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População de Massarosa cumprimenta soldados brasileiros após libertação da cidade | Divulgação
População de Massarosa cumprimenta soldados brasileiros após libertação da cidade| Foto: Divulgação

Relato

Reconhecimento pelos italianos contrasta com esquecimento no Brasil

Eu e minha família fizemos uma viagem à região dos Apeninos, na Itália, onde permanecemos durante 12 dias, em setembro de 2012. O caminho que percorremos foi organizado a partir de um roteiro que havíamos elaborado no Brasil, e teve por referência a campanha militar da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na região, no período 1944-1945, durante a Segunda Guerra Mundial. O objetivo consistia na visita aos lugares em que combateram nossos pracinhas, na busca de algum registro de suas presenças.

A concretização do projeto dessa viagem com esse roteiro, acalentado durante tantos anos, representou uma feliz junção entre o presente e o passado, simbolizado no reavivamento das minhas lembranças e memórias, adormecidas mas não esquecidas, de um tempo em que, menino e pré-adolescente ainda, ouvi de meu pai, um segundo tenente do Regimento Sampaio, o relato sobre episódios que vivenciara de perto.

Mas o que verdadeiramente me motivou a escrever essas linhas foi a intensa impressão que a experiência dessa viagem nos causou: desde a nossa chegada, em Montese, até o último dia, em Fornovo di Taro, chamaram a atenção as lembranças, a memória ainda muito viva e o sentimento de gratidão até hoje presente nos moradores da região. Eles atribuem a liberazione (libertação) do nazifascismo à passagem dos pracinhas durante a guerra.

Não constitui nenhuma novidade o esquecimento a que foram relegados no Brasil os nossos soldados. O contraste nos marcou profundamente: ter visto o lado oposto desse esquecimento, nos mais recônditos lugares daquela região por onde andamos, na forma de reverência, gratidão e reconhecimento dos brasileiros, expressos no carinho e atenção que nos dedicavam. Era um misto de alegria e tristeza. Alegria pelo reconhecimento de um povo e tristeza pelo esquecimento de uma das páginas da nossa história.

Zafer Pires Ferreira Filho, advogado e filho de ex-combatente da FEB.

25 mil soldados brasileiros foram destacados para servir a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália durante a Segunda Guerra Mundial.Desse contingente, 465 acabaram morrendo. Segundo o pesquisador Sirio Fröhlich, a batalha mais sangrenta aconteceu em Montese, onde, em quatro dias, o saldo final foi de 34 mortos e 392 feridos.

  • Tropas brasileiras avançam na cidade de Montese, na Itália

Nomes como Montese, Cama-iora e Massarosa soam desconhecidos para muitos brasileiros. Para parte dos italianos que vivem nessas localidades, porém, o Brasil tem um significado especial. Não se trata de turismo, samba ou futebol, mas de uma parte importante da história daquela região. Há 70 anos, durante a Segunda Guerra Mundial, foi a ação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que libertou a população dessas cidades dos nazifascistas. O episódio é lembrado até os dias atuais, em conversas com os moradores e em celebrações realizadas anualmente.

Foi em 2 de julho de 1944 que as tropas brasileiras desembarcaram em solo italiano. O primeiro combate aconteceu em setembro no Vale do Rio Serchio, na Toscana, norte do país. A partir daí teve início uma ofensiva que tomou várias cidades da região, tendo o momento mais crítico em Monte Castelo, numa batalha que durou quase três meses. A conquista da cidade é tida como fundamental para que os Aliados derrotassem as forças do Eixo na Itália.

Homenagens

Mario Pereira nasceu na Itália, mas é filho de brasileiro. Mais precisamente do subtenente Miguel Pereira, integrante da FEB que optou por fixar moradia na região após os combates. Até a morte dele, em 2003, era o ex-combatente quem cuidava do Monumento Votivo de Pistoia, erguido no local onde até a década de 1960 estava o cemitério em que foram enterrados os brasileiros mortos em combate (depois os restos foram transferidos para o Brasil). "No dia 2 de novembro de todos os anos é realizada uma grande solenidade para homenagear os soldados da FEB mortos em solo italiano", conta Mario, que assumiu o posto do pai na administração do monumento.

De acordo com ele, homenagens desse tipo são realizadas em grande parte dos municípios da região, que também contam com monumentos para lembrar a ação brasileira. "A comunidade italiana vê os brasileiros como verdadeiros libertadores. Muitos são os testemunhos de acontecimentos, pessoas que contam para as novas gerações aqueles momentos de sofrimento e a grande ajuda que receberam", relata Mario, lembrando que não se encontram monumentos semelhantes dedicados a outros países aliados.

Memória

Solidariedade dos pracinhas é lembrada em cidades libertadas

Solidariedade. Essa foi a palavra que Sirio Sebastião Frölich, militar e pesquisador do Exército, mais ouviu dos italianos quando eles se referiam à atuação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial. Na Itália, ele percorreu boa parte do roteiro feito pela FEB durante o conflito. "Sem exceções, os italianos que conviveram com os pracinhas confirmaram que eles eram mais solidários do que qualquer outro", revela.

Sirio é autor do livro Longa Jornada – Com a FEB na Itália, no qual descreve a trajetória e o cotidiano de alguns dos soldados que saíram do Rio Grande do Sul para combater em solo italiano. Para ele, o reconhecimento dos pracinhas é maior fora do que dentro do Brasil. "Isso se deve principalmente ao conhecimento da conduta do pracinha em combate e no convívio com a população italiana", afirma.

Esse sentimento é compartilhado pelo advogado Zafer Pires Ferreira Filho, cujo pai lutou pela FEB. Em 2012, ele visitou com a família algumas das cidades libertadas pelas tropas brasileiras. "Ficamos emocionados, mas ao mesmo tempo tristes, por lembrarmos do sentimento oposto do brasileiro de uma forma geral e das autoridades, de desconhecimento e indiferença por um período tão importante na história do Brasil", lamenta.

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