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O Supremo está se fortalecendo nos últimos anos por mudanças na legislação, no regulamento interno da Corte e pela postura dos próprios ministros, cada vez mais políticos | Lula Marques/AGPT
O Supremo está se fortalecendo nos últimos anos por mudanças na legislação, no regulamento interno da Corte e pela postura dos próprios ministros, cada vez mais políticos| Foto: Lula Marques/AGPT

O presidente eleito em 2018 escolherá a dedo os dois ou cinco ministros que deverá indicar ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos anos. Como o tribunal é peça-chave no julgamento de políticos e partidos nas denúncias de corrupção, quem assumir o Palácio da Alvorada em 2019 estará preocupadíssimo em colocar pessoas de sua confiança. Mas, a longo prazo, o que isso pode significar para o cidadão comum?

INFOGRÁFICO: Veja quem fica e quem sai do STF nos próximos anos

O julgamento do mensalão – quando a cúpula do PT foi condenada no STF, em 2012, por ministros escolhidos por Lula e Dilma – soou um sinal de alerta em todos os partidos: é preciso colocar aliados no Supremo. José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, João Paulo Cunha, José Borba e outros 20 condenados que o digam. 

Tendo como pano de fundo esse cálculo político, Dilma escolheu Luís Roberto Barroso (2013) e Edson Fachin (2015), velhos amigos do PT. Para evitar que a presidente apontasse outros cinco nomes, a oposição votou às pressas a chamada PEC da Bengala, em 2015, que aumentou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória dos ministros. Em 2017, seguindo o exemplo de sua antecessora, Michel Temer optou pelo aliado Alexandre de Moraes para a vaga deixada por Teori Zavascki, morto em um acidente de avião em fevereiro, que ficará no STF até completar 75 anos, em 2043.

“Hoje, dá para prever que se o próximo presidente for um [Jair] Bolsonaro, vai sim tomar um cuidado grande para fazer nomeações de pessoas que sejam garantidamente conservadoras; e se for alguém como Lula vai tomar mais cuidado do que tomou no passado para colocar pessoas jovens e garantidamente de esquerda”, afirma Ivar Hartman, coordenador do projeto Supremo em Números e professor da Faculdade de Direito da FGV-RJ.

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Até 2021, dois dos 11 ministros sairão do STF: Celso de Mello e Marco Aurélio. Caso a ministra Cármen Lúcia cumpra a promessa de se retirar em breve, e o fizer em 2019, serão três ministros escolhidos pelo novo presidente no primeiro mandato. Pensando em uma provável reeleição – desde Fernando Henrique, todos os ex-presidentes foram reeleitos –, o novo presidente escolheria ainda mais dois ministros, já que Rosa Weber e Ricardo Lewandowski completam 75 anos em 2023 e um segundo mandato presidencial terminaria apenas em 2026. 

Ficam na Corte os claramente os mais à esquerda Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Mais à direita, permanecem Gilmar Mendes, escolhido por Fernando Henrique Cardoso e que, com a saída de Marco Aurélio, poderá ser o presidente do tribunal, e Alexandre de Moraes. Dias Toffoli e Luiz Fux, os dois escolhidos respectivamente por Lula e Dilma, apesar de designados pela esquerda, têm tomado decisões consideradas mais ao centro.

Equação tortuosa

Então, se alguém como Lula sair vitorioso nas eleições de 2018, teremos no STF sete ministros progressistas contra dois conservadores e dois centristas? Ou se Bolsonaro sair vencedor no pleito teremos sete ministros conservadores, dois progressistas e dois centristas, revertendo conquistas da esquerda?

Nada disso. Basicamente por dois motivos – mas há outros. O primeiro deles é porque depois de assumirem uma cadeira no tribunal, os ministros ganham garantias para votar contra aqueles que o nomearam – e de fato o fazem. Isso se verificou não apenas no mensalão, mas também em várias outras decisões. 

“É razoavelmente difícil aparelhar o tribunal. O cargo de ministro dá garantias suficientes contra isso. Quem quer agir partidariamente faz porque quer”, diz Rubens Glezer, professor da Escola da Direito da FGV-SP e também coordenador do projeto Supremo em Pauta.

