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Balenga Kalala se declarou culpado e foi condenado a nove anos de prisão por tentativa de homicídio contra a própria esposa | Reprodução/Facebook
Balenga Kalala se declarou culpado e foi condenado a nove anos de prisão por tentativa de homicídio contra a própria esposa| Foto: Reprodução/Facebook

Noela Rukundo permaneceu sentada em um carro em frente a sua casa, observando os últimos enlutados saírem. Eles estavam saindo de um funeral - seu funeral. Finalmente, ela viu o homem a quem estava esperando. Ela saiu de seu carro, e seu marido levou as mãos à cabeça horrorizado. “São meus olhos?”, ela se recorda de ele ter dito. “É um fantasma?”.

“Surpresa! Eu estou viva! “, respondeu ela.

Longe de se entusiasmar, o homem parecia aterrorizado. Cinco dias antes, ele tinha contratado uma equipe de pistoleiros para matar Noela, sua companheira há 10 anos. E eles o fizeram -- ou melhor, disseram que fizeram. Eles ainda exigiram um pagamento extra de alguns milhares de dólares para a concretizar o crime.

Agora, ali estava sua esposa, de pé, diante dele. Em uma entrevista à BBC, Noela relembrou como ele tocou em seu ombro para ver se era real. Ele pulou. Então começou a gritar. “Eu sinto muito por tudo”, lamentava.

Mas era tarde para desculpas; Noela chamou a polícia. O marido, Balenga Kalala, se declarou culpado e foi condenado a nove anos de prisão por tentativa de homicídio, de acordo com a Australian Broadcasting Corporation (ABC).

O final feliz - ou, feliz na medida do que se pode esperar em uma saga na qual um homem tenta matar a própria esposa - foi possível graças a três pistoleiros com certos princípios, um pastor e uma mulher incrivelmente corajosa: a própria Noela.

Saga

O calvário de Noela começou há quase um ano, quando ela viajou de Melbourne, sua cidade, com o marido, Kalala, para participar de um funeral em Burundi, onde nasceu. Sua madrasta havia morrido e a cerimônia a deixou cansada e triste . Ela então foi para seu quarto de hotel, na cidade de Bujumbura, descansar . Seu marido ligou. “Ele me disse para sair e pegar um ar”, contou ela à BBC.

Mas, assim que saiu do hotel, um homem a parou, apontando uma arma. “Não grite”, ele disse. “Se você começar a gritar, eu vou atirar em você. Eles vão me pegar, mas e você? Você já estará morta.”

Noela, aterrorizada, fez o que ele disse. Ela foi levada em um carro com os olhos vendados para que não pudesse ver onde ia. Após 30 ou 40 minutos, o carro parou, e Noela foi empurrada para dentro de uma construção, onde foi amarrada a uma cadeira.

Ela podia ouvir vozes masculinas, disse à ABC. Uma delas perguntou: “O que você fez para este homem nos pagar para matá-la?”. “Do que você está falando?”, Noela respondeu. “Balenga nos mandou matá-la.”

Eles estavam mentindo, ela tentou argumentar. Eles riram. “Você é uma tola”, disseram. Houve um som de telefone e uma voz soou pelo alto-falante. Era a voz de seu marido. “Matem ela”, ele dizia. Noela desmaiou.

Casamento

Noela conheceu o marido há 11 anos, logo após ela chegar à Austrália vinda do Burundi, de acordo com a BBC. Ele era um refugiado da República Democrática do Congo, e eles tinham a mesma assistente social na agência de reassentamento que os acolheu. Como Kalala já falava inglês, a assistente social muitas vezes o chamava para traduzir a conversa com Noela, que falava apenas swahili.

Eles se apaixonaram, passaram a morar juntos no subúrbio de Kings Park, em Melbourne, e tiveram três filhos (Noela tinha cinco outros de um relacionamento anterior). Ela descobriu mais sobre o passado de seu marido - ele tinha fugido um exército rebelde que havia saqueado sua aldeia, matando sua esposa e filho.

Ela também soube mais sobre sua personalidade. “Eu sabia que ele era um homem violento”, disse ela à BBC. “Mas eu não acreditava que ele poderia me matar.”

Mas, ao que parece, poderia.

Desfecho

Noela acordou na estranha construção, em algum lugar nos arredores de Bujumbura. Os sequestradores ainda estavam lá, disse à ABC.

Os homens não iriam matá-la, eles avisaram -- eles não costumavam matar mulheres e, ainda por cima, conheciam o irmão dela. Mas eles iriam ficar com o dinheiro do marido e falar que ela estava morta. Depois de dois dias, eles a libertaram em uma estrada e deram um telefone celular, gravações de suas conversas telefônicas com Kalala e recibos dos US$ 7 mil dólares australianos que teriam recebido como pagamento, de acordo com o site The Age.

“Nós queremos que você volte para dizer a outras mulheres estúpidas como e o que aconteceu”, disseram os homens a Noela antes de irem embora.

Abalada, mas viva e determinada, ela começou a traçar seu próximo passo. Ela procurou a ajuda das embaixadas do Quênia e Bélgica para voltar à Austrália. Em seguida, ela ligou para o pastor de sua igreja em Melbourne, disse à BBC, e explicou o que havia acontecido.

Sem alertar Kalala, o pastor a ajudou a voltar para casa, na região de Melbourne.

Enquanto isso, seu marido havia dito a todos que ela havia morrido em um acidente trágico. Toda a comunidade lamentou a perda em um funeral na casa da família.

Na noite de 22 de fevereiro de 2015, assim que o viúvo Kalala se despedia de seus vizinhos que foram confortá-lo, Noela se aproximou dele, o homem cuja voz havia ouvido cinco dias antes, ordenando que ela fosse morta.

“Eu me senti como alguém que havia renascido”, disse.

Embora Kalala inicialmente tenha negado qualquer envolvimento, Noela conseguiu fazê-lo confessar o crime durante uma conversa telefônica gravada em segredo pela polícia. “Às vezes diabo se apodera de alguém, levando-o a fazer algo, mas depois de feito, a pessoa repensa: ‘Por que eu fiz isso?”, disse ele para pedir perdão à esposa.

Kalala se declarou culpado pelo esquema. Ele foi condenado a nove anos de prisão por um juiz de Melbourne.

“Se os sequestradores da senhora Noela Rukundo tivessem concluído o trabalho, oito crianças perderiam a mãe”, disse Marilyn Warren, de acordo com a ABC. “O crime foi premeditado e motivado por ciúme infundado, raiva e um desejo de punir Noela.”

A mulher disse que Kalala tentou matá-la, porque pensou que ela estava prestes a deixá-lo por causa de outro homem - uma acusação que ela nega.

Mas seus medos ainda não acabaram. Noela disse que sofre ameaças da comunidade congolesa de Melbourne por ter denunciado Kalala à polícia. Alguém deixou mensagens ameaçadoras para ela e, um dia, após voltar para casa, ela encontrou a porta traseira quebrada. Ela agora tem oito filhos para criar sozinha, e pediu ao Departamento de Serviços Humanos para ajudá-la a encontrar um novo lugar para morar.

Deitado na cama à noite, a voz de Kalala ainda vem a sua cabeça: “Matem ela, matem ela”, disse à BBC. “Toda noite, eu penso no que aconteceu naqueles dois dias com os sequestradores.”

Apesar de tudo, “eu vou me levantar como uma mulher forte”, disse ela. “Minha situação, minha vida passada? Isso se foi. Estou começando uma nova vida.”

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