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| Foto: CHRIS J RATCLIFFE/AFP

Um carro alugado e uma faca de cozinha, além da disposição de morrer por uma causa. Foi só disso que precisou um suspeito agressor islâmico para espalhar a morte e o terror no centro de Londres. O ataque lançado diante da sede do Parlamento deixou quatro mortos e dezenas de feridos. Foi o mais recente de uma sequência de incidentes terroristas na Europa envolvendo pouca tecnologia, mas ganhando alto destaque. E, para falar francamente, não há muito o que as autoridades possam fazer nas ruas para impedi-los.

O trabalho policial e de inteligência competente pode evitar tais incidentes e salvar vidas, como nos mostrou a história recente da Europa. A ameaça mais grave é mais difícil de confrontar, embora não impossível: é a possibilidade de ataques terroristas enfraquecerem as sociedades ocidentais, ao alimentar as divisões e o ódio contra muçulmanos. No entanto, diante da onda contemporânea de ataques terroristas de inspiração islâmica, é fácil esquecer que a Europa já passou por tormentos semelhantes no passado e emergiu com a paz restaurada e suas instituições democráticas intactas.

O ataque da quarta-feira lembrou incidentes semelhantes recentes. No ano passado um homem jogou um caminhão pesado contra uma multidão que comemorava o Dia da Bastilha, 14 de julho, em Nice, no sul da França, fazendo 86 mortos. Em dezembro, um tunisiano que tentara conseguir asilo, mas não conseguira, investiu com um caminhão contra uma feira de Natal em Berlim, matando 12 pessoas.

Mas dois outros fatos ocorridos esta semana também lembram campanhas de terror de mais tempo atrás na Europa e mostraram às pessoas que o terror pode ser superado.

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Na Irlanda do Norte, o ex-chefe do Exército Republicano Irlandês (IRA) Martin McGuinness foi sepultado na quinta-feira. Seu papel eventual como pacificador lhe valeu elogios, apagando parte da indignação suscitada por sua participação passada na morte de mais de 600 civis assassinados pelo IRA.

E, em Paris, seguia adiante o julgamento de Carlos, o Chacal, notório terrorista internacional venezuelano que espalhou o terror pela Europa nas décadas de 1970 e 1980. Ilya Ramirez Sanchez –é esse seu nome real—já cumpre penas de prisão perpétua consecutivas na França por outros crimes, mas agora está sendo julgado pela explosão de uma granada em um shopping de Paris em 1974, que deixou dois mortos.

Na Itália, as Brigadas Vermelhas foram responsáveis por uma onda de sequestros e assassinatos –dos quais um dos mais notáveis foi do ex-primeiro-ministro Aldo Moro—nos anos 1970 e 1980, os chamados “anos de chumbo”. Na Alemanha, o grupo Baader-Meinhof foi ativo por quase três décadas, se bem que tendesse a escolher como alvos de assassinato agentes do Estado e militares americanos (entre suas ações houve um atentado em 1979 contra o ex-comandante da Otan general Alexander Haig).

“Carlos” partiu em uma onda de violência para tentar negociar a libertação de sua mulher depois de ela ser presa pela polícia francesa em 1982. Nos meses seguintes ele cometeu cinco ataques a bomba em Paris e outros lugares, fazendo 12 mortos e centenas de feridos.

E durante 30 anos o IRA travou uma guerra contra o Estado britânico, usando de violência terrorista contra civis, além de táticas guerrilheiras mais tradicionais tendo as forças de segurança como alvos, até que o acordo de paz da Sexta-Feira Santa encerrou as hostilidades, em 1998.

Com a exceção do IRA, que depôs suas armas voluntariamente, todos esses grupos foram desmontados pela polícia, com a ajuda de informantes e espiões infiltrados. O trabalho cuidadoso de inteligência, realizado longe das vistas do público, acabou por devolver a paz ao continente europeu.

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Os governos europeus agora depositam sua esperança na intensificação do trabalho de segurança. Desde os atentados a bomba de julho de 2005 em Londres, o serviço secreto britânico MI5 e a polícia estreitaram sua coordenação em cinco unidades conjuntas espalhadas pelo país. Entre 10 mil e 15 mil pessoas trabalham com contraterrorismo no Reino Unido hoje, segundo especialistas em segurança.

Elas não estão à prova de erros. O suspeito da quarta-feira teria sido “investigado pelo MI5 por envolvimento com extremismo violento” alguns anos atrás, disse a primeira-ministra Theresa May ao Parlamento.

Mas “ele era uma figura periférica. Não era investigado hoje pelos serviços de inteligência”, ela disse.

A polícia vem recrutando mais agentes que nunca de minorias étnicas e fazendo esforços especiais para construir laços com comunidades muçulmanas.

“Ao nível local, as comunidades de mesquitas hoje fazem muito mais do que faziam dez anos atrás para prevenir o terrorismo”, disse o especialista em terrorismo Paul Rogers, no norte da Inglaterra. “A polícia recebe mais cooperação do que costuma revelar.”

É evidente que não se sabe quantos ataques terroristas deixaram de acontecer graças ao trabalho da polícia, mas o governo valoriza muito esse trabalho. “A polícia e as agências de segurança evitaram grande número desses ataques nos últimos anos –mais de uma dúzia no ano passado”, disse o ministro da Defesa britânico, Michael Fallon, à BBC na quinta-feira.

Grupos de direita anti-imigrantes se apressaram a comparecer diante do Parlamento após o ataque da quarta-feira, embora o responsável tenha sido identificado mais tarde como britânico de nascimento. Esse tipo de reação é exatamente o que busca o Estado Islâmico (que na quinta-feira reivindicou o ataque), para semear a divisão e o ódio.

O professor Rogers acredita que uma compreensão pública maior do que está por trás do terrorismo do Estado Islâmico poderia ajudar a defender a sociedade contra esse perigo.

“O Isis considera que já matamos milhares de seus homens; por isso, querem matar centenas de nós a título de vingança e para semear as divisões”, ele explicou. “Está tentando levar a guerra ao inimigo distante.”

Em comunicado divulgado por sua agência de notícias, o Estado Islâmico declarou que “o perpetrador do ataque de ontem é um soldado do Estado Islâmico. Ele realizou a operação atendendo a chamados para atacar cidadãos da coalizão” que está travando uma guerra contra forças do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

Mas poucos cidadãos britânicos têm consciência mais que marginal de que seu país vem travando essa guerra há 30 meses, desde que a Real Força Aérea britânica passou a tomar parte nos ataques aéreos contra alvos do Isis no Iraque. O nível de alerta no Reino Unido está em “grave” desde 2014, indicando que um ataque terrorista é “altamente provável”. À medida que o Estado Islâmico vai perdendo o território que conquistou no Iraque e Síria, a previsão é que leve a guerra cada vez mais para o território de seus inimigos. Os desafios que as forças de segurança britânicas enfrentam não vão diminuir.

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