O segundo motivo pelo qual essa equação não é assim tão linear é que, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, não é possível etiquetar cada um dos ministros como “puro conservador” ou “puro progressista”. O mesmo Gilmar Mendes, que votou a favor do ensino religioso nas escolas, por exemplo, também deu um parecer favorável à união homossexual e, ao contrário do que se esperaria de um conservador convicto, não é nada duro com os criminosos (principalmente se são políticos). E o próprio Barroso, herói dos progressistas e da esquerda, é rigoroso nas questões carcerárias. Um mesmo ministro pode ser conservador nos costumes e liberal na economia, por exemplo, ou liberal nos costumes e conservador em questões trabalhistas etc. Além disso, influenciam as crenças pessoais, como o voto não esperado de Fachin a favor do ensino religioso nas escolas.

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Também se poderiam acrescentar outros motivos que impedem prever como votarão os ministros, como a importância de determinado caso para a opinião pública. “Há situações específicas de processos, ou como foram decididos, como o da união homossexual que, mesmo dando declarações contrárias na imprensa, os ministros votaram a favor. Isso acontece porque, em alguns temas, o ministro tende a não querer ser o único dos 11 que votou contra a história”, comenta o professor Ivar Hartman, da FGV-RJ. 

Para o eleitor, porém, existe um grande risco caso os próximos ministros do STF sejam escolhidos apenas para controlar operações como a Lava Jato: o de serem incompetentes para julgamentos mais importantes, desde questões como o aborto até recursos contra a reforma trabalhista. “Processos de corrupção são uma parcela mínima das responsabilidades de um ministro do STF, e é um perigo escolher alguém que vai ficar muitos anos no cargo apenas pensando só no papel que ele terá na Lava Jato”, alerta Jefferson Mariano Silva, pesquisador sobre o STF no Núcleo de Justiça e Constituição da FGV-SP. “Essa escolha pode ter repercussões não esperadas em outras agendas, uma miopia com prejuízos no futuro”. 

Riscos para a democracia 

O Supremo está se fortalecendo nos últimos anos por mudanças na legislação, no regulamento interno da Corte e pela postura dos próprios ministros, cada vez mais políticos. Como nunca antes na história do país, os ministros conquistaram a competência de tomar muitas decisões monocráticas, sem a necessidade de outra opinião, e o plenário do tribunal passou a interpretar além da letra da lei em alguns assuntos, tentando, à la Robin Hood, fazer justiça com as próprias mãos para resolver demandas não contempladas pelo Congresso. 

Entre os especialistas, há um consenso de que, cada vez mais, os ministros têm extrapolado suas funções e acabam assumindo o papel de legisladores, ferindo a divisão de três poderes estabelecida na Constituição, lei que se comprometeram a defender. Um risco para a democracia. 

Há muitas sugestões para tentar melhorar a qualidade da Corte, como mudar a forma como 11 pessoas adquirem tanto poder perante a nação, que é por meio da escolha presidencial com aprovação do Senado, fórmula utilizada por outros países. E também estabelecer uma idade mínima para a entrada no STF (Dias Toffoli, por exemplo, entrou no Supremo pouco antes de completar 42 anos e ficará no cargo por 33 anos) ou criar um limite para o mandato, como 12 ou 15 anos. Ao mesmo tempo, restringir o poder individual, aperfeiçoar o pedido de vistas e tentar, de alguma forma, “fiscalizar o fiscalizador”, é algo bem difícil de ser feito.

“Muitas dessas mudanças podem ser feitas pelos próprios ministros, por meio do regimento interno”, explica Juliano Zaiden Benvindo, da Faculdade de Direito da UnB. “Essa caça pelo poder que os ministros estão tendo hoje faz com que o Supremo possa perder a credibilidade como Corte, ficando suscetível de ser questionada no Congresso e perder a sua legitimidade, o que seria muito danoso para a democracia”, completa.

Uma comparação com os EUA

A situação brasileira é bem diferente se comparada com a dos Estados Unidos, mas a análise do que ocorre por lá pode iluminar as discussões no Brasil. Nos EUA, é fácil definir a linha ideológica dos juízes da Suprema Corte com base em suas decisões. A importância da nomeação dos magistrados pelo chefe do Executivo do país também já foi percebida há tempos pela sociedade, tendo sido pauta importante nas eleições norte-americanas de 2016. 

