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Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontam a existência de 394.904 Organizações da Sociedade Civil no país – são as chamadas OSC’s, sigla que substitui ONG (Organização não Governamental), em razão do advento da Lei 13.019/14, mais conhecida como Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que passa a definir tais entidades como: “associações, fundações, organizações religiosas e as sociedades cooperativas que atuam com vulnerabilidade social, cooperativas sociais de combate à pobreza e geração de trabalho e renda”. Ou seja, instituições sem fins lucrativos que compõem o terceiro setor, atuando em corresponsabilidade com o Estado em projetos de relevante interesse público e social.

A mesma fonte indica que, juntas, estas organizações empregam formalmente mais de 2,2 milhões de trabalhadores – sendo que a grande maioria dos trabalhos é prestada por voluntários ou empregos informais –, e, ainda, que 99,82% dos municípios brasileiros têm, pelo menos, uma OSC registrada. 

Estes índices comprovam o crescimento exponencial do terceiro setor no país, iniciado principalmente após a Constituição de 1988, que reconheceu a organização e participação social como direitos e valores a serem garantidos e fomentados. Desde então, as instituições estreitaram o relacionamento com os órgãos da administração pública por meio de parcerias instrumentalizadas na forma de convênios, envolvendo repasses orçamentários. Entretanto, a ausência de legislação específica para regulamentar tais parcerias acabou por gerar insegurança jurídica e institucional ao setor, inclusive vindo à tona denúncias de desvios de verba pública e outras irregularidades na criação de entidades em meados dos anos 2000 (CPI das ONG’s). 

Frente a esse cenário, o MROSC tem se estruturado desde 2010, quando um grupo de organizações da própria sociedade civil se articulou em uma plataforma on-line para o debate. A Lei 13.019/14 foi então sancionada em 2014. Duas medidas provisórias prorrogaram a entrada em vigor da Lei, e, no final de 2015, foi sancionada a Lei 13.204/15, que propôs alterações em diversos dispositivos da Lei 13.019 e prorrogou novamente a entrada em vigor das novas regras. O Decreto Regulamentador foi publicado em abril de 2016 e, finalmente, no dia 23 de janeiro de 2016 a legislação passou a valer para União, Estados e Distrito Federal, e, em 1º de janeiro de 2017 passou a valer para os municípios. 

A nova lei está sendo chamada e entendida por alguns como Marco Regulatório do Terceiro Setor. Entretanto, ela regula apenas as relações de parceria com a administração pública, não abrangendo, portanto, outras nuances do terceiro setor que continuam carecendo de regulamentação. De qualquer forma, as mudanças afetaram profundamente a rotina das OSC’s, que desde então têm procurado se adaptar da melhor e mais rápida maneira possível. O mesmo pode-se dizer dos órgãos de administração pública, que até então estavam acostumados com os formatos antigos de parceria. 

Merece destaque o fato de que, desde a plataforma inicial de debates para sua criação, até a efetiva entrada em vigor, a nova legislação passou por inúmeras alterações, por isso ficou um tanto distante da proposta inicial. Ainda assim, muito se fala sobre a importância do processo participativo na construção desta nova legislação. 

Dentre as inúmeras inovações trazidas pelo MROSC, pontua-se a tentativa de simplificação e desburocratização do regime tributário (imunidades e isenções, proposta de Simples Social para as OSC’s, além de incentivo fiscal para doações de empresas a partir de sua receita bruta) e dos títulos e qualificações outorgados pelo Estado (a partir de agora não se exige mais qualificações específicas para formalização das parcerias), além da transparência na aplicação dos recursos – prestação de contas mais rigorosa. 

Mas, sem dúvidas, a mudança mais significativa reside no fato de que agora não se utilizará mais o formato de convênio para efetivação das parcerias, sendo sua utilização restrita apenas às tratativas entre entes públicos. O que passa a valer são três novos formatos de instrumentos jurídicos: Termo de Fomento, Termo de Colaboração e Acordo de Cooperação, cada um deles destinado a tipos diferentes de parcerias e com regras específicas e distintas daquelas costumeiramente aplicadas pelo poder público para utilização de recursos (Lei 8666/93 - Licitações). 

Outra grande mudança é que, a partir de agora, para todos os formatos acima citados a regra será a realização de chamamento público, dando iguais condições às entidades que estiverem aptas a realizar o objeto do projeto em questão (apenas algumas exceções dispensam o chamamento público). As novas mudanças trazem também a possibilidade de remuneração de dirigentes e equipe de trabalho, bem como de despesas administrativas dos projetos realizados. Ainda, há previsão para atuação das OSC’s em rede, ampliando os horizontes deste tipo de vínculo com a administração pública. 

Para usufruir de todas essas inovações, a nova lei traz uma série de requisitos para as OSC’s, dentre os quais: tempos mínimos de existências nos âmbitos federal, estadual e municipal; experiências prévias nas atividades que serão desenvolvidas; demonstração de capacidade técnica e operacional (este item também será exigência para o poder público); modificações pontuais no estatuto social; comprovação de regularidade jurídica e fiscal; ficha limpa da organização e de seus dirigentes; dentre outros. 

O MROSC prevê também a formação de um Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, e já conta com um mapa online interativo com índices atualizados constantemente pelo IPEA. 

Em razão da nova legislação, foi extinto o Título de Utilidade Pública Federal e também o Cadastro Nacional de Entidades Sociais (CNES), além da modificação de dispositivos da lei das organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip’s) e também do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).Devido à recente vigência da lei, ainda não há estatísticas formais de seu funcionamento, o que se sabe é que o impacto gerado é grande para ambos os lados: entidades e órgãos públicos (além também de contadores e advogados). Os desafios atrelados ao conhecimento, reconhecimento, implementação e correta aplicação da lei são pungentes, especialmente nos municípios menores. Nenhum ente federado ficará de fora das novas adaptações, e deve-se dar especial atenção ao planejamento e capacitação tanto das OSC’s como dos órgãos da administração pública, elementos cruciais para o sucesso no novo Marco Regulatório. 

Percebem-se, todavia, algumas fragilidades e incongruências na nova lei, que têm sido apontadas nos diversos eventos Brasil afora com a temática do MROSC. O que se pode afirmar, contudo, é que as adaptações estão sendo gradativas e repletas de desafios, especialmente no sentido de dar coerente equilíbrio à lógica das parcerias de organizações da sociedade civil com o Estado, para que elas não sejam apenas meras prestadoras de serviços, e sim que mantenham sua autonomia em um regime – como destacado no início – de corresponsabilidade com a gestão pública. 

 * Marcella Souza Carvalho, é advogada da Andersen Ballão Advocacia, graduada pela UniCuritiba, especialista em Gestão de Projetos Culturais pela Universidade de São Paulo/USP (2015), mestranda em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo/USP. É integrante do Conselho Nacional de Políticas Culturais – CNPC/MINC (2015/2017) e membro da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB/PR. Contato: marcella.souza@andersenballao.com.br

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