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Manifestante se protege contra bombas gás lacrimogênio. | T
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Manifestante se protege contra bombas gás lacrimogênio.| Foto: T he Washington Post

Asfixia com sacolas de plástico, choques elétricos, surras violentas, estupros e isolamento em calabouços subterrâneos durante períodos de até três anos. O que poderia parecer a lista de algumas das torturas aplicadas pelas ditaduras do Cone Sul nas décadas de 60, 70 e 80 é algo bem mais contemporâneo, atualmente em fase de análise no Tribunal Penal Internacional, em Haia (TPI).

Com documentos contundentes – entre eles depoimentos assinados por presos políticos –, a advogada venezuelana Tamara Sujú, exilada desde 2014 na República Tcheca, está tentando abrir no TPI um processo sobre torturas sistemáticas na Venezuela como mecanismo de controle da sociedade civil. Nas últimas semanas, Tamara ampliou a denúncia apresentada em meados do ano passado, com novos casos de torturas ocorridos desde que desencadeou-se no país uma onda de protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro. A tortura, disse a advogada, “é permanente e hoje é usada pelas forças de segurança contra pessoas de todas as idades – menores e idosos incluídos –, sexo, profissão, condição social e até mesmo presos com deficiências físicas”.

Tamara visitou recentemente vários países latino-americanos, entre eles Brasil (onde contou com a colaboração do advogado Fernando Tibúrcio) e Uruguai, em busca de respaldo à sua denúncia. Para conseguir o sinal verde do TPI, a advogada deve provar que as torturas são sistemáticas e vêm sendo usadas há vários anos.

“Somente na semana passada, incorporei seis denúncias. O que estão fazendo é escandaloso, torturam pais na frente de filhos, grupos inteiros de presos. Em muitos casos, os detidos são torturados e usados para abrir processos contra dirigentes políticos”, contou Tamara.

Ela começou a visitar prisões venezuelanas em 2002, quando surgiram as primeiras acusações de torturas. Na época, comentou, as vítimas eram militares, “os próprios companheiros de armas do presidente Hugo Chávez”.

Eles sofreram as piores violências imagináveis. E perdoaram

Como a mãe de um vítima de um massacre em escola, o sobrevivente de um ataque a bomba e o pai de menina assassinada fizeram do perdão uma forma de superação

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“Tenho documentados 600 casos de torturas, dos quais 200 ocorreram depois de 2014”, assegurou Tamara, que foi coordenadora da ONG Foro Penal e desde que saiu do país assumiu o comando do Casla, instituto tcheco de estudos sobre América Latina.

A decisão de abandonar a Venezuela chegou quando as ameaças e denúncias de traição à pátria e tentativa de desestabilização “se tornaram insuportáveis”.

Ela acredita que o TPI já tenha em mãos informação suficiente para iniciar um processo contra o Estado venezuelano, que envolve as presidências de Chávez e Maduro. A documentação entregue pela advogada envolve não só os chefes de Estado, mas, também, outras altas autoridades, chefes militares, policiais e membros do serviço de inteligência.

O trabalho de Tamara foi mencionado pelo secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, no último relatório sobre Venezuela, que teve como objetivo iniciar o debate no organismo sobre a aplicação da Carta Democrática contra o país.

O material que a advogada apresentou ao TPI menciona casos emblemáticos de perseguição política na Venezuela como o da juíza Maria Lourdes Afiuni, presa em 2009, após ordenar a liberdade condicional de um empresário opositor. Afiuni sofreu diversos tipos de torturas, entre elas o estupro, e em 2011 obteve o benefício da prisão domiciliar por graves problemas de saúde. Desde junho de 2013, a juíza está tem liberdade condicional.

Outra vítima citada é Vasco Manuel da Costa, detido em julho de 2014 pelo Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminais (CICPC) em meio a protestos contra o governo. Ele foi acusado de terrorismo, associação para delinquir e fabricação ilícita de explosivos. Sua audiência preliminar foi adiada mais de 20 vezes e, segundo a Foro Penal, Vasco da Costa sofreu diversas torturas e emagreceu 35 quilos na prisão. Há ainda o caso do jovem Juan Manuel Carrasco, que conta ter sido preso e espancado por policiais após participar de protestos em 2014.

“O governo começou torturando militares, juízes, para dar um recado a setores específicos da sociedade. Mas desde 2014 a tortura é generalizada, contra todos”, enfatizou a advogada.

Atualmente, ONGs denunciam a utilização de gases tóxicos para provocar asfixia, torturas sexuais e técnicas sinistras como a de pendurar presos durante horas ou obrigá-los a permanecer em posições que provocam dores insuportáveis.

“O que estamos vendo nas últimas semanas é que os venezuelanos perderam o medo, estão dispostos a enfrentar um governo que todos sabem ser violento e capaz de qualquer coisa”, apontou a advogada.

Hoje, lamentou Tamara, “70% dos presos políticos sofrem ou sofreram torturas sexuais”. “Tivemos casos de menores de 14 anos que foram obrigados a comer fezes dentro de um tanque militar. O governo não respeita mais nada, tortura crianças, idosos e até mesmo deficientes físicos”, disse a advogada, que não titubeia ao dizer que “o governo venezuelano tortura seus presos da mesma forma que o fizeram as ditaduras do Cone Sul”.

“É inacreditável que Maduro fale em paz, em eleições, quando sabemos que seu governo está violando os direitos humanos de centenas de venezuelanos. Não podemos permitir que exista impunidade para os assassinos e torturadores venezuelanos”, concluiu Tamara.

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