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Mar de Aral em 2015. O nível de água caiu drasticamente nos últimos anos por causa da retirada de água dos rios que o alimentam | NASA Earth Observatory/Cortesia
Mar de Aral em 2015. O nível de água caiu drasticamente nos últimos anos por causa da retirada de água dos rios que o alimentam| Foto: NASA Earth Observatory/Cortesia

Uma missão da Nasa conduzida ao longo de 14 anos confirmou que está ocorrendo uma grande redistribuição da água doce na Terra. Faixas do planeta nas latitudes médias estão secando, enquanto os trópicos e as áreas de latitude maior estão ganhando mais água. 

Os resultados provavelmente representam uma combinação dos efeitos da mudança climática, grandes extrações humanas de água dos lençóis freáticos e simples alterações naturais. Se continuarem, poderão ter consequências profundas, apontando para uma situação futura em que falte água em algumas regiões densamente povoadas. 

“Para mim, o fato de podermos enxergar essa impressão digital muito forte das atividades humanas sobre a redistribuição hídrica global deve ser motivo de preocupação”, disse Jay Famiglietti, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa e um dos autores de um novo estudo publicado na revista “Nature” na semana passada. 

Os resultados vieram da missão 2002-2016 GRACE (a sigla representa as iniciais de Gravity Recovery and Climate Experiment, ou Experimento de Recuperação da Gravidade e Clima), complementada com outras fontes adicionais de dados. 

Análise

A missão GRACE, que terminou recentemente, consistiu em dois satélites gêmeos em órbita. Os satélites detectaram a atração da gravidade da Terra debaixo deles e monitoraram mudanças de massa, com base em diferenças pequenas nas medidas feitas pelos dois satélites. 

Entre todos os elementos muito maciços da Terra, a água e o gelo são os que sofrem modificações mais regulares. Assim, os dados da GRACE foram usados para detectar desde grandes perdas de gelo na Groenlândia, Antártida e Alasca até alterações nas correntes oceânicas, passando pela escala da seca na Califórnia. 

Liderada por Matthew Rodell, da Nasa, a nova pesquisa reúne essas descobertas e outras para identificar 34 regiões globais que ganharam ou perderam mais de 32 bilhões de toneladas de água entre 2002 e 2016. Como nota o estudo, 32 bilhões de toneladas é aproximadamente o volume de água contido no lago Mead. Assim, ocorreram transformações muito grandes em todas essas 34 regiões. 

O mapa resultante das descobertas revela um padrão global em que as calotas de gelo e geleiras perderam de longe a maior massa nos polos, mas, ao mesmo tempo, as latitudes médias revelam múltiplas áreas cada vez mais secas, ao mesmo tempo em que as latitudes mais altas e o cinturão tropical tendem a registrar aumentos em seu conteúdo hídrico. 

Mudanças

O estudo enfatizou que as 34 mudanças separadas que foram detectadas não tiveram todas a mesma causa – longe disso. 

Existe uma suspeita muito forte que o derretimento de geleiras e calotas de gela esteja vinculado à mudança climática. É possível que algumas estiagens e alguns aumentos de precipitação pluviométrica em terra também estejam ligados a essa causa, embora o estudo seja cauteloso a esse respeito, observando que a variabilidade natural também pode ser um fator importante em ação. 

Mesmo assim, a ideia de ressecamento das regiões de latitudes médias e encharcamento das áreas de latitudes mais altas e mais baixas é um elemento comum dos modelos de mudança climática. “Temos apenas 15 anos de dados do GRACE, mas não há dúvida de que eles correspondem a esse padrão, agora mesmo”, disse Famiglietti. “Isso é motivo de preocupação.” 

Ele acrescentou que mais dados a serem obtidos com o lançamento da nova missão GRACE "Follow-On" vão contribuir para um registro de dados mais longo, algo que pode ajudar a melhor identificar as tendências. 

Alterações induzidas pelo homem

E há outras alterações induzidas pelo homem, relacionadas não à mudança climática, mas a extrações diretas de água. 

Assim, no norte da Índia, na planície do norte da China, nos mares Cáspio e de Aral, entre outras regiões, a extração de água para fins agrícolas subtraiu volumes imensos de massa hídrica da Terra. As alterações na região do mar de Aral, que já haviam sido documentadas previamente pela Nasa, foram especialmente intensas. 

Também há alguns casos importantes de aumento da água armazenada na paisagem por ação do homem, especialmente na China, onde a criação de barragens enormes criou reservatórios extensos. 

Mas o que mais chama a atenção no mapa é o modo como uma combinação de extração de água e estiagens decorrentes da ação humana parece estar castigando as latitudes centrais especialmente do hemisfério norte, mas também do hemisfério sul, em grau significativo. 

“Acho que nos esquecemos, a sociedade esqueceu, quanta água é necessária para produzir alimentos”, disse Famiglietti. 

Achamos que a disponibilidade de água era algo garantido e certo. E agora estamos em um ponto em que muitos desses aquíferos não podem mais ser dados como garantidos. A população está grande demais, o nível dos lençóis freáticos está baixo demais... estamos diante de pontos de inflexão.” 

Interpretação

Mesmo assim, é importante guardar em mente que, embora os dados da GRACE nos tenham proporcionado uma nova visão panóptica das mudanças na distribuição hídrica no globo, os dados ainda são toscos, e as causas que motivam as tendências em muitos casos são abertas à interpretação, avisou Peter Gleick, especialista em mudança climática e água e presidente emérito do Pacific Institute. 

“Não há dúvida que o sistema GRACE comprovou que podemos observar mudanças muito importantes na armazenagem hídrica pelo planeta”, disse Gleick. “Definir o que levou a essas mudanças é mais difícil.” 

Ele concordou que a próxima missão GRACE vai fornecer dados ainda melhores. 

“Estamos numa transição entre não termos realmente uma visão global e, algum dia, contarmos com uma visão global fornecida por sensores remotos sofisticados de resolução altíssima”, disse Gleick. “É onde estamos agora”.

Traduzido por Clara Allain.
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