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| Foto: JONATHAN CAMPOSJONATHAN CAMPOS

Os trágicos eventos que tomaram conta da pequena cidade de Charlottesville, nos Estados Unidos, no sábado (12), reacenderam uma série discussões e preocupações muito próprias à sociedade norte-americana. Manifestantes neonazistas e supremacistas brancos organizaram um protesto e entraram em conflito com ativistas antifascistas e do movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam]. Uma pessoa morreu e dezenas ficaram feridas. Do ponto de vista jurídico, uma pergunta interessa especialmente a nós brasileiros, em tempos de ânimos políticos exaltados: estamos protegidos de manifestações neonazistas no Brasil?

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Apologia ao nazismo é crime pela lei brasileira. Nem mesmo é necessário haver atos de violência ou incitação direta à violência para que o delito ocorra. O parágrafo 1º do artigo 20 da Lei 7.716/1989 prevê pena de reclusão de dois a cinco anos para quem “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. 

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Supremacistas brancos, mesmo que não utilizassem símbolos nazistas, tampouco teriam vez no Brasil. O artigo 20 da Lei 7.716/1989 prevê pena de um a três anos de reclusão para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Em geral, quando se discute liberdade de expressão, surge um debate sobre a abrangência da ação de incitar discriminação ou preconceito, mas, no caso de ideologias suprematistas, a lei brasileira não deixaria muitas brechas. 

Supremo

Se o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou até mesmo o crime de racismo do editor Siegfried Ellwanger, que publicava livros negando o holocausto, nossos tribunais teriam poucas dúvidas de que uma manifestação pública como a que ocorreu em Charlottesville seria, no mínimo, incitar discriminação – senão praticá-la – e, portanto, plenamente punível pela Lei 7.716/1989. 

No julgamento do Habeas Corpus (HC) 82.424 pelo Supremo, em 2003, Ellwanger recorria de uma condenação unânime do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) por racismo. O STF entendeu que “a edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de tatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam”. 

O tribunal enfatizou também que “a ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem”. 

Liberdade de Expressão

Também seria difícil tentar proteger manifestações como estas sob o manto da liberdade de expressão, alegando a inconstitucionalidade de sua proibição, porque a própria Constituição federal, no inciso XLII do artigo 5º, deixa claro que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A Constituição também diz, no inciso IV do artigo 3º, que “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um dos objetivos fundamentais da República brasileira. 

A decisão do STF no HC 82.424 também afirmou que “o preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o ‘direito à incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica”.

O artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica, que protege a liberdade de expressão, também faz uma exceção nesses casos: “A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”, diz o tratado que o Brasil ratificou.

Embora alguns liberais estejam tentando trazer ao Brasil o modelo dos Estados Unidos de proteção à liberdade de expressão, organizar por aqui uma manifestação como a que ocorreu em Charlottesville, ou participar dela, seria crime. O poder público, se comunicado com antecedência, não autorizaria a reunião; se ela ocorresse, a polícia deveria intervir para dispersá-la e poderia prender em flagrante os participantes. Caberia ao Ministério Público processar, na medida individual da culpa, quem participasse do ato.

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