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A divulgação da conversa do jornalista Reinaldo Azevedo com Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), despertou muitos questionamentos, já que, à primeira vista, o conteúdo não se relaciona a qualquer prática de crime. O registro do diálogo entre os dois se tornou público junto com outras 2.220 gravações que tiveram o sigilo levantado pelo ministro do Supremo Tribunal federal (STF) Luiz Edson Fachin. No despacho, o magistrado alega que o interesse público prevalece sobre a intimidade dos envolvidos. Mas juristas consideram que, no caso de Azevedo, o ato violou o direito constitucional ao sigilo da fonte, além de ter desrespeitado a lei de interceptações telefônicas. 

Em entrevista ao Justiça & Direito, Reinaldo Azevedo declarou ter “satisfação intelectual” com o ocorrido, uma vez que a divulgação de suas conversas confirmou suas críticas à Lava Jato e uniu esquerda e direita em solidariedade a ele. “O que aconteceu foi uma agressão às garantias constitucionais, à lei, que obriga o juiz a mandar destruir as interceptações e transcrições que não digam respeito ao processo, ao sigilo da fonte. E, nesse caso, mais do que isso, agora todos os jornalistas passaram a correr riscos ao falar com suas fontes”, afirmou.

Sigilo da fonte

O inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal resguarda do sigilo da fonte “quando necessário ao exercício profissional”. No diálogo entre o então jornalista da Veja e Andrea Neves, publicado pelo site Buzz Feed na última terça-feira (23), ele trocam informações sobre a divulgação de uma nota à imprensa, além de comentarem fatos relacionados à Lava Jato, e até mesmo criticam uma reportagem da Veja – o que acabou levando Azevedo a se demitir da revista em que mantinha seu blog há 12 anos.

Nos debates sobre o assunto, que se multiplicaram desde que a conversa foi publicada, há quem relativize a violação do sigilo da fonte sob o argumento de que Azevedo não foi coagido a revelar suas fontes e sequer era o alvo da investigação, mas apenas estava conversando com Andrea, que era a pessoa monitorada. 

O professor de direito constitucional da FGV de São Paulo Rubens Glezer, contudo, descarta esse tipo de argumento e considera que ocorreu uma violação do sigilo da fonte no caso em questão.  Ele compara a necessidade de respeito ao sigilo do jornalista ao direito que os advogados têm de manter o segredo sobre a comunicação com seus clientes, ainda que eles confessem um crime ao seu defensor. Essa garantia estaria relacionado ao direito a se defender. No caso da imprensa, o sigilo da fonte estaria relacionado ao bem público de alguém dar informação ao jornalista. “É um benefício de longo prazo para se ter informações mais robustas”, diz o jurista, que também integra o grupo de pesquisa Supremo em Pauta. 

Para Rafael Mafei Rabelo Queiroz, professor da Faculdade de Direito da USP, o argumento de que o interesse público prevalece nesses casos inverte as previsões da lei e da Constituição. Tradicionalmente, a interceptação das comunicações sempre foi considerada como uma das mais graves restrições à privacidade e à intimidade das pessoas. “Tanto a lei quanto a Constituição dizem que, no caso das interceptações telefônicas, a publicidade não é a regra”, afirma. 

Mafei pondera ainda que a Constituição traz uma proteção ainda mais forte para alguns casos, como no exercício profissional de advogados e jornalistas, em que o sigilo é instrumento necessário para o pleno exercício da profissão, a não ser que se esteja ocultando a prática de crimes. “Há uma razão adicional no caso desses profissionais, além da preservação da intimidade e do sigilo das comunicações a que qualquer cidadão faz jus, que precisa ser levada em conta. Mesmo que prevalecesse a interpretação pelo levantamento do sigilo, o responsável pelo levantamento deveria fazer uma triagem no material para garantir o direito dessas pessoas”, completa.

Novas práticas 

Glezer aponta que é um risco que se corre querer proteger o processo em andamento divulgando todo o conteúdo gravado. A estratégia de tornar todos os registros públicos é uma maneira de garantir o prosseguimento das investigações que envolvem pessoas com grande influência e poder econômico, aponta o constitucionalista. 

“De um modo geral, parece salutar justamente para que a população possa tomar conhecimento. Por outro lado, a lei proíbe a divulgação de áudios de interceptação telefônica”, avalia o constitucionalista da FGV-SP. Ele relembra que, antes da Lava Jato, a prática costumava ser a divulgação de apenas alguns documentos que comprovassem os crimes. Mas avalia que, na prática, os vazamentos acabaram se tornando uma tentativa de garantir que informações do processo viessem a público, mesmo que em desacordo com a lei. 

Lei 9.296/1996, que regula o procedimento de interceptações telefônicas no Brasil, assegura, em seu artigo 8º, o sigilo das diligências, gravações e transcrições, mesmo quando juntados ao inquérito policial ou ao processo criminal. Antes desses momentos, a lei prevê que a interceptação, que precisa sempre de autorização judicial, “ocorrerá em autos separados”. O artigo 9º da lei assevera que “a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial”. 

“O sigilo deve ser mantido em todas as gravações, mesmo naquelas que interessam para o processo. O artigo 9º prevê que o que não interessa será destruído, mas a Lava Jato inaugurou essa interpretação de que o interessa terá o sigilo levantado”, afirma Gustavo Badaró, advogado e professor de Direito Processual Penal da USP. 

“Antes da Lava Jato, se respeitava a lei de interceptações. Depois da Lava Jato, não se respeita mais a lei”, Gustavo Badaró, professor d Faculdade de Direito da USP.

De acordo com Badaró, antes do advento da Lava Jato, era praxe os juízes respeitarem o sigilo das interceptações, embora os vazamentos já fossem comuns. “O que acontecia antes é que o sigilo não era levantado, mas o conteúdo era vazado para a imprensa. Aí todo mundo prometia que ia apurar e ficava por isso mesmo”, conta. O advogado ressalva, porém, que o entendimento inaugurado pelo juiz Sérgio Moro tampouco tem amparo legal. 

Badaró considera que esse tipo de divulgação que o STF fez é ilegal. “Tem-se argumentado pelo interesse público dessas gravações, mas, para isso, o STF deve declarar a inconstitucionalidade do artigo da lei. Ou se faz uma reforma legislativa e se muda o artigo, ou se reconhece a inconstitucionalidade”, opina. “O controle difuso dos juízes abre uma discricionariedade muito grande. Agora qualquer juiz pode encontrar um princípio constitucional como justificativa e levantar esses sigilos?”, questiona.

Lula e Dilma

O caso de Azevedo não é o primeiro em que a divulgação do conteúdo de conversas grampeadas é questionada. Quando o juiz Sergio Moro liberou a divulgação de uma conversa entre Lula e Dilma Rousseff – a conversa do “Bessias”, que levaria um documento para o ex-presidente assinar e tomar posse como ministro –, ele foi criticado, pois não cabia a um juiz de primeiro grau deliberar sobre uma conversa que envolvia a então presidente da República, que tinha direito a foro especial por prerrogativa de função. “No caso das gravações do Lula, o Sérgio Moro argumentou que as provas que interessam teriam seu sigilo levantado e agora parece que o Supremo embarcou nessa”, afirma Badaró. “Mas não é isso que a lei diz”, conclui.

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