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 | DAMIEN MEYERAFP
| Foto: DAMIEN MEYERAFP

Não é só que Emmanuel Macron venceu e vai se tornar, aos 39 anos, o presidente mais jovem da França; não é que simplesmente derrotou, na figura de Marine Le Pen, as forças do nacionalismo xenófobo, exploradas pelo presidente Donald Trump. O fato é que ele ganhou com a ousada defesa da tão denegrida União Europeia, reafirmando assim a ideia e o lugar da Europa em um mundo que precisa de sua força e valores. 

E isso foi vital, depois da decisão do Reino Unido, no ano passado, de deixar a UE, e em face da ignorância antieuropeia de Trump. Macron reforçou sua mensagem ao sair para falar a seus apoiadores em Paris acompanhado do hino europeu, Ode à Alegria, de Beethoven, ao invés da Marselhesa, um gesto poderoso de abertura. O movimento de Le Pen, que levaria a Europa ao nacionalismo, foi evitado. O presidente Vladimir Putin a apoiou por uma razão: quer acabar com a unidade europeia e romper o vínculo europeu com os Estados Unidos. Em vez disso, o centro resistiu, e com ele, a civilização. 

 Uma Europa federalizada é a base da estabilidade e da prosperidade do pós-guerra europeu. É a melhor oportunidade para que os jovens cumpram sua promessa. É o "destino comum" de seus cidadãos, como disse Macron em seu discurso de aceitação, em pé diante das bandeiras da França e da UE. Pensar o contrário é se esquecer da história. Não é de admirar que a chanceler alemã Angela Merkel, através de seu porta-voz, tenha imediatamente proclamado a vitória "para uma Europa forte e unida". 

Isso vai exigir uma reforma. A Europa, complacente, perdeu sua força. E Macron reconheceu isso, tanto que declarou: "Quero fortalecer novamente a ligação entre os cidadãos e a Europa". É necessário mais transparência, mais responsabilidade e mais criatividade. Nenhum milagre nunca se vendeu tão mal quanto o da União Europeia. 

Macron, que apareceu do nada, no espaço de um ano, à frente de um novo movimento político, não fez promessas fáceis ou inventou histórias. Ele defendeu refugiados, a moeda comum da Europa, o euro, e estava preparado para dizer aos franceses que não se pode virar as costas à modernidade e prosperar. 

Através da argumentação racional ele ampliou sua vantagem sobre Le Pen, que as pesquisas colocavam em 20 por cento após o primeiro turno no final de abril, para 30 por cento, vencendo com 65 por cento dos votos, contra os 35 dela. Isso, na era de notícias falsas, alegações falsas e falsidades em geral, foi uma importante demonstração de que a razão e a coerência ainda importam na política. 

Agora começa a parte difícil. Pela primeira vez na França, a extrema-direita levou mais de um terço dos votos, um reflexo da revolta no país, causada pelos postos de trabalho perdidos, a falha integração de imigrantes e a estagnação econômica. Macron, que disse estar ciente "da raiva, da ansiedade, das dúvidas", precisa trabalhar essa insatisfação social diretamente, para restaurar um sentimento de esperança na França. Sem mudanças, Le Pen continuará a ganhar apoio. 

As mudanças são notoriamente difíceis na França, que é um país ferozmente apegado ao "acquis", os direitos adquiridos consagrados em sua seguridade social abrangente. Muitos tentaram. Muitos falharam. É especialmente difícil sem forte apoio parlamentar, e Macron vai precisar disso. As eleições parlamentares serão realizadas no mês que vem. Seu movimento En Marche! (Avante!) deve se organizar com rapidez para crescer com sua vitória. Ele está agora com uma força extraordinária. O tradicional cenário político da Quinta República - a alternância entre socialistas de centro-esquerda e republicanos de centro-direita - foi destruído. 

Talvez essa façanha, sem paralelo na história política europeia recente, e o status de Macron como um centrista independente, lhe dão a exclusiva liberdade de finalmente conseguir persuadir os franceses de que - como alemães, holandeses, suecos e dinamarqueses - podem preservar a essência do seu Estado de bem-estar social e, ao mesmo tempo, formar um mercado de trabalho mais flexível que dê esperança aos jovens. Com 25 por cento de desemprego entre essa faixa etária, o país se desfaz. 

Se a França voltar a crescer, a Europa vai crescer com ela. Isso constituiria uma poderosa repreensão à escola do nacionalismo autocrático - Le Pen com a farsa de uma reforma política, o palhaço xenófobo Nigel Farage no Reino Unido (amigo de Trump), Putin em Moscou, Recep Tayyip Erdogan na Turquia e, claro, o próprio presidente americano, cuja irresponsabilidade em relação aos aliados americanos na Europa tem sido terrível.

Macron é uma vitória em muitos aspectos. Ele demonstrou que a França não é um país onde o racismo e o jingoísmo antieuropeu podem ganhar uma eleição. Reafirmou a ideia de união e levantou a possibilidade de que a França e a Alemanha irão propiciar um renascimento do idealismo europeu. Ele foi um tapa com luva de pelica nos britânicos que votaram pela saída do Reino Unido da UE (e fez da dificuldade de negociação para a saída algo inevitável). 

Acima de tudo, através de sua inteligência e civilidade, sua cultura e sua abertura, Macron ergueu uma barreira necessária à grosseria e à incivilidade, à ignorância e à mente pequena que escoa do Salão Oval de Trump e ameaça corromper a condução dos assuntos mundiais.

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