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| Foto: GUILLERMO LEGARIA/AFP

Com uma cerimônia solene, a Colômbia firmou nesta segunda-feira, na cidade de Cartagena, um histórico acordo de paz com a guerrilha das Farc, para acabar com um conflito de mais de meio século. O presidente Juan Manuel Santos e o principal líder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño, mais conhecido por seus nomes de guerra Timoleón Jiménez e Timochenko, assinaram o pacto anunciado em 24 de agosto, após quase quatro anos de negociações em Cuba.

Quase 2.500 pessoas vestidas de branco, de acordo com o protocolo, incluindo líderes mundiais e 250 vítimas do conflito, acompanharam os discursos daqueles que, inimigos por décadas, conseguiram o que parecia impossível: acabar com a violência fratricida entre guerrilhas, paramilitares e agentes do Estado que deixou 260.000 mortos, 45.000 desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados em 52 anos.

O ato foi assistido por 15 chefes de Estado, entre eles o cubano Raúl Castro, anfitrião das conversações de paz, que também foram mediadas por Noruega, Venezuela e Chile; o chefe da diplomacia americana, John Kerry; o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon; o rei emérito da Espanha, Juan Carlos, e vários representantes de organismos internacionais.

“Advogamos para que esse acordo seja a oportunidade para uma paz definitiva e com justiça social”, disse a Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), pedindo “a construção da equidade” na Colômbia.

A União Europeia decidiu suspender a guerrilha das Farc de sua lista de organizações terroristas, medida que estará em vigor nos próximos seis meses e será revisada ao fim desse prazo.

Ainda que a decisão da UE não implique na retirada definitiva das Farc desta lista, na prática se traduz na suspensão das sanções impostas aos guerrilheiros como o congelamento de ativos ou a proibição de ter fundos a sua disposição.

GUILLERMO LEGARIA/AFP

Assinatura com “balígrafo”

O acordo de paz, um texto de 297 páginas que essencialmente busca mudar “balas por votos”, promovendo o desarmamento da guerrilha e sua transição para a vida política legal, foi assinado com um “balígrafo”, um bolígrafo (caneta esferográfica) construído com balas do conflito armado. O dia começou com uma homenagem à força pública, a quem Santos agradeceu “seu sacrifício e seu valor”.

“Entre todos conseguimos silenciar os fuzis da guerra e entre todos construiremos o caminho da paz”, disse o general Jorge Hernando Nieto, diretor da Polícia.

Na Igreja de San Pedro Claver, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano e enviado do Papa Francisco para o ato, presidiu “uma oração pela reconciliação de todos os colombianos”, que se repetiu em todos os lugares de oração do país.

Em Bogotá, centenas de pessoas assistiam desde as 14h local (18h de Brasília) a um “show pela paz” na praça central de Bolívar, de onde puderam acompanhar a assinatura em uma tela gigante.

“É um acordo muito completo, e implementar o que foi negociado em reforma agrária, luta contra o narcotráfico, inclusão dos ex-guerrilheiros em processos políticos, e aplicação da justiça transicional vai exigir muita liderança”, afirmou à AFP o chanceler norueguês, Borge Brende.

O pacto foi ratificado na sexta-feira passada pela Farc - que nasceu de uma revolta camponesa em 1964 e atualmente conta com 7.000 combatentes - após uma inédita conferência nacional guerrilheira autorizada pelo governo e aberta à imprensa em El Diamante, área remota do sul do país.

“Acabou a guerra, vamos todos construir a paz”, escreveu Timochenko no Twitter, citando as conclusões do encontro.

LUIS ROBAYO/AFP

Protesto contra o acordo

Para entrar em vigor, o acordo deve ser aprovado em um plebiscito convocado para 2 de outubro. As pesquisas mais recentes indicam a vitória do ‘Sim’. O negociado com as Farc é fortemente criticado pela oposição liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, que nesta segunda-feira acompanhava em Cartagena um protesto que rejeita a assinatura.

A paz na Colômbia não estará completa, no entanto, enquanto permanecer ativo o Exército de Libertação Nacional (ELN), segunda maior guerrilha do país, também criada em 1964.

O ELN e o governo anunciaram em março a intenção de criar uma mesa formal de diálogos similar a das Farc, mas isto ainda não foi concretizado ante a reticência do grupo armado a abandonar a prática do sequestro, condição imposta por Santos.

A guerrilha guevarista anunciou uma trégua unilateral, vigente de 30 de setembro a 5 de outubro, para facilitar a participação cidadã” no plebiscito. “Um gesto positivo” segundo o governo.

“Dia D”“O dia D é hoje”, destacou Humberto de la Calle, chefe negociador do governo nos diálogos com a guerrilha, em entrevista com a AFP.

A importância de definir qual é o Dia D é que a partir dessa data devem começar a desocupar corredores para que os guerrilheiros avancem até as zonas de concentração previstas para a deposição das armas e posterior reinserção na vida civil.

Aos cinco dias do Dia D, as Farc têm que entregar à ONU, que supervisionará o desarme, informações sobre seu armamento e, aos dez, colaborar com dados de seus depósitos de armas artesanais. Com 60 dias, o armamento artesanal tem que estar destruído, aos 90 dias 30% dos guerrilheiros entregarão suas armas em contêineres vigiados pela ONU, outros 30% aos 120 dias e os 40% restantes aos 150 dias. Aos 180 dias do Dia D, a ONU retirará os contêineres das zonas e considerará finalizado o desarmamento.

Mas os dirigentes das Farc insistem em que a concentração de guerrilheiros não será iniciada até que seja aprovada a lei de anistia, que o governo se comprometeu a apresentar ao Congresso logo que o acordo fosse ratificado pelos colombianos.

“Sem a lei de anistia e indulto, é difícil que a guerrilha comece o movimento de seus efetivos para as áreas de paz ou para os pontos transitórios de normalização”, disse há alguns dias para a emissora CNN o chefe negociador das Farc, Iván Márquez.

Mas De la Calle descartou que haja qualquer problema nesse sentido. “Ontem (domingo) tivemos uma conversa com eles que rendeu bons frutos”, disse. “Creio fracamente que aqui não há uma grande preocupação”.

Indicou que o governo prepara as leis que deverão ser aprovadas no Congresso, entre elas a de anistia. “Prefiro me ater ao escrito, é a recomendação que Nelson Mandela fazia: ‘Fixe-se nos textos’“, apontou. “Me parece que os textos são claros e o que há aqui é uma necessidade de sincronizar ações mútuas”.

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