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| Foto: Daniel Castellano / AGP/Daniel Castellano / AGP

A crise que afetou em cheio o mercado imobiliário provocou uma onda de renegociações entre empresas e consumidores. Para evitar os tradicionais distratos – quando o consumidor desfaz o contrato de compra e venda na planta e pede a devolução de parte do valor pago –, que afetaram quatro em cada dez vendas de imóveis no ano passado, construtoras passaram a negociar ao máximo com o consumidor. Em alguns casos, aceitaram até trocar o imóvel adquirido pelo comprador por outro de menor valor. Em outros empreendimentos, as empresas desistiram de projetos já lançados. No mês passado, um “acordão” firmado por Procons de todo o país, representantes do governo federal e entidades empresariais do setor determinou a criação de regras claras para os distratos. Além de proteger os consumidores, as regras poderão dar um alento ao mercado imobiliário, preveem empresários.

No ano passado, foram vendidos 108.906 imóveis no Brasil. E houve 49.955 distratos – 45% do total de vendas. Nos dois primeiros meses de 2016, os distratos perderam fôlego. Foram 5.305, 21,7% menos que nos dois primeiros meses de 2015.

“O pacto trouxe regras que serão usadas como parâmetro para o distrato. Muitas vezes, a construtora não consegue revender facilmente a unidade. Com isso, não há como pagar o financiamento bancário e cresce o custo do projeto”, explicou João Paulo Mattos, presidente da Ademi-Rio, que reúne as empresas do mercado imobiliário.

Para Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi-Rio, o acordo é um primeiro passo para evitar uma situação financeira pior no mercado imobiliário. “Projetos lançados ainda em outro cenário vem sofrendo com os impactos da crise e os pedidos de distrato. Sem vendas, falta liquidez às empresas num momento de aperto econômico.”

Com o freio na demanda, as construtoras cortaram os lançamentos e focaram na venda dos estoques, que eram de 111.331 unidades no fim de fevereiro. Do início de 2015 para cá, o crédito à construção caiu mais de 50%, conta Gilberto Abreu, diretor executivo de negócios imobiliários do Santander. “As empresas reduziram lançamentos. Não mudamos os parâmetros para a concessão de crédito, mas somos mais criteriosos na seleção de projetos. Financiamos até 80% do custo da obra. Em geral, pedimos 15% das obras iniciadas e 30% das unidades vendidas.”

Odair Senra, vice-presidente do Sindicato da Construção de São Paulo (Sinduscon-SP), explica que os distratos afetam o caixa da construtora. Um lançamento na planta, diz ele, tem de 20% a 30% do valor total vindos das unidades vendidas. Os bancos entram com outros 60% a 70%, e o restante fica com a construtora.

“Com o encarecimento e a restrição de crédito, essa fatia do banco caiu para perto de 50%. O acordo setorial deve ajudar a desestimular os distratos pedidos por investidores, que reclamam de baixo retorno”, pondera ele.

Os empresários alegam que os investidores - clientes que compram o imóvel visando sua valorização, e não para fins de moradia - são os que mais procuram o distrato, diante de um cenário de queda ou variação muito pequena de preços no mercado.

Para Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, distratos em escala poderiam levar o setor a insolvência. “Especulação não justifica distrato. Empresas com o caixa enfraquecido têm mais dificuldade para obter crédito. Hoje, há empresas vendendo imóveis abaixo do preço de custo e queimando reservas.”

A PDG, por exemplo, que passa por um processo de reestruturação e vem reduzindo o endividamento bilionário, fechou o primeiro trimestre com prejuízo de R$ 410 milhões, 154% pior que um ano antes, mas 80% menor que o de outubro a dezembro. Somou R$ 97 milhões em vendas líquidas ao descontar R$ 306 milhões em distratos.

“Acredito que o pior está ficando para trás. Queda nos distratos ajuda a todas as empresas do setor. E o novo governo pode trazer aumento da confiança”, diz Rogério Jonas Zylbersztajn, presidente da RJZ Cyrela. “No primeiro trimestre, fizemos dois lançamentos no segmento econômico, em que o cenário é melhor que no alto padrão.”

A Gafisa é prova da diferença na demanda dos dois segmentos. Com prejuízo de R$ 53,27 milhões de janeiro a março, teve o resultado negativo concentrado nos projetos de médio e alto padrão. A Tenda, focada em projetos econômicos, teve lucro de R$ 4,8 milhões. Na primeira, os distratos equivaleram a 72% das vendas; já na segunda, a 14,8%.

O acordo setorial propõe dois caminhos para a construtora reembolsar os valores já pagos pelo consumidor em caso de distrato. Um é que ele pague uma multa de 10% sobre o preço do imóvel até um limite de 90% do total já quitado. O outro é perder o valor equivalente ao sinal dado, mais 20% sobre o que foi desembolsado.

Vinícius da Costa, consultor jurídico da Associação Brasileira de Mutuários da Habitação destaca que o acordo é um marco importante, mas alerta para o fato de que o pacto não tem força de lei. “O acordo pode reduzir a judicialização de distratos. Mas não é de aceitação obrigatória. A multa de 10% sobre o preço do imóvel é justa. Já a perda do sinal e de mais 20% do que foi desembolsado pode extrapolar o aceitável.”

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