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A repórter do Washington Post Stephanie McCrummen, à esquerda, entrevista Jaime T. Phillips em um restaurante grego em Alexandria, Virginia | Dalton Bennett/The Washington Post
A repórter do Washington Post Stephanie McCrummen, à esquerda, entrevista Jaime T. Phillips em um restaurante grego em Alexandria, Virginia| Foto: Dalton Bennett/The Washington Post

Uma mulher que alegou falsamente para o The Washington Post que Roy Moore, candidato republicano ao Senado dos EUA pelo Alabama, a engravidou quando ela era adolescente parece trabalhar com uma organização que usa técnicas enganosas para gravar secretamente conversas com o objetivo de constranger seus alvos. 

Em uma série de entrevistas nas últimas duas semanas, a mulher compartilhou uma história dramática sobre uma suposta relação sexual com Moore em 1992, que a teria levado a fazer um aborto quando ela tinha apenas 15 anos. Durante as entrevistas, ela pressionava insistentemente os repórteres do jornal para opinarem sobre os possíveis efeitos que as alegações dela teriam na candidatura de Moore. 

O Washington Post não publicou uma reportagem baseada no relato dela. Quando os repórteres do jornal a confrontaram com inconsistências em sua história e uma postagem na internet levantou dúvidas sobre suas motivações, ela insistiu que não estava trabalhando com nenhuma organização que mira jornalistas. 

Mas, na segunda-feira de manhã, os repórteres do Post a viram entrando nos escritórios de Nova York do Projeto Veritas, uma organização que mira a mídia de grande porte e grupos com tendência de esquerda. A organização cria ataques secretos para gerar reportagens e gravações clandestinas falsas para expor os veículos de comunicação e mostrar que eles são tendenciosos. 

James O’Keefe, fundador do Projeto Veritas que foi condenado por usar uma identidade falsa para entrar em um prédio federal durante uma das ações do grupo em 2010, se recusou a responder perguntas sobre a mulher na segunda-feira, logo que ela foi vista nas imediações do escritório.

James O'Keefe, fundador do Project Veritas, se recusou a responder perguntas do Washington Post.Aaron Davis/The Washington Post

“Eu não estou sendo entrevistado nesse momento, então não vou falar sobre isso”, disse O’Keefe. Em uma entrevista posterior, ele se recusou a responder várias perguntas sobre se a mulher em questão trabalha para o projeto. Ele também não respondeu se estava trabalhando com Moore, com o antigo conselheiro da Casa Branca e apoiador de Moore, Stephen Bannon, ou ainda com estrategistas republicanos. 

Os esforços do grupo mostram o quão longe vão ativistas para tentar desacreditar os veículos de mídia que registraram alegações de várias mulheres que Moore as perseguiu quando eram adolescentes e ele tinha cerca de 30 anos de idade. Moore nega ter feito qualquer coisa com elas. 

Um porta-voz da campanha de Moore não respondeu imediatamente o pedido para comentar o fato. 

A mulher que conversou com o Washington Post, Jaime T. Phillips, não respondeu às ligações feitas para ela na manhã de segunda-feira. O carro dela permaneceu no estacionamento do Projeto Veritas por mais de uma hora. 

Depois de ter visto Phillips entrando no escritório do Projeto Veritas, o jornal fez a decisão incomum de relatar os comentários feitos por ela em off. 

“Nós sempre honramos as entrevistas em off quando elas são dadas de boa fé”, disse Martin Baron, editor executivo do Washington Post. “Mas essa conversa em off era o centro de um esquema para nos enganar e nos constranger. O objetivo do Projeto Veritas claramente era denunciar o nosso conteúdo caso tivéssemos caído na armadilha. Mas, por conta do nosso rigor jornalístico, não fomos enganados e não podemos honrar o acordo do off que nos foi solicitado de má fé". 

