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Wayne Cooper resistiu inicialmente à oferta de Patricia, mas "ela é advogada. Ela é boa com palavras". | Salwan Georges/The Washington Post
Wayne Cooper resistiu inicialmente à oferta de Patricia, mas "ela é advogada. Ela é boa com palavras".| Foto: Salwan Georges/The Washington Post

O pai de Patricia Cooper estava se aproximando da morte muito mais rápido do que qualquer um havia previsto. A sua única esperança de sobreviver à doença no fígado era um transplante, algo que seus médicos concordaram ser quase uma fantasia. Em um país com uma séria falta de doadores de fígado, Wayne Cooper estava muito abaixo na lista para ter alguma chance de receber um.

Em sua casa, em McLean, no estado da Virginia, o senhor de 70 anos perdia peso rapidamente. Ele dormia o dia todo. Patricia, advogada de imigração em Miami, ligava frequentemente. “Ele estava cansado demais para segurar o telefone”, disse. 

Em 5 de dezembro, Patricia doou mais da metade de seu fígado para o pai, um obstetra que, 34 anos antes, havia trazido ela pessoalmente para este mundo. 

“Não era nem uma escolha. É meu pai. É óbvio que eu vou fazer isso”, contou. “Eu sabia que a angústia mental de ele morrer e eu pensar que poderia ter feito algo para salvar sua vida seria pior do que qualquer dor física.” 

Embora transplantes com doadores vivos tenham sido realizados nos Estados Unidos por quase três décadas, eles ainda são raros. Em 2016, 345 dos 7841 fígados utilizados em transplantes vieram de doadores vivos, de acordo com a Rede Unificada de Compartilhamento de Órgãos (UNOS, na sigla em inglês), que coordena as listas de transplante. É mais comum que hospitais americanos utilizem doadores vivos em transplantes de rim. Em outros lugares, como a Turquia e Coreia do Sul, doadores vivos são o padrão para transplantes hepáticos. 

Em 2016, mais de 14 mil pessoas estavam em listas de espera por um transplante de fígado ao redor do país. Cerca de mil morrem anualmente porque órgãos não são encontrados em tempo. 

A diferença crucial entre uma doação de fígado feita por alguém vivo é que, diferente de outros órgãos, fígados se regeneram. Se o doador e o receptor são compatíveis em diversos quesitos, cirurgiões podem retirar uma parte do fígado do doador e transplantá-lo, pulando a parte que pode virar em anos de espera por um fígado de um doador cadáver que frequentemente resulta na morte do paciente. 

Ainda assim, transplantes com doadores vivos expõem duas pessoas – uma delas perfeitamente saudável – aos rigores e riscos de uma grande cirurgia. 

“Esse é um dos poucos transplantes feitos em que se pode morrer duas pessoas ao invés de apenas uma”, disse Rolf Barth, diretor de transplante hepático da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland, em Baltimore, que participou nas cirurgias dos Coopers. 

Eles haviam sido rejeitados por pelo menos um outro programa, que considerou o caso arriscado demais. A idade de Wayne o colocava muito próximo do limite que muitos médicos considerariam para um transplante. Ele também tem diabetes e, mais importante, problemas de coração que tornam uma cirurgia hepática mais difícil. 

Não muito antes da operação, médicos tiveram de inserir um stent para manter a artéria coronária aberta, algo que normalmente teria feito Wayne passar a utilizar anticoagulantes por seis meses e impediria a cirurgia. Ao invés disso, eles utilizaram um novo tipo de dispositivo que requer apenas seis semanas de anticoagulantes. 

“Nós somos um pouco mais abertos a novas ideias para resolver casos difíceis”, disse Barth. 

A discussão da família começou na metade do ano passado após Patricia Cooper, a mais velha dos três filhos, lembrar ter escrito histórias para o jornal da escola sobre uma colega que recebeu um transplante renal. Conforme ela se informava sobre transplantes, ela chegou nas informações sobre doação entre vivos. 

Seu pai não aceitou a ideia até ela argumentar que ele teria feito qualquer coisa para ajudar o seu próprio pai, que morreu aos 58 anos de doença cardíaca. 

