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Pecuarista sueco inspeciona gado em curral: ao contrário do resto da população do mundo, os europeus do Norte mantém, na idade adulta, alta  produção de enzimas necessárias para digerir a lactose | Fredrik Sandberg/AFP
Pecuarista sueco inspeciona gado em curral: ao contrário do resto da população do mundo, os europeus do Norte mantém, na idade adulta, alta produção de enzimas necessárias para digerir a lactose| Foto: Fredrik Sandberg/AFP

Assim como em qualquer outra espécie, as populações humanas são moldadas pelas forças de se­­leção natural, tais como fome, doença e clima. Uma nova força está entrando em foco atualmen­­te e resulta em uma surpreenden­­te implicação – durante os últimos 20 mil anos, os seres hu­­­manos vêm, inadvertidamente moldando sua própria evolução.

Esta força é a cultura humana, amplamente definida como qualquer comportamento apren­­dido, incluindo a tecnologia. Evi­­dências desta atividade são ainda mais surpreendentes visto que a cultura, por muito tempo, parecia desempenhar o papel oposto. Os biólogos a consideravam co­­mo um escudo que protegia as pessoas contra a força de outras pressões seletivas, porque roupas e abrigo reduzem o efeito do frio e a agricultura ajuda a produzir excedentes que eliminam a fome.

Devido a esta ação retardadora, pensava-se que a cultura ti­­vesse diminuído ou até mesmo travado o ritmo de evolução hu­­mana, em um passado distante. Muitos biólogos agora encaram o papel da cultura sob uma luz diferente.

Apesar de não proteger as pessoas contra outras forças, a cultura em si parece representar uma poderosa força de seleção natural. As pessoas se adaptam geneticamente a mudanças culturais sustentadas, assim como fazem com novas dietas. E esta interação funciona mais rápido do que outras forças seletivas, "levando alguns dos estudiosos a argumentar que a coevolução genético-cultural possa ser o modo dominante da evolução humana", conforme escreveram Kevin Laland e seus colegas em um estudo publicado na edição de fevereiro da Nature Reviews Genetics. Laland é biólogo evolutivo na Universidade de St. An­­drews, na Escócia.

A ideia de que genes e cultura coevoluem já existe há algumas décadas, mas só começou a convencer outras pessoas recentemente. Dois de seus principais proponentes, Robert Boyd, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e Peter Richerson, da Universidade da Califórnia em Davis, insistem há anos que os genes e a cultura se aliaram pa­­ra moldar a evolução humana.

"Não é como se tivéssemos si­­do desprezados; apenas um pouco ignorados", comentou Boyd. Mas, nos últimos anos, as referências de outros cientistas aos seus trabalhos "aumentaram imensamente", afirma.

Via láctea

Os melhores indícios disponíveis para Boyd e Richerson de que a cultura age como força seletiva foi a tolerância à lactose existente em muitos europeus das re­­giões mais ao Norte. A maioria das pessoas desativa o gene que digere a lactose presente no leite as­­sim que deixam de mamar, mas nos europeus do Norte – descendentes de uma antiga cultura na qual a criação de gado era im­­portante, que emergiu na região há seis mil anos – esse gene continua ativo na vida adulta.

A tolerância à lactose é agora reconhecida amplamente como caso no qual uma prática cultural – beber leite cru – causou uma mudança evolutiva no ge­­noma humano. Muito possivelmente, a nutrição adicional oferecida por essa prática era tão vantajosa que adultos capazes de digerir leite deixavam mais descendentes, o que levou essa mu­­dança genética a predominar em toda uma população.

Este exemplo de interação ge­­nético-cultural está longe de ser único. Nos últimos anos, os biólogos puderam analisar todo o genoma humano em busca de vestígios de genes que estivessem sofrendo seleção. Esses vestígios surgem quando uma versão de um gene se torna mais co­­mum do que outras versões porque seus portadores deixam mais descendentes sobreviventes. A partir dos vestígios dos es­­tudos percebe-se que até 10% do genoma – ou cerca de 2 mil ge­­nes – mostravam sinais de pressão seletiva.

Muitos dos genes em seleção parecem estar reagindo às pressões convencionais. Os genes que causam a pele mais pálida co­­mum nos europeus e asiáticos, por exemplo, são provavelmente uma resposta à geografia e clima.

Fisgar pela boca

Muitos dos genes de sabor e cheiro demonstram sinais de pressão seletiva, talvez como reflexo na mudança de hábitos alimentares quando as pessoas trocaram a existência nômade pela sedentária. Outro grupo que sofre pressão é o de genes que afetam o crescimento ósseo. Eles podem refletir o declínio do peso do es­­queleto humano que parece ter surgido em decorrência da transição para a vida estática, o que começou há cerca de 15 mil anos.

Apesar dos estudos de genoma certamente sugerirem que muitos genes humanos foram moldados por forças culturais, os testes de seleção são puramente estatísticos, e se baseiam no fato de um gene ter-se tornado mais comum. Para determinar que um gene foi, de fato, submetido a seleção, os biólogos precisam realizar outros testes, como comparar formas selecionadas e não selecionadas do gene e determinar de que maneira elas diferem.

Com os seres humanos arcaicos, a cultura mudava muito de­­vagar. O estilo de ferramentas de pedra conhecido como olduvai­­ense surgiu há 2,5 milhões de anos e não sofreu mudanças por um milhão de anos. As ferramentas de pedra acheulenses que o sucederam duraram 1,5 milhão de anos. Todavia, entre os seres humanos com comportamento moderno, os dos últimos 50 mil anos, o tempo de mu­­dança cultural se provou muito mais dinâmico. Isto cria a possibilidade de que a evolução hu­­mana venha se acelerando nos últimos anos como resultado do impacto de rápidas mudanças culturais.

Alguns biólogos acreditam que isso seja uma possibilidade, embora ainda sem provas. Os estudos de genoma que testam seleção apresentam severas limitações.

Eles não são capazes de ver os traços de seleções passadas, que são eliminados por no­­vas mutações, de modo que não existe uma linha pela qual julgar se seleção natural recente vem sendo mais rápida do que no passado. Existe também a probabilidade de encontrarmos falsos positivos entre os genes que aparentemente foram favorecidos.

Entretanto, os estudos também enfrentam dificuldade para identificar genes de seleção fraca, de forma que podem estar captando apenas uma pequena fração do estresse recente no ge­­noma. Modelos matemáticos da in­­teração entre genes e cultura sugerem que essa forma de seleção natural pode ser especialmente rápida.

A cultura se tornou uma força de seleção natural, e caso prove ser uma das maiores, então a evolução hu­­mana pode estar se acelerando, à medida que as pessoas se adaptam a pressões que elas mesmas criaram.

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