"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

Extinção do tributo sindical foi totalmente válida: autorizar sua cobrança hoje seria puro ativismo

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Segundo notícia veiculada pela Gazeta do Povo inúmeras entidades sindicais têm conseguido judicialmente manter a cobrança da chamada contribuição sindical.

A volta do pagamento coercitivo a sindicatos seria, em verdade, um dos maiores retrocessos já promovidos; e, se realizada na via judicial, uma das posturas mais juridicamente infundadas, baseadas no puro ativismo.

Vejamos por quê.

O caso…

Foto: Jaélcio Santana/Força Sindical
Foto: Jaélcio Santana/Força Sindical

Em 11 de novembro de 2017 entrou em vigor a nova legislação que modernizou a regulação das relações de trabalho.

A nova lei, consagrando a dignidade do trabalhador, a liberdade sindical, e visando melhorar o sistema institucional no setor, previu expressamente:

Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação.

Ou seja, apenas o empregado no exercício de sua liberdade associativa pode autorizar o desconto.

Em resumo: a legislação deixou claro que não há pagamento coercitivo e compulsório aos sindicatos.

Os trabalhadores não são mais obrigados a pagarem para sindicatos ineficientes e que nada fazem em seu favor, ou muitas vezes, pelo contrário, apoiam políticas econômicas recessivas quando tocadas por partidos alinhados aos interesses dos sindicalistas.

Se quiserem receber, os sindicatos terão de mostrar serviço, demonstrar que vale o apoio financeiro em razão da utilidade dos serviços que prestam.

Extinção da cobrança compulsória é válida

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Após a aprovação da modernização trabalhista, entidades derrotadas passaram a tentar expedientes antidemocráticos para tentar barrar a correta decisão dos representantes do povo no Parlamento.

Visando impedir a benéfica mudança a qualquer custo (buscando uma argumentação jurídica que servisse apenas de pretexto para aparentemente justificar sua resolução preconcebida), ativistas e militantes sindicais passaram a sustentar a tese de que para extinguir a esdrúxula cobrança do trabalhador seria preciso uma lei complementar (art. 69 da Constituição). Como a modernização trabalhista foi aprovada por lei ordinária (art. 59, III, da Constituição), a extinção seria inconstitucional por vício da forma utilizada.

A argumentação, no entanto, é incorreta.

Com efeito, o art. 146 da Constituição afirma que “cabe à lei complementar: (…) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.

Assim, leis complementares fixam, por exemplo: a definição de tributo de modo geral, suas espécies; quem é o devedor de um imposto; quando um imposto incide; qual sua base de cálculo; qual o prazo prescricional para obrigações tributárias etc.

Contudo, a efetiva criação ou extinção de tributo não é matéria reservada a lei complementar: nunca foi. Criação e extinção de tributos não são tema de normas gerais.

Aliás, a Constituição é expressa nesse sentido ao estabelecer o chamado princípio da legalidade, em seu art. 150, I, o qual determina que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

Saliente-se que, por técnica jurídica, sempre que se fala apenas de “lei”, está-se a tratar de lei ordinária. Quando se exige “lei complementar”, tem-se de determiná-lo expressamente.

Logo, criaçãoextinção de tributos exige somente lei sem qualquer qualificação, ou seja, lei ordinária.

Aliás, é corriqueiro no Brasil a alteração da exigência de tributos por leis ordinárias.

Daí, perceptível que a Constituição separou o tratamento das normas gerais (por lei complementar) da instituição e extinção de tributos, o que exige apenas lei ordinária.

Tanto assim que quando a Constituição resolveu exigir lei complementar para a própria criação ou extinção de tributos, fê-lo de modo expresso: por exemplo, art. 148 (“A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios”), ou art. 154, I (“A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior”).

Ora, se a criação e extinção de tributos configurasse norma geral, seriam despiciendas as previsões desses artigos, pois a instituição já demandaria lei complementar de um modo ou de outro.