“Ela é advogada”, disse Wayne Cooper. “Ela é boa com palavras. Então ela me convenceu.” 

Uma vez claro que os tipos sanguíneos dos dois eram compatíveis, a família discutiu a possibilidade com um dos centros de transplantes onde Wayne havia sido avaliado. A preocupação principal era a disparidade de seus corpos: o fígado de Patricia tinha de ser grande o suficiente para fornecer um órgão para seu pai e ainda deixar para ela uma porção suficiente para a manutenção das funções hepáticas durante a recuperação. Os médicos lá disseram que ela era muito pequena. A espera por um órgão de um doador morto continuou. 

Então Cooper e sua esposa, Bonnie, trouxeram de novo a ideia de uma doação entre vivos no fim de uma conversa com Barth e LaMattina, diretor do programa de transplantes hepáticos intervivos da faculdade de Medicina. Os cirurgiões ficaram intrigados e começaram a verificar as possibilidades. 

Patricia Cooper e seu pai de 70 anos, Wayne Cooper, andam no quintal dele em McLean, Virgínia.Salwan Georges/The Washington Post

Em outubro, Wayne ficou mais doente e mal conseguia comer. “Eu sabia que ele não ia conseguir um fígado de um doador cadáver”, disse Patricia. “Ele ia morrer de desnutrição em um mês ou dois. Eu só queria dar a ele uma chance de viver.” 

Os médicos fizeram modelos digitais dos dois fígados antes da cirurgia. Mas nada é certo até que eles vejam dentro dos pacientes. O fígado de Patricia requeria uma atípica quantidade de microcirurgias para se conectar os dutos da bile e artérias de seu pai. 

No dia das operações no Centro Médico da Universidade de Maryland, os dois foram colocados em salas adjacentes. LaMattina e outro cirurgião começaram por remover o lobo do fígado de Patricia. Cerca de 90 minutos depois, Barth e um quarto cirurgião começaram a preparar Wayne para receber o transplante. Um controle do tempo era crucial para minimizar o período que o órgão ficaria fora dos dois corpos. Nesse intervalo, ele foi armazenado em uma solução fria. 

Patricia deu a seu pai o lobo direito inteiro de seu fígado, cerca de 59% de seu volume total, disse LaMattina. Normalmente, o lobo compõe entre 60 e 70 por cento do volume do fígado de um doador. Ele disse que estudos sugerem que o órgão cresce novamente até quase igualar o seu volume original – tanto no doador quanto no receptor – em cerca de dois meses. 

Nossas convicções

No programa de Maryland, que realiza mais de dez transplantes intervivos por ano, receptores têm tanto sucesso ou mais do que pessoas que recebem fígados de doadores cadáver, contaram Barth e LaMattina. O mesmo é verdade nacionalmente, de acordo com os dados da UNOS. Pesquisas não mostram um grande impacto em doadores vivos, ainda que um pequeno número tenha sofrido complicações. 

Hoje, Wayne Cooper se recupera bem em casa. Ele está tomando imunossupressores para que seu corpo não rejeite o órgão de sua filha, ingerindo aproximadamente 20 remédios por dia, incluindo medicamentos para a diabetes e para o coração. As cirurgias dos Cooper custaram centenas de milhares de dólares, dos quais a maior parte será coberta pelo Medicare (sistema de seguros de saúde gerido pelo governo dos Estados Unidos voltado a pessoas de 65 anos ou mais ou que tenham alguma deficiência ou doença renal grave). 

Cooper e os médicos esperam que, no dia em que ele vier a morrer, seja por qualquer outra razão que não uma doença hepática. 

“Nós dizemos a todos os nossos pacientes que esse é nosso objetivo – que eles morram de idade avançada enquanto dormem”, disse LaMattina. 

Patricia recentemente voltou a trabalhar meio período. Uma nadadora competitiva, ela tem sofrido mais com a fatiga e com a incisão feita nos músculos de seu abdômen. 

“Quando essas cirurgias dão certo, elas são coisas realmente maravilhosas”, comentou LaMattina. “Esta é uma história sobre o doador. O doador passa por algo que ele não precisa; isso é muita coisa, é um risco, fazer algo por alguém que importa para ele.”

Tradução de Maíra Santos
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