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Manifestantes reunidos para combater as marchas neonazistas locais, em Berlim, em 3 de março de 2018 | GORDON WELTERS/NYT
Manifestantes reunidos para combater as marchas neonazistas locais, em Berlim, em 3 de março de 2018| Foto: GORDON WELTERS/NYT

Em um sábado frio de março, um grupo de pessoas instalou microfones e distribuiu apitos coloridos no antigo bairro judeu de Berlim. Elas estavam se preparando para um protesto contra a marcha de neonazistas que passaria pela região.  

O livreiro Jorg Braunsdorf esfregava as mãos para aquecê-las, enquanto um cantor local fazia um teste de som. Um homem temia que o público não aparecesse por causa do frio, mas Braunsdorf o tranquilizou: "Está frio para eles também", disse, referindo-se aos manifestantes que carregavam, entre outras bandeiras, uma da Alemanha da década de 1930. 

Quando os extremistas de direita marcharam pela primeira vez, no final de 2016, pela vizinhança onde está a livraria independente de Braunsdorf, a Tucholsky, ele e muitos de seus clientes ficaram chocados e horrorizados. Quando marcharam há um ano, Braunsdorf decidiu que era hora de agir. “Queríamos retomar o espaço público”. 

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Primeiro, enviou um e-mail a todos na sua lista de distribuição da livraria; a seguir, colocou cadeiras na loja, entre as prateleiras de romances contemporâneos, livros infantis e uma extensa coleção do escritor judeu Kurt Tucholsky. Quarenta pessoas participaram de uma reunião naquela noite. Ao lado de meia dúzia deles, Braunsdorf fundou a Iniciativa de Moradores pela Coragem Civil.  

Em meados do ano passado, quando uma terceira marcha pelo bairro foi anunciada, o grupo estava pronto: eles se uniram à "Berlim Contra os Nazistas", organização financiada pela prefeitura que tem como objetivo combater o racismo e o antissemitismo. Um amigo de Braunsdorf elaborou folhetos e cartazes coloridos e, juntos, criaram três pontos de protesto ao longo da rota dos neonazistas. Entre 200 e 300 vizinhos apareceram, com colheres batendo em panelas e frigideiras, para protestar contra a marcha.  

"Queríamos retomar o espaço público. Chega uma hora que você precisa fazer alguma coisa", recordou-se Braunsdorf uma tarde, enquanto respondia a uma pergunta de um cliente sobre a estrutura literária de um thriller para jovens adultos e recomendava um novo livro para outro.  

Indústria literária

Na Alemanha, os esforços de Braunsdorf são parte de uma longa tradição das livrarias que desempenham um papel ativo na sociedade civil, disse Johanna Hahn, diretora da Associação de Livreiros Alemães de Berlim e Brandenburgo.  

"A indústria literária reage com grande sensibilidade ao clima político, e as livrarias são sempre um local onde ocorre a mudança social", disse ela. Na década de 1970, no auge do movimento de liberação das mulheres, por exemplo, a Alemanha teve muitas livrarias feministas. "Agora, o tema realmente parece ser a liberdade de expressão e de opinião. Veja os EUA, a Turquia... esse problema acontece no mundo todo." 

Nas livrarias alemãs, os temas do nacionalismo e do fascismo são particularmente proeminentes agora, depois da ascensão de grupos como o Europeus Patrióticos Contra a Islamização do Ocidente e o partido Alternativa para a Alemanha (ou AfD) que teve 12,6% dos votos na última eleição nacional em setembro, tornando-se o primeiro partido de extrema direita a ter uma cadeira no Parlamento nos últimos 60 anos.  

"Em cada livro há uma nova perspectiva. Então, as livrarias automaticamente ficam do lado da abertura e da diversidade", disse Hahn.  