Portanto, conclui-se que a Constituição autoriza a criação e extinção de tributos de modo geral mediante simples lei ordinária.

Há quem argumente que, em relação à contribuição sindical, por ser uma espécie de contribuição social,  sua criação e extinção exigiria lei complementar por força do art. 149 da Constituição. O STF, todavia, já derrotou essa tese, firmando entendimento de que instituição e extinção de contribuições sociais não dependem de lei complementar. Nesse sentido, os seguintes precedentes: RE 635.682 e RE 396.266.

As contribuições sociais, como os tributos de modo geral, exigem lei complementar apenas a fixação de suas normas gerais (art. 149 c/c art. 146, III, ambos da Constituição de 1988).

Logo, absolutamente lícita e constitucional a extinção do tributo sindical pela lei ordinária que modernizou a legislação trabalhista.

Mas, na verdade, mesmo antes da alteração legal a cobrança compulsória já era ilícita, embora tenha contado com a conivência do sistema de justiça.

É o que veremos a seguir…

Pagamento coercitivo a sindicatos já era inconstitucional antes da lei da Modernização Trabalhista

Foto: Wikimedia Commons
Foto: Wikimedia Commons

O pagamento obrigatório a um sindicato é logicamente uma forma de restrição à liberdade associativa.

De fato, a liberdade sindical, que é uma derivação da liberdade associativa para fins específicos de promoção de categorias profissionais, implica na liberdade de:

a) abrir ou não um sindicato;

b) filiar-se ou não a um sindicato; ou

c) promover ou não, de qualquer modo, um sindicato.

Essas liberdades estão expressamente protegidas na Constituição, que em seu art. 8º afirma: “Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical”. O inciso V do mesmo artigo afirma que “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”.

O art. 5º da Constituição, na mesma linha, prevê que “é plena a liberdade de associação para fins lícitos” (XVII) e que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” (XX).

Logo, a regra é a ampla e plena liberdade de fundar ou não; filiar-se ou não; apoiar de qualquer modo (inclusive mediante contribuição) ou não, uma associação ou sindicato.

Quando a pessoa é compelida a financiar – independentemente de sua vontade – a entidade profissional, isso obviamente é uma restrição à sua liberdade em matéria sindical.

Aliás, conforme excelente artigo publicado no Jota, de autoria do juiz trabalhista Cláudio Victor de Castro Freitas,

“a doutrina majoritária entende que a imposição de contribuição obrigatória a todos trabalhadores viola a liberdade sindical, conforme Helcio Luiz Adorno Jr.9, Marcos de Oliveira Cavalcante10, Antonio Carlos Neto11, Tiago Barison12, dentre tantos outros.”

De fato, para que se excepcionasse essa liberdade, consagrada de forma ampla na Constituição, seria preciso que o próprio texto constitucional previsse a exceção.

Tanto assim que quando a Constituição pretendeu restringir outros desdobramentos da liberdade associativa e sindical, fez isso expressamente.

Por exemplo: da liberdade sindical decorreria, a princípio, o direito de abrir livremente sindicatos para determinado segmento profissional, competindo pela conquista de mercado (adesão de profissionais) com outros sindicatos que eventualmente já existissem. Por isso, querente restringir esse consectário da liberdade sindical, a Constituição expressamente previu no inciso II do art. 8º que “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial”.

De fato, o constituinte viu a necessidade de prever expressamente a exceção, porquanto sabia que em vista da amplitude da liberdade associativa e sindical consagrada na Constituição seria ilícito restringi-la por via legal sem autorização no próprio texto constitucional.

Por isso, como a cobrança coercitiva de valores dos trabalhadores em favor de sindicatos não tem previsão constitucional, ela é ilícita. Essa cobrança só é admitida pela Constituição se contar com expressa autorização daquele que pretende contribuir.

Em breve faremos um novo post, explicando por que foi importante o fim do financiamento coercitivo de sindicatos.

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