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| Foto: Christopher Furlong/Getty Images

Esta cidade no mar do Norte, que todo mundo conhece simplesmente pelo nome de Hull, angariou já a sua cota de insultos ao longo dos anos. “Dull in Hull” (literalmente “Chato em Hull”), para citar só um deles, resume o tipo de humor que antecipou a decisão inglesa de votar pela saída do Reino Unido da União Europeia, como foi a vontade de 68% dos eleitores de Hull.

Mas acontece que Hull, que há muito tem o seu olhar vidrado no seu passado como uma grande cidade de pesca, hoje está cheia de otimismo. “A mudança está acontecendo” é o novo lema, pintado nas paredes de tijolos dos ex-depósitos da cidade. Agora que ela é a “Cidade Cultural” do Reino Unido de 2017, seus prédios abandonados e trapiches secos estão sendo reformados, e uma grande usina de energia eólica está em vias de ser construída. “Os astros nunca se alinharam melhor do que agora”, diz David Keel, presidente da C4DI, uma nova incubadora e espaço de co-working no distrito do mercado das frutas, à beira-mar.

Indo contra a narrativa dominante de que as cidades do “Brexit” estão em depressão e sofrendo com profundos arrependimentos, Hull aponta agora para um futuro esperançoso – o que, para alguns, se dá justo por causa do “Brexit”, por mais que outros o desprezem.

Conforme entra em vigor o Artigo 50, sancionado pela Primeira Ministra inglesa Theresa May, oficialmente começando o divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, os ingleses e os demais europeus se veem nervosos diante dos desafios sem precedentes representados pelas imensas implicações políticas e econômicas do “Brexit”, o que inclui a própria integridade do Reino Unido. Mas as expectativas na cidade estão em alta. Para compreender esse otimismo, Simon Lee, professor veterano de política da University of Hull, que está em vias de escrever um livro chamado “The State of England: The Nation We’re In” (“O Estado da Inglaterra: A Nação Em Que Estamos”), diz que é importante reconhecermos as motivações por trás do “Brexit” aqui, como a forma definitiva de protesto para uma cidade esquecida, condenada a viver do seu passado marítimo. E a experiência de Hull é uma lição sobre o poder avassalador da nostalgia e sobre como as cidades que foram deixadas para trás pelas forças políticas e econômicas do século 21 estão sofrendo para conquistar sua redenção econômica e cultural.

“Hull ainda não encontrou uma identidade para substituir a antiga”, diz o Professor Lee.

Agora, a pergunta, diz ele, é se a nova designação como “Cidade Cultural”, bem como outros sinais de renovação econômica e cultural, produzirão uma nova identidade para a cidade. Alguns dizem que acreditam que o resultado do referendo quanto à UE poderia ter sido diferente se essa regeneração tivesse começado mais cedo.

No princípio de janeiro, uma lâmina de turbina de produção de energia eólica cortou a Queen Victoria Square de Hull no meio. “A Lâmina” foi uma das primeiras instalações artísticas a dar o pontapé inicial nas comemorações da “Cidade Cultural” do Reino Unido, mas também aponta para aquilo que é igualmente significante para Hull: uma usina eólica de £310 milhões (US$385 milhões) da Siemens, que gerou 1000 empregos e poderia ajudar a posicionar a indústria eólica de Hull como um agente global para a energia sustentável.

Esse é um dos vários grandes investimentos que vieram a Hull nos últimos cinco anos e marca um momento pivô para uma cidade que foi eleita, em 2003, um dos “piores lugares para se morar” na Inglaterra. Já em março agora, o jornal The Sunday Times citou-a como um dos melhores lugares para se viver no Reino Unido.

Essa reviravolta deixou muita gente intrigada, com dúvidas sobre o porquê de Hull ter votado a favor do Brexit com uma das mais altas porcentagens do país – bem como dúvidas também sobre se o momento em si fez alguma diferença.

A imigração teve um papel aqui, como teve em todo o resto da Inglaterra. Ignorada por algumas das primeiras ondas migratórias pós-coloniais, Hull teve um aumento em sua população de imigrantes vindos do leste europeu após a ampliação da UE em 2004. E os residentes reclamaram, com medo de que os salários e a qualidade da educação pudessem cair por conta disso.

Mas um fator maior foi como um protesto anti-establishment num lugar que viu o seu ganha-pão se perder por conta das “Guerras do Bacalhau” da década de 1970 com a Islândia. Isso matou sua indústria de pesca em alto-mar no mar do Norte, assim que a Inglaterra entrou na UE e se tornou sujeita às políticas comuns de pesca do bloco. Ao longo dos últimos 40 anos, Hull vem sofrendo com uma economia em declínio, sentindo que nem Westminster, nem Bruxelas davam a mínima atenção para a cidade.

Apesar da sanção oficial do Artigo 50, a Inglaterra continuará por ora num estado prolongado de expectativas. É o começo de uma negociação de dois anos que deverá decidir o futuro das relações comerciais, das políticas de imigração e das obrigações orçamentárias da Inglaterra. Ninguém sabe se o Brexit no fim será um Brexit “duro” – o que significaria que a Inglaterra perderia acesso ao mercado único da UE e seria posto um fim à livre circulação para nativos da UE – ou “suave”, e o que isso significará para o investimento estrangeiro e a perspectiva econômica do país.

Uma enquete recente da Ipsos MORI indica que 51% dos ingleses não tem confiança na capacidade de Theresa May de conseguir um bom acordo para a Inglaterra nas negociações com a Europa, contra 44% que acreditam no contrário.

Hull está polarizada quando o assunto são essas mesmas perguntas.

Para Tim Rix, chefe da quinta geração da companhia de transporte de mercadorias JR Rix & Sons, o Brexit é o futuro de Hull. Rix vem sendo um fator crucial na revitalização da cidade, exercendo influência para a instalação da usina da Siemens, a designação de Cidade Cultural e a votação do Brexit, segundo ele mesmo afirmou, numa entrevista dada em seu escritório. Sua sala está repleta de réplicas dos navios que a companhia emprega desde 1800, perto do rio Hull, que corre sob o vasto estuário Humber.

Desde a votação do Brexit em junho, os empresários vêm observando apenas um único efeito direto, que foi a desvalorização da libra – uma bênção para figuras como Rix, bem como para exportadores locais. Seus navios, diz ele, cujos serviços são pagos em libra, de repente se tornaram uma opção mais em conta para o continente. Ele acredita que a ideia de um Brexit forte – expulsando os nativos da UE e abandonando o seu mercado único – seja só um blefe de negociação agora, mas admite que um Brexit mais suave provavelmente irritaria os eleitores que decidiram seu voto por conta da questão da imigração. “Mas mesmo que saia um Brexit forte, a gente limpa os conveses, a gente se arranja e dá um jeito”, diz ele, confiante.

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