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| Foto: MARIO VAZQUEZ/AFP

“Dê-me os seus cansados, seus pobres, suas massas encolhidas ansiando por respirar livremente... Mande os sem-teto, jogados pelas tempestades a mim, levanto minha lâmpada ao lado da porta dourada!”. Mais de um século se passou desde que Emma Lazarus eternizou estas palavras no pedestal da Estátua da Liberdade. Ao seu lado, na Ellis Island, viria a funcionar a maior estação de inspeção de imigrantes da história dos Estados Unidos. Por lá entraram dezenas de milhões de imigrantes fugindo da fome, da guerra, da falta de esperanças e perspectivas na vida.

Mas se é um consenso que os EUA foram construídos pela força do trabalho dos seus imigrantes, nas últimas décadas o debate acerca da política imigratória tem ganhado novos contornos. E o assunto deve interessar muito também a nós brasileiros – a questão de como lidar com aqueles que vêm de fora promete ser uma das questões mais urgentes no nosso próprio país ao longo das próximas décadas.

Durante a campanha, Trump prometeu erigir um muro ao longo de toda a imensa fronteira entre EUA e México – aqui falamos de nada menos que 3.201 km. E em seus primeiros dias já assinou a ordem executiva para dar início à construção do referido muro (que, diga-se de passagem, foi permitida por uma lei aprovada no Congresso em 2006 e que contou com o voto de medalhões Democratas, como Obama e Hillary).

Mas qual a raiz de tamanha hostilidade à imigração mexicana? Estados Unidos e México são um caso antigo de amor e ódio geopolítico. Da guerra de 1847-48, quando o México perdeu mais da metade de seu território para o irmão do norte, às atuais tensões envolvendo o grande contingente de imigrantes mexicanos nos EUA, a formação das duas sociedades foi moldada em boa parte por esta convivência nem sempre harmoniosa. A fronteira entre os dois países é hoje a mais movimentada do Mundo, cruzada legalmente quase 800 milhões de vezes por ano e o fluxo de comércio passa dos 500 bilhões de dólares.

Mundo afora a globalização tem se desenvolvido como um processo amplo e inexorável de redução de distâncias e custos de transações que nos trouxe a um patamar de prosperidade nunca antes imaginado. Mas vem sendo gestado em paralelo, já há algum tempo, um forte sentimento de rancor e insatisfação com os resultados desta mesma globalização para os cidadãos mais pobres dos países mais ricos. Nos EUA, em especial após a Crise de 2008, um contingente cada vez maior de pessoas passou a ver cada vez mais distante seu “Sonho Americano”.

Some-se a isso a conclusão fácil (porém objetivamente equivocada) de que trabalhadores mexicanos estariam “roubando” o emprego de americanos. Em primeiro lugar porque ninguém dispõe de título de propriedade sobre uma vaga de emprego. Ou seja, os empregos não são americanos ou mexicanos. Isto seria o equivalente a proibir um empresário de demitir um funcionário, pois ele teria se tornado o proprietário desta vaga. Uma vaga de trabalho não é um bem tangível que é transportado pela fronteira e oferecido a um cidadão que se ofereça a ocupá-la por menos. Além disso, pessoas não são robôs, programados para realizar apenas um tipo de tarefa ou ofício do início ao fim de suas vidas. Cada indivíduo é um universo em si mesmo e seus esforços laborais são perfeitamente complementares aos de seus vizinhos. E não há motivos para isso ser diferente se estivermos falando de um vizinho do mesmo país ou um que more do outro lado de uma fronteira política arbitrariamente estabelecida. A divisão de trabalho é benéfica a todos.

É compreensível que Trump tenha se valido da fácil retórica populista para vencer a eleição. Mas se ele pretende realmente “tornar a América grande novamente”, precisa entender que a melhor maneira de se diminuir a imigração ilegal para os EUA de forma sustentável é ampliando os canais de imigração legal. Levar a cabo políticas de protecionismo laboral ou comercial diminuirá o dinamismo, a divisão de trabalho e a produtividade da economia americana. Restringir a imigração não só não será uma solução, como ainda agravará os problemas americanos dentro e fora de casa.

Fábio Ostermann é cientista político e professor. fmostermann@gmail.com
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