A chegada de Phillips ao escritório do Projeto Veritas encerrou um esforço de semanas que começou horas depois de o Washington Post ter publicado uma reportagem na quinta-feira (nove de novembro) que incluía alegações que Moore teria iniciado uma relação sexual com uma menina de 14 anos chamada Leigh Corfman

A repórter Beth Reinhard, que co-escreveu o material sobre Corfman, recebeu um e-mail criptografado no começo da manhã seguinte. "Roy Moore do Alabama… Talvez eu saiba algo sobre ele, mas preciso me manter segura. Como podemos fazer isso?", escreveu a mulher com uma conta de email com o nome "Lindsay James". 

O assunto do e-mail era "Roy Moore no Al.". O endereço de e-mail do emissário incluía a palavra "rolltide", o grito de torcida dos times da Universidade do Alabama, conhecidos como Crimson Tide. 

Reinhard lhe respondeu perguntando se ela estaria disposta a conversar em off. "Não sei se acho os telefones seguros", afirmava a resposta. "Podemos continuar conversando por e-mail?". 

"Eu preciso ter certeza que você vai me proteger antes de eu contar tudo", escreveu a pessoa em um e-mail subsequente. "Tem coisas que estou escondendo há muito tempo e talvez devesse continuar assim". 

Os e-mails dela vieram no meio dos contra ataques de Moore e seus apoiadores, que miravam tanto o jornal como os repórteres que participaram das matérias sobre Corfman. 

No mesmo dia, o site conservador Gateway Pundit espalhou uma notícia falsa dada por uma conta no Twitter (@umpire43), que dizia "Uma amiga da nossa família no Alabama acabou de contar para minha mulher que a repórter Beth do WAPO [The Washington Post] ofereceu US$ 1000 para ela acusar Roy Moore". O perfil, que tem um histórico de espalhar informações incorretas no Twitter, foi deletado depois disso. 

O Post, como outras organizações de mídia, tem uma política muito estrita contra pagar pessoas por informação e não fez isso na cobertura dos casos sobre Moore. 

No dia 14 de novembro, um pastor no Alabama disse que recebeu uma mensagem de voz de um homem alegando falsamente ser repórter do Washington Post que buscava uma mulher "disposta a fazer comentários prejudiciais" contra Moore mediante pagamento. Nenhum dos colaboradores do Post realizou essa ligação. 

Nos dias que se seguiram aos primeiros e-mails de Phillips, Reinhard se comunicou com ela por um serviço de mensagens criptografadas e falou com ela por telefone para marcar um encontro. Quando a mulher sugeriu um encontro em Nova York, Reinhard lhe disse que precisaria saber mais sobre sua história e passado. Nesse momento, a mulher lhe disse que seu nome verdadeiro era Jaime Phillips. 

Phillips disse que morava em Nova York, mas que estaria na região de Washington D.C. durante o Dia de Ação de Graças e sugeriu um encontro na terça-feira em um shopping em Tysons Corner, Virginia. "Quero fazer compras lá então vou encontrar um lugar para conversarmos antes que você chegue", disse Phillips por meio do Signal, um serviço de mensagens criptografadas. 

Quando Reinhard sugeriu a presença de outro repórter, Phillips afirmou não estar "confortável com a presença de outras pessoas nesse momento". 

Reinhard encontrou Phillips, uma mulher ruiva de cabelos longos que usava uma jaqueta de couro marrom, já sentada em um restaurante. 

Segundo Reinhard, a mulher de 41 anos disse que tinha sido abusada quando era criança. Sua família se mudava com frequência e ela morou com uma tia na região de Talladega, no Alabama. Nessa época, ela começou a frequentar um grupo de jovens na igreja, onde diz ter conhecido Moore. Isso teria sido em 1992, o ano que ele começou a atuar como juiz distrital. Ela disse que tinha 15 anos de idade e que eles começaram uma relação sexual secreta. "Eu sabia que não era certo, mas não me importei", ela disse. 

Então conta que ficou grávida e que Moore a convenceu a fazer um aborto, a levando para o Mississippi para isso. 

