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Apoiadores do presidente venezuelano Nicolas Maduro durante comício  | JUAN BARRETOAFP
Apoiadores do presidente venezuelano Nicolas Maduro durante comício | Foto: JUAN BARRETOAFP

Para quem olha as redes sociais de Nicolás Maduro, a Venezuela está em festa: as fotos e vídeos de seu comícios mostram apoio e admiração incondicional ao ditador. No mais recente deles, em Cidade Guayana, havia um mar de apoiadores do governo vestindo camisas vermelhas.

Milhares de trabalhadores de fábricas e estatais foram levados em ônibus ao local para ouvir Maduro em uma de suas últimas paradas antes da eleição de domingo (20), que provavelmente ele vai ganhar.

Em um país que enfrenta a pobreza crescente e a fome, muitos receberam sanduíches de presunto e queijo com suco. Alguns vieram com pedidos escritos à mão em notas dobradas, que eles imploraram aos guardas para entregar a Maduro no palco.

Euclider Guerra, um operário de 35 anos, queria pedir uma cadeira de rodas para sua mãe. Yennifer Gold, 30 anos, mãe de quatro filhos, disse que foi ao evento na esperança de obter moradia do governo - e para garantir que ela continuasse recebendo as cestas de comida subsidiadas, ainda que menores.

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"Sim, estamos lutando... com comida e água", disse ela. A hiperinflação da Venezuela - a mais alta do mundo - está fazendo com que os alimentos ficassem foram do alcance de milhões. Ao mesmo tempo, disse ela, a cidade de 1,4 milhão de pessoas, como outras no país, também estava sofrendo com a escassez de água devido a falhas na rede e a falta de peças de reposição.

"Mas eu vim aqui porque quero uma casa", disse ela. "Disseram-me para trazer uma carta, e que seria entregue ao presidente. Vou votar ... e então a única coisa que resta é orar para que eu receba o que eu preciso em troca". 

Diego Hernandez, 29 anos, trabalhador da fábrica de aço Venalum, se juntou a outros trabalhadores em um ônibus para ir ao comício. "Não queremos perder nossos benefícios, as casas, os programas sociais, os bônus. Não importa as dificuldades causadas por esta guerra econômica, estamos com o governo e sabemos que Maduro será capaz de superar tudo isso", disse.

Outros se sentiram compelidos a mudar de lado, vendo o apoio a Maduro como a única maneira de garantir empregos ou serviços públicos.

Josefina Guerra, uma estudante de Direito de 23 anos, disse que participou do evento porque está se candidatando para ser professora de escola pública e disse acreditar que a única maneira de conseguir um emprego é mostrar apoio e votar em Maduro. "Eles forneceram transporte e nos deram um sanduíche no café da manhã. Então eu vim. Mas vejam, não estamos indo bem. Não tivemos água corrente este ano todo, não podemos comprar comida. Ah, e o transporte é terrível" contou.

Oposição

Maduro enfrentará dois adversários principais: Henri Falcon, um ex-seguidor de Chávez, e Javier Bertucci, um pastor evangélico. Mas o ditador provavelmente vai ser eleito por mais um mandato nas eleições de domingo (20), já que a oposição tradicional está boicotando a votação, citando a falta de garantias de uma eleição livre e justa.

O governo de Maduro proibiu a participação de algumas figuras-chave da oposição, manteve outros atrás das grades e levou pelo menos um a pedir asilo na Embaixada do Chile em Caracas. Ele também foi acusado de fraudar a eleição no ano passado que formou uma assembleia nacional constituinte toda-poderosa que apoia a ditadura.

Apesar da crescente pressão internacional, incluindo uma lista de sanções dos EUA que só aumenta, poucos acreditam que Maduro esteja preparado para perder.  Mas duas pesquisas de opinião divulgadas nesta quinta mostram o oposicionista Henri Falcón à frente de Nicolás Maduro.Segundo o instituto Datanálisis, o dissidente chavista tem 30% dos votos, contra 20% para o atual mandatário. Em terceiro, aparece o pastor evangélico Javier Bertucci (14%), um "outsider" na política que tem feito um discurso de oposição ao governo. 

