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Post publicado no perfil “Childfree” no Facebook: criança atrás das grades “serve também para os pais e pra quem defende baderna de pivete em restaurantes e avião” | Reprodução/Facebook
Post publicado no perfil “Childfree” no Facebook: criança atrás das grades “serve também para os pais e pra quem defende baderna de pivete em restaurantes e avião”| Foto: Reprodução/Facebook

A imagem mostra crianças atrás de uma grade, com os dizeres “espaço kids”. Acima da foto, a frase “serve também para os pais e pra quem defende baderna de pivete em restaurantes e avião”. Esse é só um exemplo de postagem em uma das várias páginas no Facebook dedicadas ao movimento childfree (“livre de crianças”), que defende a escolha por não ter filhos. Aos poucos a ideia tem ultrapassado a vida privada e se estendido ao comércio, que começa a proibir a entrada e a permanência de crianças visando ao sossego dos outros frequentadores. Mas esse tipo de prática encontra algum amparo legal? 

Em primeiro lugar, é importante salientar que o movimento childfree não é novidade – tem início na década de 1970, nos Estados Unidos –, e tampouco surgiu com a intenção de banir crianças dos espaços públicos. A ideia era demonstrar que adultos, por opção, têm o direito de não ter filhos. Mas o que tem acontecido recentemente é de estabelecimentos se apropriarem do movimento para proibir que crianças frequentem esses locais, mesmo acompanhadas dos pais, sob a justificativa de garantir um “ambiente tranquilo” para os outros clientes. 

E não se fala, aqui, de negócios como bares e casas noturnas, mas de lugares que costumam ser frequentados por famílias inteiras, como restaurantes e hotéis. Desde 2013, por exemplo, a AirAsia X, companhia aérea malaia, oferece “zonas calmas” em seus voos, onde não são permitidas crianças com menos de 10 anos. Já, no Brasil, restaurantes chegaram a colocar aviso na porta de que cachorros são bem-vindos, mas que crianças devem ser “amarradas ao poste”. O assunto causa polêmica e há quem defenda que esse tipo de proibição é ilegal. 

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Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-PR, o advogado Antonio Carlos Efing explica que o assunto é bastante delicado, pois, assim como idosos e pessoas com deficiência, as crianças são amparadas por uma ação afirmativa da lei. “A legislação brasileira já considera o consumidor vulnerável. Agora, em relação a essas pessoas, elas são consideradas hipervulneráveis, com as quais se deve ter mais atenção”, explica, acrescentando que ao proibir a entrada de crianças, o estabelecimento toma uma atitude que ignora a situação de vulnerabilidade desse público. “Livre iniciativa é fazer o que a lei permite, e a lei não permite você desrespeitar o consumidor”, acrescenta. 

É claro que existem situações em que o comércio pode proibir a entrada dos pequenos, mas para proteger o menor, e não o estabelecimento ou os outros clientes. É o caso das boates, por exemplo, que podem apresentar riscos para a criança. “A ideia é proteger o menor, e não a casa noturna”, diz Efing. “Do jeito como é colocado, não é como se o local representasse uma ameaça para a criança, mas como se a criança representasse uma ameaça ao local”, afirma Claudia Almeida, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). 

Para o Idec, a prática é ilegal e discriminatória, pois afrontaria tanto a Constituição Federal (CF) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que toca a proteção à criança, e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que considera prática abusiva negar-se a vender produtos ou a prestar serviços ao consumidor que se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento. E no entendimento do órgão, mesmo que a informação sobre a restrição a um tipo de público seja ostensiva por parte do estabelecimento, visto que o direito à informação é um dos pilares do CDC, o ato continua sendo ilegal. 

“O CDC não tem como base única o direito à informação. O fato de eu informar faz com que o ato deixe de ser discriminatório? A discriminação não deixa de existir porque eu informei o ato com antecedência”, alerta Claudia. 

Como proceder? 

A advogada Claudia Almeida, do Idec, orienta que aqueles que se sentirem lesados podem denunciar o caso ao Procon de sua cidade ou ao Ministério Público (MP) estadual, que tem competência para atuar em defesa dos direitos do consumidor. 

Em casos mais graves, existe a possibilidade de acionar a Justiça para pleitear indenização por danos morais. Antonio Carlos Efing afirma, no entanto, que “cada caso é um caso”, devendo ser analisado o cenário concreto. De acordo com o advogado, o dano moral se configura por meio de sentimentos como humilhação, revolta e tristeza que a pessoa experimentou ao vivenciar determinada situação. 

Além de uma possível consequência jurídica, Efing também alerta para outro efeito que pode ser tão ou mais gravoso para o estabelecimento: a retaliação por parte dos consumidores, em especial nas redes sociais. “Vale a pena anunciar um negócio com esse chamariz [o de childfree] se é possível, em contrapartida, receber uma má avaliação dos órgãos de defesa do consumidor e dos próprios consumidores?”, indaga o advogado. 

Lembrando, porém, que mesmo para reclamar online é preciso observar limites. Saiba mais nesta matéria do Justiça.

Assunto já chegou ao Legislativo 

E a polêmica já chegou ao Poder Legislativo. Em maio, a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei (PL) 2004/15, do deputado Mário Heringer (PDT-MG), que proíbe estabelecimentos comerciais de impedir o acesso, de recusar o atendimento ou de impor cobrança adicional pela presença de crianças ou adolescentes em suas dependências, ressalvados casos previstos em lei. Segundo o ECA, cabe à Justiça disciplinar a respeito da entrada de crianças e adolescentes em locais como ginásios de esportes, bailes e casas noturnas. 

Para o relator, deputado Covatti Filho (PP-RS), o projeto fere preceitos constitucionais da ordem econômica, como a valorização da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência. “Não se trata de tratamento discriminatório das crianças ou mesmo das famílias, mas de exploração legítima de um nicho de mercado”, disse. 

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Segundo Covatti Filho, a proibição de acesso de crianças e adolescentes está mais associada ao comportamento dos adultos e às atividades que possam ocorrer no estabelecimento, e não propriamente à discriminação. 

Em 2016, a Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) na Câmara tinha aprovado o projeto, com algumas alterações. Agora, a matéria segue para Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania e, posteriormente, será analisada pelo Plenário da Casa. 

Além de vetar a proibição, o PL ainda prevê pena de detenção de um a seis meses ou multa para responsáveis por estabelecimentos que realizarem a prática. 

Na justificativa do projeto, Heringer diz entender que o consumidor tem o direito de demandar produtos e serviços de acordo com suas necessidades e expectativas, assim como o fornecedor deve ter liberdade para atender a essa demanda. “O que não podemos admitir e, entretanto, está em curso, é o uso da livre iniciativa como salvo-conduto para práticas comerciais discriminatórias, o que configura a típica discriminação da minoria etária temporária”. 

Já na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) tramita um projeto de lei de autoria do deputado estadual Zaqueu Teixeira (PDT-RJ) que visa proibir a prática. Pelo texto, fica vedada a restrição de menores de 18 anos em espaços, meios de transporte e estabelecimentos comerciais privados, como lanchonetes, restaurantes e pousadas. O texto deve ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça da Alerj em breve.

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