Mais do que uma “batalha” entre o masculino e o feminino, um candidato conservador e uma progressista, republicanos e democratas, o pleito do último ano elegeria um presidente com a prerrogativa de indicar, no mínimo, um nome à Suprema Corte. 

A vaga certa era a aberta com a morte do conservador Antonin Scalia em fevereiro de 2016 – apesar da possibilidade de aposentadoria, nos EUA o cargo é vitalício. Como Scalia morreu enquanto Obama ainda estava no poder, cabia ao democrata nomear alguém ao cargo. Ocorre que o Senado, de maioria republicana, recusou-se a sabatinar o liberal moderado Merrick Garland, escolhido pelo ex-presidente, e a indicação foi arquivada ao fim da legislatura de Obama. Quem acabou ocupando a vaga foi Neil Gorsuch, indicado por Donald Trump em janeiro deste ano e confirmado pelo Senado em abril. Gorsuch, assim como seu antecessor, é um conservador. É importante ressaltar que, no cenário norte-americano, o termo liberal é usado também para quem se identifica com pautas progressistas nas áreas de comportamento e costumes.

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Mas há, ainda, outros três lugares que podem ficar vacantes nos próximos anos, hoje pertencentes a juízes com idade avançada. Anthony Kennedy, indicado por Ronald Reagan, está com 81 anos. Já os designados por Bill Clinton, Ruth Bader Ginsburg e Stephen Breyer, têm, atual e respectivamente, 84 e 79 anos. E a substituição desses três juristas pode mudar radicalmente a composição ideológica do tribunal, já que uma das promessas da campanha de Trump foi de nomear magistrados mais conservadores. 

Atualmente, a Suprema Corte dos EUA vive uma situação de equilíbrio, mesmo com a chegada de Gorsuch. Dos nove juízes que a compõem, quatro são liberais, quatro são conservadores e um é o que se chama de swing voter, alguém cujas decisões não são tão fáceis de prever, mas que exercem papel fundamental no resultado de uma discussão. Esse juiz é, justamente, Kennedy. Ginsburg e Breyer, os outros dois componentes que integram o trio mais idoso da Casa, são liberais. 

“Se os três mais velhos morrerem durante o governo Trump, a balança vai desequilibrar. Kennedy vota com os liberais em matérias de direitos fundamentais e direitos humanos, mas vota com os conservadores em questões mais administrativas”, explica Guilherme Brenner Lucchesi, mestre em direito pela Cornell Law School. 

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Quando a Suprema Corte reconheceu a constitucionalidade do casamento homoafetivo, em 2015, o voto de Kennedy foi decisivo. Favorável à pauta, ele afirmou que os homossexuais não deveriam ser “condenados a viver em solidão, excluídos de uma das instituições mais antigas da civilização”. Já Scalia, ainda vivo, disse que a decisão era “uma ameaça à democracia norte-americana”. A votação foi de 5 a 4. 

Nesse sentido, uma mudança futura na composição ideológica do tribunal, com a balança pendendo para o conservadorismo, poderia indicar a revisão – e consequente reversão – da agenda mais progressista, vez que existe a possibilidade de o juízo superar precedentes por meio de uma nova decisão da Corte. Um exemplo é o caso Roe v. Wade, decidido em 1973 e por meio do qual o direito ao aborto foi reconhecido, por 7 a 2, nos EUA. A possibilidade de interrupção voluntária da gravidez tem sido questionada na Suprema Corte desde então, com a manutenção do parecer de que a escolha final cabe à mulher. Se a maioria do tribunal passar a ser conservadora, no entanto, mudanças no entendimento podem acontecer. 

“A questão da Suprema Corte, por si só, talvez não tenha trazido votos para o Trump. Mas foi importantíssima para aqueles que já eram conservadores – que mesmo não gostando do candidato, preferiam ele do que a Hilary – e optaram por votar no empresário. Foi crucial para reforçar esses votos”, finaliza Lucchesi.

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