Mas a melhor maneira de atender aos clientes é motivo de debate: em um dos vários painéis para lidar com o tema na Feira do Livro de Leipzig, em meados de março, alguns livreiros independentes disseram que se recusam a encomendar livros de editoras de extrema direita, enquanto outros argumentam que é importante que os clientes sejam capazes de se manter informados. (Existem alguns títulos que Braunsdorf tem em estoque. Ele pode encomendar de algumas editoras de direita, mas vai dizer o que pensa ao cliente antes.)  

A Alemanha tem um sem-fim de livrarias independentes, graças, em grande parte, a uma lei que obriga todos os livreiros a vender publicações a preços fixos. Mas Zoe Beck, uma das fundadoras de um grupo chamado Editores Contra a Direita, teme que cadeias de lojas enfraqueçam o papel das livrarias como um lugar de debate político. "É exemplar o que Jorg Braunsdorf está fazendo, precisamos disso mais do que nunca", escreveu Beck em um e-mail.  

Engajamento social

Para Braunsdorf, 58 anos, o engajamento social sempre foi parte do gerenciamento de uma livraria. Originário de Weztlar, pequena cidade da então Alemanha Ocidental, ele começou a trabalhar aos vinte anos, em um coletivo literário de um grupo de jovens amigos de esquerda. Eles não faziam muitos negócios, mas a loja era ponto de encontro para estudantes e ativistas: ali imprimiam folhetos desacreditando usinas nucleares ou pedindo habitação a preços acessíveis. O engajamento social é parte do gerenciamento de uma livraria. 

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Hoje, 37 anos depois, Braunsdorf é o proprietário da loja em Berlim, e outras questões políticas vieram à tona. "Nenhum de nós esperava que este confronto com o fascismo estivesse tão próximo", disse ele, aludindo à chegada da AfD ao Parlamento.

"Acho que no futuro vamos precisar não só protestar contra alguma coisa, mas realmente encontrar uma razão para o protesto. O que queremos em nossa sociedade?"  

Braunsdorf, que já promoveu eventos de leitura em alemão e árabe em sua loja para crianças refugiadas e moderou debates sobre gentrificação, economia e política, disse que não consegue se imaginar gerenciando uma livraria apenas como "um ponto de venda".  

E não está sozinho. Um projeto político semelhante de administração de livrarias se tornou manchete este ano, quando Heinz Ostermann, dono da Leporello, em Neukölln, bairro de classe operária de Berlim, teve seu carro incendiado pela segunda vez. Ele havia iniciado um grupo local dedicado à luta contra a extrema direita em 2016. "Há muita solidariedade. A suspeita é a de que os ataques tenham sido organizados por extremistas de direita, mas isso não me afeta. Acho que as pessoas do bairro ficam felizes por eu estar aqui", disse. 

O mesmo poderia ser dito de Braunsdorf. No mês passado, à medida que crescia a multidão de manifestantes, Ralf Teepe expressou o seu apreço pela livraria, que visita semanalmente em vez de ir à igreja, para o enriquecimento espiritual.  

Teepe, funcionário público a serviço de estrangeiros e que recentemente voltou a Berlim depois de anos na África e em outros lugares, se juntou a Braunsdorf, a poucos quarteirões da livraria. Ele também queria protestar contra os neonazistas que passariam pelo bairro.  

"Nasci em 1958, e meus pais ficaram marcados pelo período nazista. Quanto mais velho fico, mais entendo o grande trauma de meu pai em particular. Hoje, 70 anos depois, tenho a sensação de que, pela primeira vez, não está fora de questão a repetição da história", disse Teepe.

Depois que os direitistas trajando preto passaram atrás de uma fila de policiais, saudados por gritos de "Fora nazistas!", a multidão se dispersou. Elnura Yivazada, que trabalha com gestão cultural e ficou sabendo do protesto através da livraria, ficou um pouco mais para ouvir a última apresentação musical antes de ir para casa se aquecer.  

"É importante mostrarmos nosso rosto, dizer que não aceitaremos isso", afirmou ela.  

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