o livro “Sapiens”, fala como o dinheiro exigiu esse contrato social de que todos temos de acreditar que este papel representa certo valor. Se não há consenso, não funciona, porque não se pode comer ou cozinhar dinheiro.

Jason Silva, apresentador de “Origens” National Geographic

E quais são as ferramentas que estão nos construindo no presente?

No momento estamos vivendo o período da revolução trans-humana. Engenharia genética. Sequenciamento e edição de DNA nos possibilitou manipular a linguagem da nossa própria matéria constitutiva. Os seres humanos são literalmente feitos de linguagem. DNA é código. Um software que cria seu próprio hardware. É quase como escrever um código de computador que vai se tornar algo físico no mundo real. A capacidade de sequenciar e editar nosso DNA significa que poderemos baixar apps para nossa biologia, upgrade e correção deste software de 200 milhões de anos.

Como em “Matrix”?

Sim! Fazendo nossas células indefinidamente jovens, direcionando doenças. Se não queremos câncer, é só dizer para o corpo parar de replicar esse tipo de célula cancerígena.

Você acredita que isso seja possível?

Mas claro! Porque faz total sentido. A ciência para isso já existe. Um artigo publicado na imprensa recentemente falou que era totalmente possível programar o DNA como um código de computador. É só uma questão de tempo para que os zeros e os uns dos computadores passem a construir mundos reais.

Joe Alblas/National Geographic

Politicamente o mundo anda uma bagunça, com a ascensão de políticos e cidadãos extremistas. Estamos vivendo um processo de ruptura?

Sim, com certeza. Há 100 anos, 80% dos trabalhos nos Estados Unidos eram no campo. Hoje é menos de 1%, mas a produtividade aumentou em dez vezes por causa da tecnologia. Mas isso demorou muito a acontecer. Então, mudanças episódicas e lentas, não causam tanta ruptura. A gente também costuma achar que o mundo presente está acabando, mas se nos distanciarmos, veremos que nossa vida é muito melhor do que em qualquer época da história. Vivemos mais, cinco milhões de pessoas foram tiradas da linha da pobreza na Ásia nos últimos 25 anos. A gente reclama do encolhimento da classe média nos EUA, mas ignoramos essa classe média dez vezes maior que emergiu na Ásia. Em escala global temos visto, porém, uma escalada do radicalismo. Mas é fato que nós estamos menos violentos como espécie no presente.

Você acha?

É um fato! Tem um autor chamado Steven Pinker, que escreveu “Os Anjos Bons da Nossa Natureza”, que fala do mito da violência. A chance de um homem morrer pelas mãos de outro homem, analisando uma série de dados, é a menor da história da humanidade. Estamos em uma das épocas mais pacíficas.

E por que isso acontece?

Porque o homem está ficando mais interconectado e global. Mas o respeito à lei aumentou, assim como a democracia.

Você disse que estudou filosofia e cinema porque queria entender o que significa ser humano. O que significa?

Desafiar nossos limites. Não devemos esquecer que somos a revolução do cosmo, não seres roteirizados para cumprir um script que nos leva à morte. Esta é a frase final do livro “O Imortalista”, de Alan Harrington. Só vivemos para lutar e prevalecer. Sim, acho que temos que viver em harmonia com os cosmo, mas não podemos aceitar coisas que são moralmente erradas, como a morte.

A morte é moralmente errada?

Definitivamente, porque nos rouba tudo que amamos na vida.

Então a missão da humanidade é desafiar a morte?

Diante de nosso desamparo perante a história, não temos outra escolha a não ser romantizar e enobrecer a morte. Pegamos essa coisa horrível e transformamos em algo poético, porque esse é nosso nível de inteligência. Não me entenda mal, dadas as circunstâncias, é totalmente plausível romantizar. Mas isso não significa que devemos parar nossa luta contra deuses imaginários.

Como você imagina o mundo em 20 anos?

Ray Kurzweil, um dos meus futuristas favoritos, diz que por volta de 2029 teremos adicionados um ano de expectativa de vida para cada ano que vivemos. A partir disso, o que se imagina é que ninguém mais vai morrer de velhice.

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