Na entrevista, ela disse ainda para Reinhard que estava tão magoada que não terminaria de comer a salada que pediu. Phillips afirmou ainda que começou a pensar em falar sobre isso depois que as acusações de assédio sexual contra o produtor cinematográfico Harvey Weinstein começaram a surgir na mídia. Ela disse também que viu Moore na televisão durante um intervalo no seu trabalho em uma empresa chamada NFM Lending em Westchester, em Nova York. 

Phillips também pediu repetidamente que a repórter garantisse que Moore perderia as eleições se ela se pronunciasse. Mais tarde, Reinhard lhe disse em uma mensagem que não era possível prever o impacto que a notícia teria. Reinhard disse que ela explicou para Phillips que as alegações passariam por uma checagem de dados e que precisaria de documentos que pudessem sustentar suas afirmações. 

Mais tarde no mesmo dia, Phillips escreveu uma mensagem para Reinhard, dizendo que ela sentiu "ansiedade e energias negativas depois do encontro". Disse ainda que a repórter não a convenceu de que deveria se expor. 

Reinhard lhe respondeu: "Me desculpe, mas quero ser direta com você sobre o processo de checagem de dados e o fato que não podemos garantir qual será o resultado de uma matéria". 

Phillips não ficou satisfeita. Na quarta-feira antes do Dia de Ação de Graças, ela marcou uma reunião com outra repórter do Post, Stephanie McCrummen, que também participou do material feito sobre Corfman. "Eu prefiro falar com outro jornal do que falar com você novamente", disse Phillips para Reinhard. 

Na redação, Reinhard ficou preocupada com alguns elementos da história de Phillips. A mulher disse ter morado no Alabama somente durante um verão quando era adolescente, mas o celular que ela usava tinha um código de área da região. Reinhard também ligou para a empresa onde ela afirmou trabalhar, que afirmou não ter nenhuma funcionária com esse nome. 

Alice Crites, uma pesquisadora do Post que procurava informações sobre Phillips, descobriu um documento que reforçou as suspeitas da repórter: uma página na internet para uma campanha de financiamento coletivo do site GoFundMe.com usava esse mesmo nome. 

Uma postagem do dia 29 de maio dizia o seguinte: "Estou me mudando para Nova York! Eu aceitei um trabalho no movimento conservador da mídia para combater mentiras e enganos da mídia liberal. Usarei meus talentos como pesquisadora e checadora de dados para ajudar nosso movimento. Eu sai do meu trabalho anterior há alguns meses e encontrei essa oportunidade de mudar minha carreira". 

Em março, o Projeto Veritas publicou em sua página no Facebook que procurava 12 "repórteres secretos". A organização frequentemente usa métodos que são reprovados por boa parte dos grandes veículos de mídia, como nem sempre identificar os repórteres durante a apuração. 

Uma postagem sobre o trabalho oferecido pelo Projeto Veritas dizia que o trabalho não é "para os fracos". Na descrição do trabalho estava "adotar um pseudônimo, ter acesso a uma pessoa de interesse e a persuadir a revelar informações". Outras exigências da vaga estavam "decorar um script", "preparar uma história para sustentar o papel", "ganhar acesso ao alvo da investigação" e "saber usar equipamentos de gravação ocultos". 

O Projeto Veritas é uma entidade livre de impostos cuja missão é "investigar e expor a corrupção, desonestidade, fraudes, desperdícios e outras irregularidades". Ele ganhou US$ 4,8 milhões e empregou 38 pessoas em 2016, de acordo com seus dados públicos. Além disso, tem 92 voluntários. 

O histórico criminal de O'Keefe, fundador do projeto, provocou problemas para a entidade em alguns estados. O Mississippi e Utah não permitem que o grupo recolha dinheiro no seu território por irregularidades nos cadastros. 

