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Redução de danos deixa de ser o único foco da política para ser mais um instrumento em direção à abstinência | Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo
Redução de danos deixa de ser o único foco da política para ser mais um instrumento em direção à abstinência| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo

Uma vitória para toda a sociedade brasileira. Assim consideramos a aprovação da resolução que traz mudanças para a Política Nacional sobre Drogas (PNAD), que aconteceu na última quinta-feira  (1°). Esta é uma excelente forma de se começar efetivamente o ano de trabalho árduo que vem pela frente, no que se refere à atuação em dependência química. 

Estudos desenvolvidos na área do abuso de substâncias apontam um caminho claro a ser seguido e, finalmente, começaremos a aplicar seus resultados no país. Pela primeira vez em muitos anos, quase trinta, vemos um esforço conjunto resultar na união de três ministérios e diversos representantes de sociedade civil organizada para levar a assistência pública em saúde mental no mesmo ritmo em que acompanhamos a ciência produzida nos melhores institutos de pesquisa do mundo. 

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Entre os diversos pontos abordados pelo documento, o governo brasileiro firma o seu posicionamento no enfrentamento às drogas, mostrando-se contrário à legalização e à descriminalização, acompanhando a vontade da maioria da população. Para fundamentar o nosso ponto de vista, é necessário adentrar nos pormenores da situação anterior, como passo a explicar agora. 

Até o momento, todo o material publicado pelo Ministério da Saúde, junto à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), para treinamento e orientação dos profissionais da área da saúde mental – cartilhas, manuais, entre outras peças – abordava apenas uma estratégia para o problema das drogas no país. Ora, se o tratamento psiquiátrico deve ser adequado à individualidade do paciente, respeitando sempre as particularidades do maior interessado, por que não aplicarmos a mesma ideia ao tratamento do dependente químico? 

A política praticada contemplava a redução de danos não apenas como única estratégia terapêutica, mas também como único fim. A partir de agora, tal iniciativa passa a ser considerada como um dos cenários para tratamento da dependência química, dentre muitos outros que nos levarão ao objetivo: acabar com o vício, ou seja, a abstinência. Devemos observar o papel da redução de danos como uma estratégia terapêutica a ser aplicada no percurso até a abstinência total e não como propósito final das ações de um tratamento. 

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Da mesma forma que não podemos tratar um hipertenso superficialmente, procurando o controle total dos índices da pressão arterial, não podemos tratar o usuário de drogas, sejam elas ilícitas ou não, de modo a permitir que continue a consumir as substâncias de abuso, mesmo que em menor quantidade. Enquanto representantes da saúde, é inadmissível que permitamos a continuidade do processo de adoecimento, devendo incentivar a interrupção total do uso, fornecendo tudo o que for o necessário para que a abstinência se estabeleça. 

O que nos cabe é dificultar cada vez mais o acesso às drogas, do mesmo modo que fizemos com o cigarro há alguns anos, para que possamos ter cada vez menos doentes. O nosso sistema de assistência pública em saúde já não comporta as demandas que possui: não podemos abarcar também as consequências de uma decisão pensada apenas nos aspectos relacionados à segurança pública. 

Alinhar a política sobre drogas pelo mesmo parâmetro da política nacional de saúde mental recém-aprovada é também um dos objetivos desta resolução. É por meio deste parâmetro que se realizarão as ações de prevenção e tratamento dos pacientes que apresentam transtornos relacionados ao uso de substâncias, pelo respaldo não mais das evidências ideológicas, e sim científicas. 

A resolução nos garante também uma atuação interministerial, que contempla o Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento Social e, ainda, o Ministério da Justiça, ao qual se vincula o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). Esta conjunção impacta positivamente no redirecionamento das verbas de trabalho, aumentando o aporte de forma direta, visto que compreendemos que não podemos trabalhar em frentes únicas, mas sim em consonância para beneficiar o paciente. Dessa forma, cada conselheiro poderá atuar de modo a garantir a efetividade da política pública, visando seu cumprimento integral. Ao apresentar à sociedade essa posição coesa e consonante com os desejos da população, também afirmamos o posicionamento do Brasil em fóruns internacionais sobre o tema, que passam a levar em consideração esta resolução. 

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Compor o Conselho que, num marco histórico, passa a tomar suas decisões embasadas pelas evidências científicas, nos coloca em meio a um grande divisor de águas. Tais mudanças irão, sem dúvida nenhuma, favorecer o acesso e tratamento adequado aos milhões de brasileiros que padecem de transtornos relacionados ao abuso de substâncias, conferindo a cada um deles a possibilidade de remediar os prejuízos já causados às suas vidas, em âmbitos pessoais, profissionais e sociais. 

Acima de tudo, a resolução contribui direta e principalmente para a criação e manutenção de estratégias de prevenção, que ainda é a melhor solução para combater o crescimento da dependência química, por drogas lícitas ou ilícitas, e dos males por ela causados.

*Antônio Geraldo da Silva é conselheiro titular do Conad pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), superintendente técnico e diretor tesoureiro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal).

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