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Plenário da Alerj, no Rio de Janeiro (RJ). | Reprodução/Flickr Alerj/Mauro Pimentel
Plenário da Alerj, no Rio de Janeiro (RJ).| Foto: Reprodução/Flickr Alerj/Mauro Pimentel

A Constituição Federal (CF), na parte que disciplina a organização dos Poderes da República, trata do chamado Estatuto dos Congressistas (arts. 53 a 56), que compreende um conjunto de normas destinadas a regulamentar as prerrogativas e vedações estendidas aos parlamentares (Senadores e Deputados Federais).

É o Estatuto dos Congressistas, portanto, que garante a estes agentes políticos a (i) imunidade material, que consiste na inviolabilidade civil e penal em decorrência de opiniões, palavras e votos exarados no exercício do mandato ou em função deste, e, ainda, (ii) a imunidade formal ou processual, que diz respeito à impossibilidade de, a partir da expedição do diploma, não serem – ou permanecerem – presos. Além disso, essa última espécie de imunidade também prevê a prerrogativa de haver, pela respectiva Casa Legislativa, a sustação de processo criminal a que algum congressista responda. Neste ponto, vale destacar que, a despeito da possibilidade de sustação do processo criminal pela Casa Legislativa, essa medida suspende a prescrição enquanto durar o mandato; isto é, não há a fluência do prazo prescricional previsto para o ilícito objeto do processo penal.

E por qual razão a Constituição Federal assegura aos Congressistas tais imunidades (material e formal)? Essas prerrogativas consistem em privilégios ou vantagens injustificadas? A resposta para essa última questão – sem dúvidas – é negativa. E por quê? Volta-se, então, para a primeira questão: as imunidades garantem a necessária independência do Parlamento e, por isso, estão ligadas ao próprio funcionamento do Congresso; não por outro motivo, essas prerrogativas são menos do parlamentar e mais do Parlamento enquanto instituição. Protege-se a função parlamentar para evitar a indevida interferência dos demais Poderes (Executivo e Judiciário). Veja-se, portanto, que tais garantias decorrem do princípio da Separação dos Poderes e servem, também, para assegurar a representatividade conferida aos parlamentares (eleitos pelo voto direto).

Confira a opinião contrária: A decisão da Alerj e a evidente usurpação de competência da Justiça Federal

Nesse contexto, convém fazer menção ao julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5526, que versava sobre a (im)possibilidade de aplicação da prisão e outras medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal aos deputados federais e senadores. Nessa ADI, na linha da fundamentação exposta acima para explicar a existência das prerrogativas constitucionais conferidas aos parlamentares, o STF decidiu que deverá ser encaminhada à Casa Legislativa a que pertencer o parlamentar a decisão pela qual se aplique medida cautelar, sempre que a execução desta interferir, direta ou indiretamente, no exercício do mandato parlamentar.

Isso porque, conforme argumentou a ministra Cármen Lúcia durante o julgamento da ADI em comento, “todos os poderes atuam livre e igualmente, cada um no exercício autônomo de suas competências, e é desta harmonia que nós podemos ter a condição de democracia. Qualquer interpretação que conduza a uma conclusão no sentido de que um dos poderes possa atuar desconhecendo a atuação legítima dos outros, é uma interpretação equivocada”. 

Observa-se, pois, que, em relação a deputados federais e senadores, a Constituição Federal fixa prerrogativas no sentido de que suas funções possam ser desenvolvidas sem a interferência - ou pressão – de outros poderes. Por essa razão, no que toca a uma das prerrogativas inerentes à imunidade formal, o STF decidiu que qualquer decisão judicial que implique no afastamento do parlamentar de suas funções deve contar com o aval da respectiva Casa Legislativa. 

Dado esse panorama do regime jurídico dos congressistas, questão que se coloca é saber se as imunidades – material e formal – previstas na Constituição Federal de 1988 estendem-se aos deputados estaduais. A questão reveste-se de importância, sobretudo, diante do atual contexto, em que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), recentemente, revogou a prisão preventiva decretada, pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), contra o presidente da Casa e outros dois deputados. Afinal, a medida tomada pela Alerj consistente na revogação das prisões decretadas pelo TRF-2 tem respaldo legal? Defende-se que sim. E, vale dizer, essa conclusão decorre, em primeiro lugar, de regra prevista na Constituição Federal e, depois, de regra específica prevista na própria Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que, com respaldo no art. 27, § 1º da CF, reproduz garantias previstas no Estatuto dos Congressistas (arts. 102 a 106). 

É que o art. 27, § 1º do Texto Constitucional de 1988 prevê expressamente que se aplicam aos deputados estaduais, dentre outras garantias e vedações, as regras sobre inviolabilidade e imunidade. Inclusive, depreende-se do dispositivo em questão que o Texto Constitucional traz a palavra inviolabilidade destacada da palavra imunidade, o que leva a inferir que, além da imunidade material – consistente na chamada “inviolabilidade” – inequivocamente – o parlamentar estadual conta também com a imunidade formal, que impede a prisão ou sua manutenção, em casos de flagrante de crime inafiançável. Daí por que não há como dizer que a sistemática das imunidades dos deputados estaduais é diversa daquela conferida aos congressistas. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal atesta esse entendimento atualmente. É certo, portanto, que a medida tomada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro encontra respaldo jurídico. 

É de se dizer, por fim, que, por mais reprovável que a medida possa parecer, encontra-se legitimada por uma regra constitucional. E, aqui, vale lembrar o Ministro Aurélio Mello quando diz que “a sociedade almeja e exige a correção dos rumos, mas esta há de acontecer sem açodamento, Não se avança culturalmente fechando a Lei das leis da República, que é a Constituição Federal”. 

* Carol Clève, é advogada, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Professora de Direito Constitucional e Eleitoral do Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil).

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