Outro funcionário do projeto é o ex-produtor de televisão Robert J. Halderman, que foi condenado a seis meses de prisão em 2010 depois de ter sido acusado de tentar chantagear o apresentador David Letterman. Halderman foi visto com O'Keefe na região do escritório do Projeto Veritas na segunda-feira, quando os nossos repórteres tentavam perguntar para Phillips seu papel na organização. 

Como Jaime Phillips é um nome relativamente comum, não era certo que a página no site GoFundMe era de fato da mesma pessoa que abordou o jornal. Mas havia ainda outro detalhe além do nome que indicava que esse era ocaso. Uma das duas doações listadas na página era de uma pessoa cujo nome é o mesmo do que a filha dela, de acordo com registros públicos. 

A repórter McCrummen concordou em encontrar Phillips naquela tarde. A mulher sugeriu o encontro fosse em algum lugar de Alexandria, Virginia, dizendo que faria compras na região. Cinegrafistas do Post acompanharam McCrummen, que levou uma cópia da página de financiamento coletivo para a entrevista. 

Novamente, Phillips chegou mais cedo e já estava esperando McCrummem com uma bolsa em cima da mesa. Quando McCrummem colocou sua bolsa na frente da bolsa de Phillips, para tentar bloquear uma possível câmera, Phillips reposicionou a sua bolsa. 

Os cinematografistas do jornal se sentaram separadamente em mesas próximas, sem serem notados. 

Phillips disse que não queria falar em detalhes sobre o que afirmou ter acontecido entre ela a Moore. Disse ainda que queria queria que McCrummen lhe garantisse que a matéria resultaria na derrota de Moore. McCrummen voltou a lhe perguntar sobre a suposta relação entre ela e o candidato. 

Phillips então reclamou sobre o Presidente Trump, que apoia Moore nas eleições. "O que eu quero é, tipo, que ele saia completamente da corrida...", ela disse. "E realmente achei que isso aconteceria, mas agora não sei mais. Eu nem sei o que você acha sobre isso". 

McCrummen pediu para verificar um documento de identidade de Phillips, que lhe mostrou uma carteira de motorista da Geórgia. McCrummem também lhe perguntou sobre a página no GoFundMe. 

"Nós temos um processo de fazer uma checagem do histórico das fontes e quero te fazer uma pergunta sobre isso", disse McCrummen, mostrando a cópia da página e lendo o material em voz alta. "Queria te pedir para explicar isso e te dizer, Jaime, que nossa conversa está sendo gravada". 

"Ok", disse Phillips. "Hm, então, eu estava procurando um emprego em Nova York no último verão, mas acabou não dando certo", ela disse. "Era, ia ser no Daily Caller [um noticiário dos EUA], mas acabou dando errado, então eu acabei não indo". 

Quando McCrummen lhe perguntou quem do Daily Caller tinha feito a entrevista, Phillips disse "Kathy" e, depois de uma pausa, "Johnson". 

Paul Conner, editor executivo do Daily Caller, disse na segunda-feira que ninguém com o nome Kathy Johnson trabalha para a publicação e que ele não tem nenhum registro de entrevistas com Phillips. Conner disse também em um e-mail que perguntou para os editores do veículo e outros afiliados sobre Phillips. "Nenhum de nós entrevistou uma mulher com esse nome", ele disse. 

Ainda no restaurante na quarta-feira, Phillips disse para o Washington Post que não teve contato com a campanha de Moore. No fim da entrevista, Phillips disse para McCrummen que ela não estava gravando a conversa. 

"Eu acho que eu quero cancelar tudo e não continuar mais com isso", ela disse pouco antes de terminar a entrevista. "Não vou responder mais perguntas. Eu só vou embora". Ela pegou o casaco e a bolsa, devolveu sua bebida no balcão e saiu do restaurante. 

Às 19h, a mensagem na página do GoFundMe tinha sido apagada e substituída por uma nova: "A campanha está completa e não está mais ativa".

Tradução de Gisele Eberspächer
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