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Entre os que declararam dispostos ou muito dispostos a votar, Falcón vence Maduro por 37% a 28%. Para se candidatar, Falcón rompeu com a Mesada da Unidade Democrática (MUD), coalizão dos principais partidos oposicionistas, que tem pregado a abstenção, com o argumento de que o governo fraudará o resultado.

No levantamento de Varianzas, a vantagem de Falcón é mais ampla: 45,5%, contra 24,9% para Maduro. Questionados se querem que Maduro seja reeleito por mais seis anos de mandato, 76,2% responderam que não. 

O que vem depois

Passadas as eleições e, se confirmada a vitória do ditador, Maduro logo enfrentará um teste muito maior: manter o controle sobre um país que está se degradando com uma grave crise humanitária. 

Desde que Maduro assumiu o lugar de Hugo Chávez - seu mentor, que morreu em 2013 - a crise da Venezuela tem se intensificado em consequência da queda dos preços do petróleo, da corrupção e de um sistema socialista atormentado pela má administração. E como Maduro procurou consolidar ainda mais o seu poder nos últimos 12 meses, a economia, os serviços públicos, a segurança e os cuidados de saúde praticamente entraram em colapso.

Gangues armadas e grupos guerrilheiros colombianos estão operando sem controle nas fronteiras da Venezuela. Milícias pró-governo estão aterrorizando áreas urbanas, enquanto a polícia é acusada de assassinatos extrajudiciais. Atualmente, quatro das 10 cidades mais perigosas do mundo estão na Venezuela, de acordo com um estudo de 2017 do Instituto Igarapé, um think tank brasileiro que estuda violência. Centenas, senão milhares, de membros das forças armadas estão desertando, em parte por causa de escassas rações, segundo analistas militares. 

As redes de energia e água e os sistemas de transporte estão em colapso. Apenas nos primeiros três meses do ano, a Venezuela sofreu 7.778 apagões. 

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Assolados por uma hiperinflação crescente que colocou a comida fora de alcance, os venezuelanos, enfraquecidos e magros, estão ficando extremamente doentes. Os médicos dizem que casos de doenças antes consideradas erradicadas - malária, difteria, sarampo e tuberculose - estão reaparecendo. 

Em uma nação que vive do petróleo, a produção está entrando em colapso: as fábricas estão quebrando e o governo falido não consegue consertar equipamentos. Os credores não pagos da Venezuela estão começando a apertar o laço financeiro, se mobilizando para vincular os ativos offshore do país.

Na gigante estatal do petróleo, a PDVSA, 25 mil trabalhadores - mais de um quarto da equipe - pediram demissão no ano passado, no que foi considerado um êxodo em massa. Trabalhadores que fogem estão se juntando a uma imensa multidão, de pelo menos 5.000 pessoas, que saem do país todos os dias.

O fluxo deixou as escolas sem professores, hospitais sem médicos e enfermeiros e empresas sem eletricistas e engenheiros."Um estado falido é aquele que não pode atender às funções mais básicas do governo", disse Jean Paul Leidenz, economista da Ecoanalítica, uma firma de análises de Caracas. "A Venezuela agora certamente tem essa característica". 

A crise da água

Em seu casa no leste de Caracas, Zulay Perez, 63 anos, entrou na cozinha e ligou a torneira. "Viu? Nada", disse. "Sem água. Sem água." Para os venezuelanos como Perez - a esposa de um trabalhador de fábrica - a vida nunca foi fácil. Mas no passado o casal recebera água corrente pelo menos alguns dias por mês. Este ano, foi apenas um dia - e mesmo assim por apenas algumas horas. 

A escassez se espalhou em 2018, alcançando bairros de classe média e ricos e provocando centenas de protestos espontâneos, embora pequenos. 

O governo culpa a seca, assim como interrupções de eletricidade parcialmente atribuídas à sabotagem por ativistas da oposição. Mas grupos comunitários dizem que a causa do dano é mais sistemática - uma combinação de corrupção, fuga de trabalhadores especializados do país e dificuldade de comprar peças de reposição importadas em um país onde a moeda é tão inútil que você pode usá-las papel de parede para ter um custo menor do que a pintura.

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Nos últimos anos, disse Perez, a água chegaria à sua casa com frequência suficiente para encher os grandes tanques azuis que o casal mantém em um canto. Agora ela vai para fora, para uma sarjeta onde cães defecam, para coletar água que ferve e usa para a limpeza. Para beber e tomar banho, o marido leva garrafas vazias para a casa de sua irmã, que tem cisternas maiores e tem tido um pouco mais de sorte com o serviço.

