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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A decisão proferida em caráter liminar na última quinta-feira (23), pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Habeas Corpus (HC) 152.752, que tem como paciente Luiz Inácio Lula da Silva, foi (está sendo) objeto de muitos comentários na mídia. Do ponto de vista jurídico, há ali um detalhe que merece ser observado: o posicionamento de parte dos ministros pela inadmissibilidade do habeas corpus.

Uma compreensão política sobre processos, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, é comum. Trata-se, afinal, de uma Corte política de jurisdição, que dialoga com os demais poderes na medida de suas competências. Tanto é assim que, não raro, e por exemplo, alguns processos ajuizados por parlamentares deixam de ser pautados imediatamente pelo Supremo.

Justamente para que esses mesmos parlamentares, que já brigam entre si no Congresso Nacional, deixem de brigar no Supremo Tribunal, de modo que voltem a se entender – ou não – no âmbito de suas respectivas casas legislativas. São os inúmeros mandados de segurança juizados contra projetos de lei, ações diretas de inconstitucionalidade com motivação política, etc. 

Na deliberação do dia 22, houve uma situação interessante, e que se traz aqui ao leitor com o objetivo de contribuir com o debate. Trata-se da dúvida levantada por alguns ministros no que diz respeito ao cabimento, ou não, do habeas corpus, naquele momento processual e naquela instância de jurisdição. 

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A divergência dentre os ministros reduziu-se, basicamente, ao seguinte questionamento: cabe apresentar habeas corpus contra decisão de Tribunal Superior? É que a defesa do paciente, justamente, impetrou habeas corpus face a acórdão de outro Tribunal Superior, o Superior Tribunal de Justiça. Alguns ministros disseram que não. Outros, disseram que sim.

Aqueles que disseram “não” tomaram como base o art. 102, inciso II, “a”, da Constituição. É que esse dispositivo diz ser cabível, contra decisão de Tribunal Superior, recurso ordinário. Aqueles que disseram “sim” tomaram como base o art. 102, inciso I, “i”, também da Constituição. E esse dispositivo diz ser cabível, contra decisão de tribunal superior, precisamente, o habeas corpus. Ou seja, no caso, cabe tanto habeas corpus, quanto recurso ordinário. Tanto é assim que os advogados de defesa propuseram ambos, a cada órgão julgador competente. 

A questão é que surge a seguinte dúvida: por que razão parte dos ministros do STF entendeu pelo não cabimento do habeas corpus? Ora, o próprio Ministro Alexandre de Moraes foi enfático: sempre caberá habeas corpus quando o objetivo fundamental for preservar a liberdade de locomoção do paciente. Não por outro motivo, o próprio Supremo Tribunal possui jurisprudência sólida, inclusive, admitindo o habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário, sobretudo quando em jogo a liberdade de locomoção do paciente. Faço, aqui, uma reprodução literal de duas decisões, que comprovam a tese: 

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“O fato de o habeas corpus ser substituto de recurso ordinário não é fundamento suficiente para o não conhecimento do writ.” (HC 110.270, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 06/12/11; HC 109.956, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 07/08/2012). 

E, também: “Habeas corpus. Substitutivo do recurso ordinário constitucional. Liberdade de locomoção atingida na via direta. Adequação. Sendo objeto do habeas corpus a preservação da liberdade de ir e vir atingida diretamente, porquanto expedido mandado de prisão ou porque, com maior razão, esta já ocorreu, mostra-se adequada a impetração, dando-se alcance maior à garantia versada no art. 5º, LXVIII, da Carta de 1988. Evolução em óptica linear assentada anteriormente.” (HC 115.168, rel. min. Marco Aurélio, julgado em 21/05/2013; HC 109.956, rel. min. Marco Aurélio, julgado em 07/08/12). 

Ou seja, afora o fato de os membros do Supremo compreenderem os processos desde uma perspectiva política, por se tratar de sua própria competência, parece salutar que observem a jurisprudência do próprio tribunal sobre os temas submetidos à sua jurisdição. Trata-se de uma questão de coerência, e de segurança jurídica, salvo razões suficientes que justifiquem o contrário. Aguardemos a publicação da decisão, bem como o julgamento a ser proferido, em 4 de abril de 2018.

*Ana Lucia Pretto Pereira é mestre e doutora em Direito Constitucional, pós-doutora em Processo Constitucional e autora de livros e artigos na área do Direito Público.

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