A crise da água é um sintoma do estado fracassado. Outro é a falta de comida. A filha de Perez, professora de escola pública, recebeu o salário na semana passada. A família usou o dinheiro para comprar um presente raro - uma dúzia de ovos. Por causa da disparada da inflação, eles custam 480 mil bolívares - o equivalente a quase uma semana do salário de seu marido.

Perez perdeu 17 quilos no ano passado.

"Sinto-me desesperada", disse ela, acrescentando que teme que o governo garanta uma vitória de Maduro no dia das eleições, não importa o que os eleitores façam. "Queremos mudar, mas não acho que vamos conseguir”.

A crise da saúde

No interior do Hospital Universitário de Caracas - um dos maiores da capital - a primeira coisa que é percebida é o cheiro. 

"Não temos água há duas semanas e ela voltou hoje", disse uma médica de 29 anos que guiou dois jornalistas pelos corredores escuros do hospital. A médica falou sob condição de anonimato para evitar represálias, já que a administração do hospital é pró-governo. 

"Por um tempo alguns banheiros não podiam ser lavados". disse. 

A escassez médica atingiu o venezuelano por vários anos, mas as coisas pioraram acentuadamente nos últimos meses, segundo ela e outros médicos, já que a água e a energia se tornaram mais intermitentes. Há três semanas, o hospital ficou sem eletricidade durante um fim de semana inteiro, com geradores capazes de abastecer apenas a ala de emergência, salas de cirurgia e a unidade de tratamento intensivo.

Por causa da hiperinflação, os medicamentos e suprimentos - quase todos importados - são cada vez mais inacessíveis. 

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A malária já foi rara aqui. Agora, o hospital está recebendo quase 40 pacientes infectados por dia. Os piores casos acabam na enfermaria de doenças infecciosas, que recentemente estava lotada com pacientes que sofriam de doenças evitáveis ou tratáveis, mas que fazem parte de uma população enfraquecida.

Pacientes com sarampo estavam em uma sala onde se lia "isolamento", mas havia um buraco na porta que permitia que o ar fluísse facilmente para fora dali. Os corredores ecoavam com a tosse de pacientes com HIV, alguns dos quais sofrem complicações da tuberculose. 

Haverá cada vez menos médicos para tratá-los. 

"Uma grande parte de nossos recém-formados estudantes de medicina está deixando o país imediatamente. Eu diria que 90% deles", disse Oscar Noya, um médico que dirige o departamento de malária do hospital.

A crise dos transportes

Em uma tarde recente, Leon Avila, um segurança de 54 anos, esperava em um ponto de ônibus no sopé de uma colina em Guarenas, uma favela a 29 quilômetros a leste de Caracas. Para chegar a sua casa, no topo, ele normalmente pegava o ônibus do transporte público. Mas dos 25 ônibus que costumavam percorrer a rota há cinco anos, todos, com exceção de dois, estão fora de serviço por causa da falta de peças de reposição acessíveis.

Na Venezuela, atualmente, um único pneu pode custar 100 vezes o que um motorista ganha em um mês. Mesmo os dois ônibus atualmente em funcionamento estão sofrendo com problemas - tão freqüentes que os moradores foram forçados a entrar em um tipo relativamente novo de transporte: caminhões de carga, cujos motoristas cobram uma tarifa. "Viajar como carga agora é o nosso dia-a-dia", disse Avila.

Em Caracas, 70% dos 18 mil ônibus da cidade não estão operando. Os demais trabalham apenas intermitentemente, segundo contou Hugo Ocando, líder do sindicato dos transportes. Entre 10 e 15% da frota saiu de circulação este ano.

Depois que um caminhão de carga de tamanho médio parou no ponto de ônibus onde Avila estava esperando, ele se amontoou na carroceria já lotada. "Pare de embarcar pessoas! Estamos ficando asfixiados!", alguém gritou. "Isto é um galinheiro!" gritou outro. Em instantes, mais de 30 pessoas estavam amontoadas, segurando cordas para não cair. Grande parte do interior da cabine estava escura. Não havia janelas, com a única luz e ar que passavam pelas portas traseiras abertas. "É como se fossemos animais", disse Avila.

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